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Freya, Odin, Tyr, Hera, Afrodite, Titânides – 24.08.06 – A nova teogonia – 50ª parte

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VIDE PARTE 49ª

 

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

 

Odin respirou fundo assim que ouviu o nome da antiga amada. Levantou-se emocionalmente cansado. O peito pesava e o coração batia rápido.

 

odin

 

- Tyr, venha comigo. – Determinou Odin ao deus da guerra.

 

Muita raiva acumulada…

 

Determinado e sem pressa, Odin saiu imediatamente da masmorra em que Zeus estava preso. O prisioneiro esvaía-se em sangue e dor. Odin tomou o corredor e passou, imponente e indiferente, pelas celas individuais onde estavam Atena e Hermes, ambos caídos e, igualmente, se esvaindo em sangue e dor.

 

Freya, por seu turno, cega de fúria, havia aterrissado nos jardins do palácio de Valhalla, seguida de suas Valquirias e de Ishitar. Estas seguiram para o setor médico do palácio. As Valquirias precisavam de cuidados após a luta contra as Fúrias e para a enfermagem seguiram imediatamente acompanhadas pela deusa babilônica da beleza. Freya, por seu turno, procurava seu amante milenar por toda a parte. Queria ter meios para se vingar de Apolo! Não aceitaria a morte de Frey. Sentia-se culpada pela tragédia. Com efeito, ela convencera Frey a não deixar as cercanias do Olimpo quando Hermod intimou ambos que voltassem para Asgard. Além disso, quando o exército ctônico obrigou Zeus a fugir, ao invés de ir para junto de seu irmão, acompanhou o amasio. No desespero da fuga, havia se esquecido de seu doce ente fraterno, que ficou sozinho aguardando, sem saber o que exatamente acontecia. Um aperto no coração lhe comprimiu a alma.

 

Lembranças…

 

- Frey. Não podemos confiar em Odin! Ele não respeitará o armistício. Os Aesir são monstros. Adoradores de guerras. Precisamos lutar até o fim! – Bradou Freya transtornada. Não concordava com o pacto proposto por Odin. Andava de um lado para o outro. A guerra entre os deuses Aesir e Vanir estava ficando extremamente dramática para o lado dos Vanir. – Eu não confio em Odin! Já estive entre eles, lembra? Sei o que digo. – Arrematou firme Freya, fazendo alusão ao fato de ter sido raptada pelos Aesir, circunstância que deflagrou a guerra entre Aesir e Vanir. Lágrimas douradas correram dos olhos divinos.

 

Frey olhou para o pai, Njord, e, confiante, disse para a irmã.

 

- Freya, precisamos acreditar no próximo. Nossa tribo não é guerreira e sofremos reveses atrás de reveses. A possibilidade de paz foi acenada e eu e papai aceitamos nos entregar para que nosso clã fique em paz. Nós somos Vanir, deuses estreitamente ligados à natureza e à fertilidade. Não é de nossa natureza guerrear. Nós iremos para Asgard pelo bem de nossos semelhantes. Não temos escolha! 

 

- Vamos traí-los! – A deusa da guerra sugeriu maliciosa. Estava insatisfeita com a decisão do irmão. Queria se vingar das últimas perdas dos deuses Vanir – Podemos matar Odin quando estivermos em Asgard. – Conspirou Freya – Tenho certeza que ele nos trairá. Nos prenderá e matará nossos semelhantes. Ele é um monstro!

 

- Maninha, Odin sabe que pode vencer essa guerra quando bem entender. Assim como eu e papai, ele acha esse derramamento de sangue desnecessário. Eu e papai nos incorporaremos aos exércitos de Odin. Ele tem sérios problemas com os gigantes, criaturas muito mais perigosas para nós do que os próprios asgardianos. Se Valhalla cair, seremos os próximos. Também há outros panteões por aí, repleto de deuses poderosos e que pouco se importarão conosco. O melhor é nos unir com Odin e acabar com essa guerra. Esse armistício é uma chance para a paz entre deuses coirmãos.

 

- E esquecer nossas perdas, nossos entes queridos? Você é louco?!

