Não dava para acreditar! Todos estavam bem, aptos à luta. Era como se Apolo jamais tivesse sido eletrocutado por quatro raios de Zeus e como se os titãs nunca tivessem passado milhares de anos presos no Tártaro, prisão que sugava todas as forças e esperanças de seus prisioneiros.
Não bastasse isso, no horizonte distante, Zeus notou que o Etna místico havia explodido em uma gigantesca nuvem piroclástica. Quase simultaneamente percebeu também que o firmamento declinou, como se alguém o tivesse largado no chão. Um grande terremoto fez tremer toda a Grécia Mística.
Hades não estava alheio a isso. Tinha mais essas cartas na mão.
- Voe Zeus! Fuja! – Aconselhou sombrio, desdenhoso e irônico, amparado pelos novos aliados. Raios e trovões. Aquele era seu grande momento. Ver o prepotente Zeus recuar, fugir, evadir-se talvez fosse melhor do que vê-lo totalmente derrotado. O plano havia dado certo apesar dos revezes e contratempos. Todas as forças outrora fustigadas por Zeus e o poder de uma antiga profecia haviam sido unidos sob o estandarte de uma mesma bandeira: destruir Zeus.
As flechas prateadas de Ártemis, por seu turno, atravessaram centenas de soldados de Zeus. Nêmesis caiu desfalecida atingida por uma saraivada de flechas prateadas e douradas, tal como ocorrera com os filhos de Niobe milênios de anos atrás. Os titãs saltaram da cabeça de Apófis e logo atacaram impiedosamente centenas de águias, manticores e harpias de Zeus. Alguns titãs se juntaram a Hypnos e Thanatos que já estavam sendo quase derrotados por Ares, Hermes, Hércules e Freya. Hércules, ao ver o movimento dos titãs, avançou contra Palas em um pulo fenomenal e conseguiu quebrar o pescoço do oponente sem lhe dar muitas chances, mas foi imediatamente repelido pela força descomunal das demais criaturas do caos, todas ávidas por vingança, todas ansiosas para desfrutar do glorioso momento de liberdade.
Hércules, no entanto, foi vítima de muitos socos e pontapés potentes, bem como alvo de gigantescas rochas e árvores. Não fosse um raio dourado disparado por Atena, daqueles que cegavam momentaneamente os rivais, Hércules teria sido esmagado por vários braços que rivalizavam em força e poder aos seus. À medida que a guerra transcorria, Apolo e os titãs se fortaleciam. Lembravam-se novamente dos poderes e movimentos que tipicamente realizavam outrora, antes das tragédias pessoais que os acometeram. Cronos se dirigiu lentamente a Zeus enquanto sentia o caos tomar conta do cenário. Como deus do tempo, queria degustar cada momento daquele embate. Vingar-se-ia de seu filho, aquele que o tapeou, aquele que o atacou pelas costas, aquele que retirou dele tudo o que mais prezava: o poder.
Ares e Hefesto, em meio ao caos, se identificaram, trocaram olhares, e fugiram para o Olimpo, o que deixou o atento Zeus transtornado. Malditos covardes! Atena, Hermes e Freya vieram para o lado de Zeus, acobertados por Hércules, que recuava e trocava socos com os cada vez mais fortes titãs:
- Precisamos fugir, pai! Eles estão muito fortes! Logo Tifão e Atlas também chegarão! – Alarmou-se a deusa Atena que buscava ser um pouco racional naquele antro de irracionalidade. Tifão e Atlas eram outras vítimas do poder de Zeus. A besta fera, presa no vulcão Étna, e Atlas, aquele que carregara o peso do firmamento por tanto tempo, viriam atrás de seu algoz, da mesma forma que os titãs.
Zeus estava sem saída, mesmo no estado de fúria total e absoluta… Sabia que não daria conta de tantos inimigos poderosos. Observava das alturas a destruição que Apófis estava causando a seus exércitos terrestres. Raiva!
- Fuja! – Aconselhou Hades mais uma vez em um misto de sobriedade e êxtase pela vitória iminente. A aura negra do deus sombrio queimava triunfante, mais forte do que nunca, e causava terror nos aliados de Zeus. A maré da guerra havia mudado radicalmente.
Zeus engoliu em seco aquela afronta. Inconformado e relutante, de olhar incrédulo e profundo, resolveu recuar. A grande sabedoria de Zeus sobrepujou o espírito bélico da potência olímpica. Fosse mais jovem, teria agido impulsivamente e decretado o próprio fim ali mesmo. Às vezes era sábio recuar. Retirou a flecha dourada de Apolo de seu braço sem gritar ou esboçar qualquer sinal de dor, partiu-a em dois, em claro sinal de desprezo feroz, e atirou na imensidão do Hades. De orgulho ferido e olhos totalmente brilhantes, como o brilho de uma estrela, o líder do reino do céu decidiu voltar para o Olimpo antes que fosse tarde demais. Lá puniria Ares e Hefesto pela deserção. O Olimpo seria seu baluarte. O Olimpo não iria cair! Zeus era invencível na própria morada. Nenhum titã, nenhuma profecia, nem ninguém o tirariam do poder.
Finalmente Zeus lançou um grande raio sobre os titãs que agrediam Hércules para que o filho pudesse se desvencilhar dos atacantes e fugir também. Todos os olimpianos restantes se evadiram rapidamente daquele campo de batalha encharcado de sangue, suor e morte. Logo seriam caçados e mortos…
Hades sorriu reflexivo ao ver o até então insuperável irmão debandar. Olhou para a mão ferida e para seus terríveis aliados. Questionou-se e concluiu: havia valido a pena, enfim. Agora teria Perséfone. Os seios fartos, as coxas bem torneadas, o bumbum empinado, a boca vermelha, a pele alva, o sexo molhado… Finalmente a tiraria de Deméter e finalmente acabaria com a divisão de tempo e com a distância, uma sina que lhe tirava a integridade do amor. Perséfone seria dele integralmente, todos os dias, em todas as estações, em todos os anos, para o todo sempre. Não desgrudaria da formosa dama jamais.
Os exércitos do Olimpo se dispersaram e foram perseguidos e massacrados cruel e implacavelmente pelo que sobrou do exército ctônico e pelos novos aliados de Hades. A ordem não era deixar ninguém vivo para contar a história. A história seria contada in totum pelo lado vencedor. Lembranças do Olimpo governado por Zeus deveriam ser extirpadas da história…
- Vamos atrás dele! – Ordenou sombrio Cronos a Hades, enquanto comia mais uma maçã dourada. A cada mordida, uma veia, um músculo saltava… Cronos pretendia impor-se em breve, assim que estivesse totalmente apto a manifestar o inigualável poder que possuía, e tomar as rédeas da situação. Pretendia se valer da antiga autoridade que tinha sobre os titãs para recuperar o posto de líder máximo e sufocar a descendência rebelde.
- Não! – Interveio Apolo bruscamente. – Antes que EU acabe com Zeus, precisamos acabar com todas as tropas inimigas e com Frey. Zeus pode esperar. – Apolo além de querer prolongar a angústia e humilhação de Zeus pretendia testar seu grande poder antes de encarar o pai novamente, mas dessa vez no mano a mano, sem surpresas. As dores e efeitos nefastos dos raios do pai não mais existiam, mas a fragilidade ainda estava na mente de Apolo. Estava levemente traumatizado. As lembranças daquele dia ainda o assombravam. Precisava estar seguro de ter restabelecido o grandioso poder do Sol. Precisava eliminar um grande oponente para nele novamente florescer a confiança e, então, desafiar o pai.
Cronos se sentiu desautorizado. O grande titã sempre fora o líder e jamais aceitou ou aceitaria ordens de ninguém, muito menos de um filho arrogante do malfadado Zeus. Mais uma veia saltou. Depois de Zeus, dos asgardianos e dos egípcios, Apolo seria o próximo na lista negra de Cronos. Ao contrário do passado, dessa vez seria cauteloso. Não subestimaria a descendência nem as titânides, nenhuma divindade.