 

- Freya, precisamos perdoar aqueles que nos fizeram mal no passado e olhar para frente. Sei que é difícil. Também me doem as perdas de outrora, mas não quero perder mais entes queridos nessa guerra. Não quero sentir as dores de perdas futuras. Precisamos ter fé na palavra de Odin. Além disso, Asgard também teve perdas. Odin nos colocará em seu conselho, pois reconheceu nossa dignidade e valor em campo de batalha. – Frey se aproximou da irmã e a abraçou, em tom de despedida. – Governe em paz os deuses Vanires, querida irmã. – Frey tentou conter o espírito belicoso da irmã. Preferia a paz a continuar uma guerra que não poderia ser vencida e que não tinha razão de existir, pois os deuses Aesir e Vanir eram coirmão, eram teutônicos, próximos demais para se odiarem tanto. Frey preferia confiar na palavra de Odin. Foi lhe prometido um assento no conselho de Valhalla, de onde ele poderia proteger com mais eficiência os interesses dos Vanires. Tal promessa era melhor do que ver mais sangue azul jorrar pelos campos gelados das terras escandinavas sem qualquer necessidade. Tal promessa era melhor do que ver o sangue azul bebê da própria irmã ser derramado.

 

- Eu também vou! – Concluiu insatisfeita Freya num repente de fúria e convicção. Estava estressada e sem saída. Retirou-se do salão muito brava. Não queria ouvir seu irmão tentar persuadi-la a não ir. Bateu a porta.

 

aesir vs vanir

 

 

“Vou acabar com Apolo!” Tontura. Sentia ânsia de vômito a cada lembrança do estado deplorável de Frey, da face cansada do irmão, da fraqueza do olhar profundo de seu maninho. Frey morreu em seus adornados braços… Freya, agora, estava sem os penduricalhos que a caracterizavam e de que tanto gostava. Jogara-os fora durante a viagem até Asgard. Estava suja e com a roupa amarrotada, embora os cabelos ainda estivessem perfeitos e bem escovados. Obstinada e peremptória, berrava por Odin pelos corredores. Pretendia juntar o que sobrara de seus exércitos com os exércitos de Odin e marchar sobre o Olimpo. Abria portas e mais portas do palácio Valhalla a procura do amante, histérica e perturbada, cega pelo sentimento revanchista. Finalmente o encontrou. Freya, cega pela confiança de ter o braço forte de Odin ao seu lado, antecipou-se e correu saltitando para abraçá-lo. Precisava de conforto, de um ombro amigo. Ao mesmo tempo, precisava desabafar. Vociferou transtornada, com a voz embargada:

 

- Frey está morto! Precisamos acabar com Apolo! – As bochechas de Freya eram dois leitos de rios sem águas. Não havia mais lágrimas douradas. Todas foram vertidas há muito tempo. Só havia indignação e ansiedade para que a morte do irmão fosse lavada com sangue grego.

 

Plaft épico!!!!

 

O tênue corpo da deusa se dobrou para trás. Caiu no chão violentamente. A cabeça bateu contra a parede. Os cabelos se bagunçaram. Cobriram parte do rosto da deusa. Fosse pela surpresa, fosse pela pressão e calor do tapão, a face da deusa ficou toda avermelhada. Perplexa e assustada, as janelas da alma de Freya fitaram profundamente o caolho deus sem nada entenderem. Não sabia que o deus estava com o orgulho ferido.

 

Trêmula, disse:

 

- As maçãs… Estão com Apolo. – Murmurou tímida e incrédula. Apalpava a face agredida com uma de suas mãos. Nunca nenhum deus havia batido nela.

 

Silêncio.

 

- Puta! – Acusou Odin queimando de ódio. – Deu para Zeus, não foi?! – Odin espumava de ódio. – Você é minha! MINHA! MINHA! – Odin a pegou pelo braço. Freya notou que os olhos do amante eram puro ódio. – Tyr! Prenda essa puta! – Ordenou com desprezo.

 

Tyr respirou fundo, mas não hesitou. Missão dada, é missão cumprida.

 

tyr god

 

Porém, o deus maneta sabia que aquilo não era ético, nem digno, nem justo, nem nada. O deus honroso não poderia ser mais conivente com aquela situação. Odin estava ficando louco. Parecia não se importar com a informação dada pela deusa. Tomava medidas drásticas atrás de medidas drásticas. Mas, àquela altura, muitos deuses já haviam iniciado o processo de envelhecimento. Problemas de coluna, dores nas juntas, cansaço, osteoporose, queda de dentes, rugas, pelancas, peitos caídos, problemas de ereção, enfim doenças geriátricas se alastravam por Asgard, como se o Tempo cobrasse com juros de mora capitalizados diariamente e correção monetária, mais multa (abusiva), os milênios de juventude que os asgardianos gozaram impunemente. A população asgardiana estava entrando em pânico em uma velocidade exponencial e não havia como parar o processo. Logo, Valhalla seria invadida pelos cidadãos desesperados de Asgard. Com efeito, muitos deuses menores se aglutinavam nas cercanias do palácio. A raiva e a angustia alimentavam os revoltosos, fazendo com que a população ficasse mais ouriçada, mais agressiva e mais corajosa a cada segundo. Era uma panela de pressão pronta para explodir. Além da busca por respostas e por bodes expiatórios, circulava rumores entre o povo de que em Valhalla ainda havia muitas maçãs douradas. Os mais poderosos deuses nórdicos estavam sendo questionados. O prestígio que sempre possuíam estava em xeque. Isso indicava um inexorável enfraquecimento das instituições públicas. Havia deuses mascarados que depredavam patrimônio público por toda a Asgard. Saques, brigas, incêndios, baderna. A única coisa que impedia o caos absoluto e incontrolável era a imagem de Odin e a crença que ele ainda poderia resolver a situação, pois ele era o vencedor da guerra contra os Vanir, o algoz de Ymir, o único que sobreviveu ao poder do demônio Surt e o único que havia bebido da fonte Mimir. Assim, a última esperança de Asgard era Odin, símbolo de poder e sabedoria… ou pelo menos era nisso que quase todos acreditavam ou queriam acreditar. E Tyr, diante de todas essas colocações, iria bater de frente com o todo poderoso Odin? Causaria mais discórdia e medo? Insegurança institucional? Acabaria com todas as esperanças de uma população desesperada? Uma cisão no poder àquela altura do campeonato? Tyr era o deus de confiança de Odin, aquele capaz de grandes sacrifícios para proteger a honra e a lealdade própria e a de seus pares. O que fazer? Cautela.

 

Freya, sem lágrimas, mas em prantos, não pela dor da bofetada, mas sim pela profunda desesperança que a agressão causou, pela dor corrosiva e intensa da perda do irmão e porque amava ou amara aquele deus agressor, a quem aprendeu a admirar depois do armistício entre Aesir e Vanir, não resistiu, não reagiu e nada mais foi dito. Foi levada pelas mãos leais de Tyr. Freya estava no fundo do poço.

 

Odin ainda não tinha respostas dos bersekes, nem de Hermod, nem de Heimdall. Asgard, a quem Odin dedicara a vida, estava acabando e careciam informações para que a sabedoria tomasse a melhor decisão. A única solução que vinha em sua mente era marchar sobre o Olimpo ou sobre o Hades, atrás de Apolo, com base em uma prova que parecia ter sido plantada no incêndio da casa de Braggi, na revelação de Atena e no depoimento de Freya, aquela… traidora, traidora!!!! Odin relutava em dar fé às palavras de Freya, mas não tinha como. Todas as evidências indicavam Apolo. A resposta estava nele.

 

Momentos depois, porém, quando caminhava para montar em Sleipnir, Odin foi informado por Hoenir, um de seus filhos, que Loki havia fugido da prisão gelada e não havia rastro de seu paradeiro. A informação viera de um dos inúmeros bersekes mandados pelos confins do universo em busca de pistas sobre o paradeiro de Idunna e das maçãs douradas.

 

“Então foi ele”, pensou Odin raivoso, aliviado e saudoso. Teve certeza de que Loki, seu filho adotivo e travesso, estava envolvido em toda aquela tramoia de alguma forma. Lembrou-se da fogueira teimosa dentro do palácio Brukkaner que mostrava Zeus e Freya juntos. Só podia ser ele, só podia ser o deus do fogo. Como fora cego? Teria ele criado uma ilusão? Odin se sentiu impotente, pois fora enganado por seu próprio filho adotivo. Sentiu-se com mais raiva. Sentiu-se mais pressionado a ser sábio; a ser um líder diferenciado. Precisava estar sempre à frente dos demais. Não poderia ser enganado. Estava com medo? Ele próprio começava a duvidar de sua capacidade. Loki. Freya.

 

- Marchemos para o Olimpo. – Ordenou incontinenti Odin, convicto de que Loki estava mancomunado com os gregos. Afinal de contas, só o filho adotado possuía habilidade, audácia e ousadia para roubar as maçãs douradas e sequestrar Idunna, única apta ao cultivo das sagradas maçãs douradas. Considerava Apolo e Loki como suas pistas. A chave do mistério estava aí. Difícil seria encontrar Loki, mas o egocêntrico deus solar não. – Convoque Thor, Tyr e os outros. Caçaremos os gregos um por um até encontrarmos Idunna. Não vamos deixar Asgard cair! Partiremos agora! – Odin demonstrava força nas palavras, mas no seu interior estava frágil.