- Sim. – Consentiu secamente Hades. – Acabe com todos. Vamos distribuir as maçãs restantes para os deuses e titãs feridos e partir para o Olimpo assim que Seth e Atlas chegarem dos Jardins das Hespérides.
Ao libertar Atlas, Seth, o deus do mal egípcio, o outro filho da puta mencionado por Hades em seu palácio, valendo-se do seu novo pênis implantado por Asclépio, promoveu um grande estupro coletivo das ninfas que protegiam aqueles jardins. Queria demonstrar virilidade e poder; queria guerrear e dominar. O mal havia voltado da forma mais torpe e hedionda possível no deus caído e sua volta acarretou também na morte do Dragão que guardava o tesouro daqueles jardins até então imaculados e na libertação de Atlas.
Apolo, Menoécio e Perseus, percebendo a movimentação tardia de Frey e seus elfos, foram dar cabo do virtuoso deus asgardiano, enquanto os demais aliados de Hades promoviam verdadeiros massacres sobre o que havia sobrado das tropas aliadas. Tal movimento dos exércitos de Frey não ficaria impune.
Pouco se importavam se aquele deus era nórdico ou se ele havia participado da guerra. O panteão nórdico estava enfiado até o fundo naquela história e deveria ser eliminado também, se possível parceladamente, pois os ctônicos não sabiam se a aliança entre Zeus e Odin ainda estava imaculada e porque, mais cedo ou mais tarde, apesar das travessuras e subterfúgios de Loki, os nórdicos saberiam que as maçãs de ouro da juventude estavam com os rebeldes ctônicos. Zeus e os asgardianos precisavam perecer, antes que se juntassem definitivamente. Os titãs foram resgatados por Hades com esse propósito: o de anular a eventual ajuda asgardiana.
Frey, sentido que o pau comia solto ali perto, preparava-se para intervir, em plena desobediência às ordens de Odin transmitidas momentos antes por Hermod. Frey notou que o bicho estava pegando e que os exércitos de Zeus estavam recuando. Preocupou-se com a irmã, Freya, aliada dos olimpianos. Não podia deixá-la perecer. Amava a danadinha. Ao contrário da maioria dos demais panteões, os deuses asgardianos não eram imortais. A imortalidade que experimentavam decorria das maçãs douradas cultivadas por Idunna. Uma vez mortos, jamais voltariam, a não ser que Hel permitisse… e a deusa expulsa de Asgard nunca permitia.
Enquanto o deus solar e seus sequazes se encaminhavam para dar cabo de Frey, Trevas finalizou Eolo e Zéfiro, ambos deuses eólicos, que vitimados pelo poder irresistível daquele deus em ascensão, substituto de Zeus, passaram a se agredir, lançando cada um lâminas de ar capazes de cortar diamantes e cumes de montanhas como se fossem folhas de papel. Ambos os deuses eólicos se esvaíram em hemorragias e no final tiveram as cabeças decepadas pelos próprios poderes.
Trevas, ao ver aqueles deuses adversários mortos, chorou. Sentiu-se péssimo. Logo um arrependimento enorme o corroeu por dentro. Era uma montanha russa de ódio e compaixão. Estava odiando controlar a mente de deuses e hecatônquiros para que se matassem. Sentia um grande sentimento de remorso quando o crime se consumava. Não devia se sentir assim. Por que isso ocorria? A finada Éris, deusa da discórdia, jamais ensinara compaixão a Trevas, nem Despina, nem ninguém. Nunca o ensinaram a se arrepender ou a pensar no próximo. Trevas nunca aprendeu bons valores. Mas não entendia o porquê da guerra, da violência e da sua “cegueira” momentânea durante as lutas. A testosterona era tanta assim para cegá-lo em momentos extremos? O que tinha Trevas dentro de sua alma corrompida? Trevas não entendia porque só ele era assim. O irmão caçula era indiferente a toda aquela guerra, porque adorava matar pessoas gratuitamente e estuprar deusas, ninfas e mulheres. Trevas se julgava infeliz, pois não tinha muitas certezas, a não ser que aquele poder que o transformava em besta fera durante as batalhas era um vício que o consumia. Não conseguia se livrar daquilo. Muitos o chamavam esquizofrênico, outros de fraco, outros simplesmente de esquisito. Algo corria em seu sangue que o fazia diferente dos outros, mas nunca soube o que era. Ele era assim, uma metamorfose divina, cheia de altos e baixos, paixões e dúvidas.