 

Freya, entregue ao cruel destino, sobre um dos ombros de Tyr, atravessou o corredor onde agonizava os deuses gregos. Frágil emocionalmente, sem conseguir processar qualquer pensamento linear, viu de soslaio Atena, Hermes e Zeus presos, torturados e desacordados. Sua visão era turfa, como se uma neblina cobrisse suas retinas. Queria se suicidar, mas não manifestava forças nem para isso. Inércia. A vida tão bela que até então levara se tornara feia, fria, cruel, vazia, sem significado. Choque. Não tinha motivação para mais nada. Frey, Odin e agora Zeus. Todos os deuses que mais amou… Um estava morto por sua causa, outro passou do amor ao ódio, da sabedoria à insanidade, e o último, amante mais quente que tivera, fora atravessado pela lança Gugnir por causa dela.

 

- Mate-me… Mate-me, por favor. – Murmurou suplicante Freya a Tyr. O corpo mole já não emanava qualquer apreço pela vida. Sentia-se culpada, seu destino não mais importava. Estava deprimida, sua vida estava entregue nas mãos de Tyr.

 

Tyr nada falou e nada expressou. Em silêncio, entrou em uma das celas e colocou o corpo da prisioneira encostado na parede. Freya estava imóvel e totalmente indefesa. O olhar perdido, indistinto e cansado. Tyr, por seu turno, abaixou as calças e…

 

tyr deus

 

… tirou um molho de chaves do bolso interno, bem como um pequeno saco sujo e opaco. Jogou-os ao lado da deusa. Depois puxou as calças para cima, agachou-se e disse:

 

- Freya, Odin está louco! – Afirmou sincero. – Foi corrompido pelo ciúme. Ele viu você e Zeus juntos. Dentro deste saco há algumas maçãs douradas extras a que eu tinha direito como deus da guerra e general de Asgard. Assim que Odin partir, fuja com seu pai, mantenha-se forte, acabe com Apolo, encontre Idunna e marche sobre Asgard no futuro. Odin deve cair. O tempo dele já se foi, mas ele ainda não se deu conta disso. Vive do passado. Tenho um mau pressentimento sobre tudo isso. – Tyr apalpou o rosto cansado da deusa e olhou diretamente para a alma dela. Disse: – Freya, estarei ao seu lado quando voltar. Boa sorte!

 

freya

 

Os olhos opacos de Freya encontraram os olhos sinceros de Tyr, mas não tiveram qualquer reação.

 

- Obrigada. – Sussurrou a deusa automaticamente e, então, voltou à inércia.

 

Tyr fechou o portão da cela e partiu. O deus da guerra precisava estar junto a Odin; precisava fazer jogo duplo; precisava confiar no prestígio que tinha junto ao líder asgardiano; precisava, acima de tudo, proteger Asgard. Tyr, nessa condição, corria enorme risco. A traição era o maior crime de Asgard. Se Odin desconfiasse de seu deus de confiança, logo poderia iniciar um grande expurgo em Asgard, com a ajuda de Thor, o campeão de Asgard, esse mais preocupado em lutar e alcançar glórias e vitórias sobre vitórias do que com o que acontecia ao seu redor.

 

No Olimpo, Hera colocava em prática o acerto de contas com seus velhos inimigos. Era a hora de por para fora tudo aquilo que internalizou por milênios.

 

Sua maior urgência era acabar com Afrodite, a única oposição relevante que sobrou naquele monte desgraçado pelas disputas de poder. Hera só precisava destruir a vadia para se firmar como a soberana do Olimpo, pois o Amor era a única entidade que poderia interferir em seu governo e a desautorizar. Afrodite negava tudo o que Hera representava. Afrodite não tinha limites e, facilmente, poderia controlar os deuses e demais machos que sobejaram naquele monte decadente e desarmado, bastando, para tanto, manipular o pau deles. Pensando nisso, Hera decidiu se prevenir. Mandou todas as titânides acabarem com Afrodite. Não determinou que o trabalho fosse feito pelos seus filhos Ares e Hefesto, pois os dois facilmente sucumbiriam ao poder de sedução da deusa e porque um deles era o amante da divindade e o outro era o esposo. Além disso, a deusa do amor era mais poderosa do que os dois… juntos.

 

As três titânides, Febe, Mnemosine e Teia, partiram no encalço de Afrodite, enquanto Ares voltava com uma cabeça masculina decepada para Hera apreciar: a cabeça de Ganimedes. Hera se regozijava: primeiro Apolo fustigado, depois Zeus, Atena e Hércules em fuga, agora Ganimedes com a cabeça decepada. Em breve seria a vez de Afrodite e, finalmente, Ísis, a vadia. Todos seriam eliminados.

 

As titânides rapidamente chegaram ao palácio de Afrodite e o cercaram. Imediatamente, uma aura rosa choque queimou ardente e envolveu toda a habitação ameaçada. Um sinal claro de que o Amor estava atento e lutaria. A herdeira de Urano era muito poderosa e não se renderia. Era uma deusa forte, livre e que lutaria por sua liberdade e pelo amor sem qualificações ou restrições. Talvez, ao lado de Hera, fosse a criatura mais poderosa que havia restado no Olimpo.

 

No palácio de Hera, a deusa dava inúmeras ordens para as ninfas. Era um corre-corre danado. As ninfas se atropelavam. Hera queria o palácio em ordem. Nem um pozinho seria admitido. Concomitantemente, a matriarca se tornava visualmente majestosa novamente. Estava com a autoestima nas alturas. Não viveria mais às sombras de Zeus. Penteava os cabelos e trocava a roupa com austeridade e recato. Usava um longo vestido cheio de polpa e glória, próprio para grandes governantas. O matriarcado seria a regra dali por diante. As deusas e mulheres seriam as donas do poder e teriam direito de vida e morte sobre os maridos, especialmente sobre os infiéis. Guerras e piadinhas machistas não seriam toleradas. O Olimpo seria um local pacífico, harmonioso e dirigido com poderes absolutos por Hera. Não haveria acordos, conchavos políticos e toda politicagem que caracterizaram o reinado de Zeus. O Matriarcado, que duraria por pelo menos mil anos, havia iniciado.

 

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Nas entranhas do palácio outrora dividido com Zeus, Hera se regozijava. Porém, atenta, percebeu a movimentação e agressividade de grandes forças femininas dentro do Olimpo. Todas vindas das cercanias do palácio de Afrodite.

 

- Começou. – Falou para si mesma ao perceber o choque de poderes que se iniciava ali perto. Sorriu enquanto usava o sangue que corria da cabeça de Ganimedes como batom. A cabeça da putinha de Zeus foi dada para o pavão de Hera, Puff, bicar. Puff arrancou um dos olhos de Ganimedes de suas órbitas.

 

O Olimpo estava desértico, na verdade estava em silêncio, sob a égide do medo e também da dor provocada pelo massacre dos deuses na guerra contra as hordas ctônicas, evento que viria a ser chamado de ctônimaquia. Então, a tensa calmaria que vigia nas cercanias dos palácios foi rompida. Teia, após olhar para as companheiras, lançou uma grande rajada de luz em direção ao templo de Afrodite, destruindo-o por completo. A titânide estava muito chateada por Afrodite ter protegido Ísis durante tanto tempo. E o rancor só aumentou depois da fuga da egípcia com sua prole. Febe, de brilho lunar, a mais bela das titânides, assoprou a poeira e, dos escombros, surgiu Afrodite e centenas de mulheres e ninfas nuas, bem como Eros, todos protegidos por um poderoso campo de força rosa choque e que expelia micro raios agressivos. Afrodite, apesar de bela, não estava com cara de bons amigos. Os cabelos esvoaçavam revoltos para o céu, como se tivesse um gigantesco ventilador sob seus pés. Os olhos completamente rosa faiscavam. O corpo quase nu e perfeito brilhava soberbo. A bela determinou que o ainda fragilizado Eros acompanhasse suas criadas para longe do campo de batalha.

 

- Vá! – Determinou o Amor sem deixar de mirar as rivais. Não se descuidaria de dar cobertura para suas criadas e para seu filho.