Perto dali de onde Trevas se lamuriava e embarcava em mais um tornado de emoções, ouviu-se e sentiu-se uma grande explosão. Um cogumelo gigante varreu todas as últimas nuvens de tempestade que pairavam sobre a Grécia mística. Um clarão dominou o horizonte. Algo similar a uma arma nuclear havia explodido. Era Fúria, filho de Poseidon e da nereida Tétis, pés de prata, e seu poder radioativo, oriundo de anos de explosões atômicas nos oceanos terráqueos por onde Poseidon havia passado muitas vezes e absorvido radiação nos testículos divinos.
A grande explosão não chegou a desintegrar Pã, mas de fato arrancou quase toda a carne dos ossos da divindade. A sombra de Pã ficou marcada no chão de tão poderosa, luminosa e quente expansão. Uma explosão equivalente a vinte megatons. Um deslocamento de ar quente e radioativo capaz de fazer um deus de poder intermediário como Pã dormir por séculos, talvez por milênios, até conseguir voltar para o corpo original ou para o de um hospedeiro capaz de mantê-lo. Isso explicava a atividade sísmica sentida pelos Olimpianos no Hades e questionada por Atena durante as torturas de demônios asuras, como ficou consignado na conversa entre Zeus e Atena em 14.10.11.
Ali perto, Apolo, Menoécio e Perses aproximavam-se rapidamente de onde estava Frey e seu exército de elfos.
- Esconda-se Ishitar! – Falou resoluto o deus bondoso.
- Vamos fugir Frey! – Sugeriu trêmula Ishitar. – Ainda dá tempo. – Insistiu e puxou o amigo pelo braço.
- FUJA! – Determinou peremptório Frey, o zeloso deus da beleza, da luz e da fertilidade asgardiano. O olhar firme, porém terno e profundo, convenceu a deusa que se escondeu nas imediações. Frey jamais deixaria acontecer algo de ruim com qualquer ser inocente.
Momentos depois Menoécio e Perses aterrissaram selvagens levantando grande quantidade de poeira e abrindo duas crateras enormes no solo. Não perderam tempo. Atacaram Frey violentamente. Este estava sozinho. Apolo observava atentamente os movimentos de Frey e dos titãs. Todos deveriam ser eliminados: os nórdicos e os titãs. Todavia, antes disso Apolo precisava que se matassem para seu caminho ficar mais fácil. Ainda tinha muitos inimigos para eliminar. O deus sol pretendia usar a ignorância conhecida e sem limites dos titãs, principalmente a de Perses, o mais perverso de todos (aquele que, durante o banquete em que aconteceu o levante dos olimpianos contra os titãs, torturava Urano, o deus primordial, seu avô), e o pensamento heroico e bravio próprio dos povos do norte, que não hesitariam em entregar a vida por suas convicções e crenças, contra eles mesmos.