 

- Não temos nada contra você, Afrodite. Se quiser, pode fugir. – Tentou persuadir Febe. A bela e antiga deusa da lua não gostava de lutar, fosse por convicção, fosse para não arruinar os cabelos. De qualquer forma, temia Afrodite tanto quanto Hera. Para ela e suas irmãs, era melhor que não houvesse brigas entre as potências femininas. Se Afrodite abandonasse o monte, tanto melhor para elas. Todavia, o Amor não arredaria o pé dali. Estava possessa e concentrada nas inimigas. Mesmo que quisesse dali fugir, não acreditaria que as capangas de Hera a deixassem se evadir incólume. Sabia que mais cedo ou mais tarde, Hera a buscaria. Não, fugir não era a melhor alternativa. Lutaria! A alma queimou intensa e raios partiram inclementes.

 

A luta entre as beldades foi um amontanhado de raios de todas as cores e formas, com variável intensidade. Esferas gigantescas e multicoloridas eram lançadas, espatifando-se no campo de força gerado por Afrodite. A deusa da beleza se desviava ou absorvia com facilidade os ataques cósmicos de Teia, Febe e Mnemosine. Frente à tal facilidade, logo passou ao contra-ataque. Todo o monte Olimpo ficou rosa e imerso em um intenso cheiro de amor. Nuvens rosas pairavam sobre todos os templos do império caído. Nenhum deus ou homem ou criatura macho interveio na celeuma. Estavam todos com medo.

 

A batalha correu equilibrada por alguns minutos, mas, então, pendeu para a poderosa diva do amor. De certo, mais algum tempo de luta favoreceria a deusa do Amor, herdeira do imenso poder de Urano, implicando, inexoravelmente, na vitória de Afrodite. Ao perceber isso de seu palácio, Hera, suprema, a mais excelsa das deusas, resolveu intervir no campo de batalha, munida de um chicote eletromagnético e de uma centena de relâmpagos na aljava. “Se quer algo bem feito, faça você mesma”, tornou a pensar. Voou célere para o palácio de Afrodite… ou o que havia sobrado dele.

 

A aparição foi triunfal. Foi envolta por raios e descargas eletromagnéticas que cortaram todo o chão. Agora entendia porque Zeus sempre fazia um espetáculo a cada entrada retumbante. Era divertido! Mais um ato de poder da nova governanta do Olimpo… Aquela intervenção era o típico momento que moldava os rumos de todo um povo; que mudava o curso da história. Seria pintado em quadros estilizados no futuro.

 

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Enfim, Hera entrou na luta e algumas centenas de relâmpagos da deusa rainha do Olimpo e de raios das comparsas caíram ferozes sobre a vítima amorosa, que se viu rodeada de calor e dor, sumindo em meio às explosões. Um forte estrondo se ouviu e ecoou por todo o Olimpo e adjacências. Nuvens quilométricas de pó tomaram os céus. Milhares de vidas fragilizadas e escondidas em porões morreram com as correntes elétricas e ondas de calor dispersas. Hera ria frenética enquanto atacava. Era observada por Ares, enquanto Hefesto fugia daquela montanha para nunca mais voltar. O deus coxo estava machucado em seu coração. Mais uma vez fora enganado, mais uma vez tivera seus anseios preteridos pela família… ou o que sobrou dela. Fugiria da mãe e dos “convidados”.

 

De fato, o fim do reinado de Hera estava próximo…

 

- Vaca!!!!!!!!!!! – Gargalhou. – E agora de que lhe serve a buceta, biscate? O reino dos deuses terminou! Todo seu legado de putarias será esquecido. A puta do Olimpo jamais será lembrada! A devassidão acabou! A sodomia e felação desenfreada chegaram ao fim!

 

Afrodite estava acuada e concentrada apenas em se defender. A luta contra as três titânides mais Hera estava difícil. Logo o Amor cederia. Um próximo ataque daqueles romperia seu campo de força e causaria graves ferimentos no Amor, talvez até o abatesse. Entretanto, Eros, heroico, mesmo fragilizado, se desembaraçou das ninfas e musas que dele cuidavam e apareceu para ajudar a mãe. Estufou o ausente peitoral e, com todo seu poder, acertou Mnemosine com uma flecha do amor. Consequentemente a titã alvejada se apaixonou por Febe, a primeira entidade que viu. Ambas saíram do combate… Mnemosine passou a perseguir e atrapalhar Febe. Queria beijá-la e chupar-lhe o corpo. Febe não tinha como lutar.

 

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Agora Afrodite só tinha duas adversárias: Teia e… Hera.

 

- Maldito fedelho! Você me paga! – Berrou Hera alterada.

 

A governanta, furiosa com a audácia do pirralho, sem pensar duas vezes, disparou um relâmpago gigantesco contra Eros, o derrubando.

 

- Argh!!!!!!!! – Esgoelou a vítima eletrocutada.

 

O corpo do deus menino tombou inerte no chão. Um som oco se ouviu. Era a cabeça do deus menino batendo contra o solo. Fumaça se elevava de seu corpo.

 

Ao ver o filho castigado por raios de alta voltagem e tombar fustigado, Afrodite se desesperou e ficou desatenta. O som oco da cabeça batendo no chão afligiu Afrodite. Jamais havia ficado tão afligida como naquele momento. Abaixou a guarda. O campo de força cedeu e o ataque oportunista de Teia entrou. Afrodite caiu no chão com parte da barriga de tanquinho queimada. Grogue tentou se levantar. Caiu novamente. Procurou o filho caído. Esticou o braço quando o viu. Sem forças, desesperou-se. Amaldiçoou suas adversárias. Não bastasse a bruxa ter encarcerado Anteros no Tártaro, agora alvejava Eros… na sua frente?!

 

afrodite

 

No entanto, antes que o final da batalha final começasse entre as deusas, a esquadra vitoriosa capitaneada por Apolo surgiu no horizonte emitindo uma luz intensa e ameaçadora. Momentaneamente, os olhos das deusas foram cegados. A chegada daqueles “convidados” era um sinal de que o fim estava próximo. Uma imagem aterrorizante até mesmo para os mais poderosos deuses e panteões do universo. O deus sol, os titãs, Trevas, Fúria, Hel, Loki, Seth, Apófis e Hades passaram facilmente pelas parcas defesas que sobraram no Olimpo. Zeus já havia feito o serviço. Idiota…

 

Hera, ao sentir a presença de toda aquela gente, assustou-se. Incrédula, olhou para o filho Ares, que observava a luta entre a amante e a mãe de trás de uma pilastra, em busca de apoio ou de explicações, mas o deus da guerra entrou no palácio, em claro sinal de que não a apoiaria e de que nada explicaria. Hades estava lá! Apolo estava lá! Os titãs estavam lá! Inacreditável! Ninguém a avisara. Malditos! Nem Zeus, Hércules, Atena, Ares ou Hefesto. Todos estavam no campo de batalha, todos sabiam da existência de tais forças que para ela estavam fora do jogo. Malditos!!!!!

 

Hera, após o momento de perplexidade e de fúria, se decepcionou e enfraqueceu-se. Resignou-se, sabia que seu reinado havia acabado.

 

As titânides Teia e Febe ficaram surpresas ao verem os antigos consortes e irmãos. Mnemosine nada sentiu, pois só tinha olhos para Febe. Preocupava-se em esfregar o rosto na bela bunda de Febe. Os efeitos das flechas de Eros ainda demorariam para se esvanecerem. Enquanto isso, Febe, constrangida pela situação anal, se preocupava com a presença dos irmãos. Ela não tomou parte na titanomaquia e agora era subserviente a uma das filhas rebeldes, Hera. Teia, por seu turno, chorou emocionada. Esqueceu-se da rudeza dos últimos milênios. Fragilizou-se. Queria carinho. Olhou para Hera e depois para Afrodite e… foi para junto do marido, Hypérion. Abraçaram-se fortemente.

 

- Te amo.

 

Ambos sempre foram leais um para com o outro. Hypérion nunca exigiu que Teia se metesse na titanomaquia. Na verdade, ele nem queria. Teia sabia que estaria segura ao lado do marido. Não haveria retaliação por parte dos demais titãs enquanto Hypérion estivesse ali. Depois de Cronos e Atlas, Hypérion era o mais poderoso dos titãs.

 

Teia sabia que com Hypérion ali, seus filhos, Hélio e Selene, voltariam para ela. Sabia que com a queda de Zeus, Hélio não teria mais porque vingar a morte de Faetonte. Hypérion e Teia precisavam resgatar o Sol e a Lua titãs das fileiras egípcias, antes que algum mal sobre eles recaíssem.