Perses correu em direção a Frey como o touro cuspidor de fogo abatido por Hércules milênios atrás, mas logo a espada mágica flamejante do nórdico entrou em ação. Movida por telepatia passou a retalhar o monstro indefeso, que recuou perplexo e assustado. O sangue vertia dos braços usados como escudos. A dor excruciante só não era pior do que o clima atroz do Tártaro castigando corpo e mente daqueles a ele sujeito. Menoécio, então, deu um salto poderoso em direção a Frey e sobre o deus caiu. Ambos rolaram barranco a baixo e trocaram muitos socos. Imediatamente, a espada de Frey parou de funcionar. Frey se concentrava na troca de muros. Não tinha múltiplas funções com Freya. Perses, livre das estocadas da espada, foi atrás do deus nórdico. Estava furioso. Os braços feridos o irritavam. Matá-lo-ia! Lá embaixo, Menoécio tentava socar Frey, mas este deu uma poderosa chave de perna no titã e arrancou-lhe o braço. Com efeito, o longo período de ausência da espada mágica e flamejante, abstinência essa fruto da condição para Frey se casar com a giganta Gerda, filha de Surt, e que se prolongou até a expedição vitoriosa de Olimpianos e asgardianos, fez com que o deus Vanir aprendesse a luta com as mãos livres. Era um exímio combatente no solo. Sabia luta grego-romana. Nos últimos anos havia treinado Chris Weidman.
Assim que arrancou o braço de Menoécio, Frey passou a usá-lo como arma. Bateu no titã com o membro arrancado. Todavia Perses apareceu repentinamente e passou a socar Frey. Os muros eram tão poderosos que uma cratera cada vez mais profunda ia sendo formada.
A energia vital de Frey estava se esvaindo. Ishitar, escondida, via o amigo Frey ser destruído. Medo! Não podia fazer nada. Não era uma deusa guerreira e mesmo que fosse, não teria chance alguma contra aqueles dois animais e contra Apolo.
Freya, que pensava porque Fenrir estava no campo de batalha, sentiu, num átimo de segundo, a evasão de energia do irmão enquanto voava lado a lado com Zeus, Hércules, Atena, Hermes e com as poucas valquirias sobreviventes em fuga. “O Senhor” e “A Senhora” de Asgard, deuses Vanir entre os Aesir, tinham uma ligação fraterna muito forte.
- Preciso voltar! – A deusa parou o voo imediatamente. – Meu irmão corre risco. – Desesperou-se.
Todos pararam e antes que Freya partisse, Zeus tentou contê-la:
- Freya! Frey não tem chance! Não seja tola! – Zeus além de não querer perder mais um aliado, além de não querer perder a possibilidade de usá-la como uma possível barganha em Asgard, não queria perder o corpo daquela deusa, afinal de contas ela era muito boa de cama e linda de morrer, mesmo após um árduo combate contra as Fúrias.
- Eu preciso voltar! Ele é meu irmão! Me solta! – Revoltou-se Freya olhando perdida para o horizonte. Sua mente estava centrada em Frey; os olhos marejados; o coração palpitante; a barriga negativa gelada.
- FREYA! NÃO VALE A PENA!
- Seu irmão não vale a pena! Os gregos não valem a pena! Somos nórdicos, somos uma família. – Freya disse em lágrimas, porém convicta, e voou rápida em direção ao irmão, sendo seguida pelas fieis valquirias.
Zeus engoliu em seco e prosseguiu. “Cada um sabe de si”, pensou insatisfeito diante de mais uma decepção, diante de mais uma contrariedade. Estava um poço de estresse. Não sabia mais o que fazer. Era talvez o pior dia na vida de Zeus, talvez pior do que o dia em que foi aprisionado por Tifão.
Menoécio, sem um braço, foi em direção ao irmão Perses que naquele momento estava quebrando a cara de Frey, entretanto uma chuva de flechas lhe caiu sobre a cabeça. Os elfos sobre o navio Skidbladnir, aquele que Freya havia usado para visitar o Olimpo, atiraram milhares de flechas que cobriram todo o céu. O sol, o cogumelo atômico, o horizonte, nada podia ser visto tamanho a quantidade de setas. Menoécio caiu alvejado pela artilharia dos seres semidivinos. Entretanto, Apolo, furioso e imune à chuva de flechas, porque o calor que emitia as consumia antes de tocarem nele, aproximou-se da nau voadora e resolveu acabar com todos os elfos sobre o navio escondido dentro das nuvens, como Freya havia orientado Frey a proceder antes de partir para o campo de batalha. Apolo, interessado em adquirir a embarcação para substituir seu carro solar, lançou um raio solar que destruiu todo o convés do navio – preservando o casco – e fez os elfos e destroços caírem centenas de metros de altura. O navio afundou ar adentro.
Perses continuou batendo em Frey, mas não percebeu que este, em um verdadeiro ato de entrega e concentração, conseguiu invocar a espada flamejante novamente. O artefato mágico cortou os céus em direção às costas do titã. Perses uivou de dor. O sangue negro do titã se misturou ao sangue azulado de Frey. Perses tentou tirar a espada de qualquer jeito das costas, mas não conseguiu. A dor era lancinante e incapacitante, principalmente quando a espada sadicamente girava, queimava e ressoava dentro do corpo do titã.
Frey levantou com dificuldade. O outrora deus da beleza estava deformado; irreconhecível. Para piorar a situação sobre ele caiu o barco Skidbladnir e centenas de elfos mortos. Teimoso, lutando pela vida, sob o olhar curioso e maligno de Apolo, o deus nórdico fez o barco destruído se dobrar inúmeras vezes até ficar do tamanho de uma caixa de fósforos. O nórdico, então, levantou-se novamente, sob o olhar atento de Apolo e Ishitar, pegou o barco dobrado na mão, levitou até onde estava Perses agonizando e colocou o navio dobrado na boca do titã. Incontinenti, mandou Skidbladnir se desdobrar… O navio e o titã foram destruídos completamente.
Frey caiu de joelhos extenuado em meio a órgãos espalhados do titã e madeira quebrada do antigo navio. Frey havia derrotado dois titãs. Apolo, por seu turno, sorriu malicioso e um pouco contrariado. O deus sol se aproximou de Frey e lhe ofereceu uma maçã dourada.
- Quer… mortal? – Perguntou cheio de ironia. – Você está precisando. – Desdenhou. Apolo não via os deuses germânicos com a mesma dignidade que via seus pares gregos, pois aqueles não eram imortais. Apolo os considerava como seres inferiores, tal como considerava inferior os egípcios, africanos, orientais, hindus, humanos, centauros, sátiros…
A face deformada de Frey, o outrora mais belo e iluminado deus nórdico, manteve-se impassível.
- Sua irmã está vindo. – Disparou Apolo maligno.
A imagem de Freya apareceu e se desfez como névoa levada pelo vento na mente de Frey.
O nórdico, então, teve um ataque de fúria. Imediatamente a espada flamejante ardeu em chamas como jamais ardera e atacou Apolo, mas o deus grego, cada vez mais forte, rápido e atento, desviou de todos os golpes e o calor abrasador da arma nada lhe prejudicava.
- VOCÊ NÃO PODE ME VENCER, VANIR DE MERDA! – Gritou Apolo menoscabando o adversário. Cuspiu no chão.
Os ataques de Frey aumentaram em força e velocidade mesmo o deus estando em estado deplorável de saúde, quase sem os sentidos. O esforço para concentrar a mente nos ataques era sobredivino.
- Vanir de merda, destruiu o MEU barco novo! – Gargalhou maligno. Apolo estava feliz, pois via seus poderes quase totalmente restabelecidos.
Porém, os ataques passaram a incomodar cada vez mais Apolo. Frey atacava, cego pelo ódio, com a espada e depois com o próprio corpo. Era tudo ou nada! Um verdadeiro animal encurralado. Seu corpo virara uma arma. Estava lutando pela sobrevivência e para proteger a querida irmã que, impulsiva e imprudente, alheia ao perigo, se aproximava rapidamente, sem qualquer preocupação em se esconder ou não chamar a atenção daqueles inúmeros inimigos ctônicos que há pouco haviam posto Zeus para correr. Frey não tinha nada a perder, precisava proteger a preciosa e solidária irmã.
- BASTA! – Gritou Apolo.
Frey, no entanto, ao atacar Apolo em crescente ferocidade e desespero, foi pego no contra ataque. O deus grego agarrou o nórdico pela garganta e a fritou ao mesmo tempo em que rebateu com uma flecha dourada de sua aljava mágica as últimas investidas da espada de Frey. Este caiu no chão sem forças ao ser solto pelo feroz deus solar. As chamas da espada foram abafadas. O oxigênio havia acabado.
- É só isso? – Desdenhou o tirano cada mais convicto de suas insuperáveis habilidades. – O mais festejado deus nórdico só tem isso a demostrar? – Gargalhou irônico. – Não bastasse ser um asgardiano, nem pertence aos Aesir. Mortal, mestiço e Vanir tsc tsc tsc
O nórdico agonizava.
- Depois de você, será sua irmãzinha vagabunda e sua esposa nojenta. – Apolo não aceitava que deuses e gigantes, como Gerda, esposa de Frey, se misturassem. A raça divina deveria ser pura e imortal e não como a asgardiana, mortal e dependente de um fruto para sobreviver. Para Apolo deuses eram ou deveriam ser um fim em si mesmo. Era inconcebível que dependessem de qualquer substância. Ademais, via demais deuses estrangeiros e criaturas como seres inferiores, que deveriam apenas ser usados como objetos sexuais, mas nunca para fins reprodutivos ou amorosos, salvo raras exceções como belas ninfas e rapazes como Jacinto.
Em um último ato de crueldade, Apolo, irritado por ter sujado as mãos de sangue e por repugnar aquilo que não é belo, fincou a espada flamejante de Frey nas contas do próprio dono derrotado.
- NÃO!!!!!!! – Ishitar apareceu emocionalmente acabada na arena da morte. Temia a represália daquele deus maligno, movido pela ambição do poder e pelo sentimento de vingança e superioridade, mas não conseguiu ignorar aquela barbaridade. Irracionalmente se projetou no campo de batalha, diante de Apolo. Chorou e se ajoelhou desesperada. Implorou pela vida do amigo. Só lhe restava pedir clemência, mas de seus lábios carnudos não saíram palavras.
Indiferente aos sentimentos da babilônica, mas não a suas curvas, Apolo se retirou, deixando a vida de Frey por um fio. O deus do tempo germânico, heroico, firme em seu propósito, agora lutava pela vida e contra o tempo. Tentaria estendê-la o máximo que pudesse. Certo da morte, batalhava por migalhas de tempo apenas para olhar mais uma vez a querida irmã e para alertá-la do mal que trouxera o deus sol novamente à tona.
Freya chegou alguns minutos depois desesperada. Empurrou Ishitar impotente e mergulhada em lágrimas diante da desgraça.
- Frey! Frey! Irmão. – Rios de choro corriam pela face aflita da deusa. – Vai ficar tudo bem! Vai ficar tudo bem!
Esperança! Esperança!
A duras penas e sob um grito gutural de dor do irmão, Freya retirou a espada fincada no corpo de Frey e o puxou para seu farto e curvilíneo colo. A deusa chorou copiosamente. Não acreditava no que acontecia. Frey estava irreconhecível. Era tão belo…
- Eu… te… amo! – Murmurou Frey para a “Senhora”, alcunha de Freya entre os nórdicos. Vomitou sangue nobre… Sangue e lágrimas se misturavam…
- Eu também te amo bobo, eu te amo! – Declarou o rosto de cachoeira. – O “Senhor” vai sair dessa! Vai ficar tudo bem. – Apertou-o contra o próprio corpo, para protegê-lo, confortá-lo, enquanto tentava acreditar nas próprias previsões.
- As maçãs… cof… cof… estão com Apolo.
- Maçãs?! Maçãs!? – Questionou perplexa Freya. – Não diga nada… Descanse… Tudo vai ficar bem, vou te tirar dessa maninho.
Cof cof co…
Frey deu um leve sorriso de adeus.
Há quilômetros de distância dali, em pleno vôo, o deus da morte súbita grego finalmente estalou o dedo e tirou a vida do vulnerável, indefeso e frágil Frey.
- FREEEEEEEEEEEEYYYYYYYYYYYY!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
CONTINUA…