 

Hera, por seu turno, ficou sozinha e já sabia que o trono não mais lhe pertencia e que o próprio destino não estava mais em suas mãos. O Matriarcado não havia durado mais do que alguns minutos. Um sonho de milênios… A imagem de Apolo e do pai a fragilizaram. Sabia que seu futuro provável seria o Tártaro, ou a prisão orgânica em que foi mantida por Cronos por anos até ser libertada por Zeus ou a submissão aos ctônicos. Estava tudo acabado. Hades não a ajudaria. Ares e Hefesto não eram páreos para aqueles invasores e não a respeitavam como mãe. As titânides nada fariam para ajudá-la. Estranhamente, neste momento de angústia, sentiu falta de Zeus. Não só porque estava com medo, mas porque se lembrou de que sempre fora protegida por Zeus. Hera sabia que não fosse ele, já sido extirpada do Olimpo há muito tempo. Apesar de todos os defeitos do ex-marido, naquele momento se lembrara das qualidades de Zeus. Lembrou-se de sua força, de sua coragem, de sua liderança e de sua convicção. Lembrou-se também de nunca ter agradecido ao consorte pela proteção. Lembrou-se de que não tinha ninguém.

 

O sentimento de decepção, arrependimento e de derrota que sobre Hera pousou só foi rompido quando ela ouviu os passos céleres de Afrodite em direção ao corpo fumegante de Eros.

 

Ali, na arena improvisada, após a debandada das titânides, só restaram Hera e Afrodite, frente a frente, separadas por poucas dezenas de metros.

 

Mal acabara de pousar, Apolo, sentindo o clima de grande hostilidade e conhecedor da grande inimizade entre as duas, determinou sádico e mesquinho:

 

- Continuem. – Riu. O novo senhor do Olimpo queria ser coroado com uma luta épica. Ártemis sorriu maligna. Adorou a ideia do irmão. Apolo odiava Hera, não só porque sempre houve uma disputa velada e interna pelo poder entre os dois, mas porque Hera havia tentado matar ele, sua irmã e sua mãe quando do nascimento da prole bastarda de Zeus.

 

Apollo

 

Afrodite havia aproveitado a brecha e corrido em direção ao filho Eros. Os passos dados pela diva foram seguidos de fortes descargas elétricas rosadas e um fedor insuportável de amor. Chegando ao anjo fulminado, o que viu não a agradou. Uma mãe ver um filho ultrajado dessa forma?! Torrado? Não! O Amor se transformou em Ódio. Ira!

 

Enquanto o coração de Afrodite se estufava de raiva e ressentimento, Cronos riu, em silêncio, de Apolo. “Esse jovem é muito arrogante e seguro de si. Logo terá uma bela lição”. O observador titã media o futuro inimigo com certo desdém. Queria conhecer suas fraquezas, mas sabia que a impulsividade e autoconfiança do jovem Apolo seriam as maiores aliadas contra aquele filho arrogante de Zeus. Provavelmente, nem precisaria dos titãs para derrotar aquele solzinho.

 

Teia, Hypérion e Eos, depois da emoção do reencontro, apenas com poucas palavras e com troca de olhares, combinaram resgatar Hélio e Selene do campo de batalha e se isolarem na terra dos gigantes de gelo para sempre. Lá pretendiam aquecer e iluminar todo o Jotunheim, fazendo dele um mundo próprio e cheio de vida, onde pudessem governar tranquilamente. Assim como Hefesto, resolveram abandonar toda aquela loucura e viver uma vida bucólica e isolada. Estavam cansados de guerras e mais guerras, punições e mais punições, vinganças e mais vinganças.

 

- Vamos, vamos! Continuem. – Estimulou Apolo, um pouco impaciente, um pouco teatral. Era tão bom ter o controle da situação… Ártemis riu como uma patricinha fútil. Ambos sentaram em tronos improvisados nas imediações do palácio de Afrodite. O Amor teria o privilégio de lutar contra Hera.

 

 

Afrodite verificou os ferimentos produzidos em Eros pelo raio da rival. As feridas eram grotescas. O mero toque na pele do garoto causava uma dor excruciante. O garoto ainda respirava.

 

- Desculpa mamãe, eu te amo. – Disse a voz fina, trêmula e moribunda da criança. Não corriam lágrimas, pois elas foram vaporizadas pelo calor do raio de Hera.

 

- Não precisa se desculpar, amor. Mamãe está orgulhosa de você. – Uma lágrima correu dos olhos da deusa e pousou sobre a face deformada de Eros.

 

Afrodite chamou algumas servas que estavam abrigadas por ali. As criaturas estavam temerosas pela grave situação que se desenhava e porque não conseguiram impedir que Eros intervisse na batalha. Sentiam-se culpadas. Assim que chegaram, a deusa do amor pediu para as servas:

 

- Levem-no e deem o melhor tratamento possível para meu anjo. – Disse pedagógica. – Cuidado que os ferimentos são profundos e causam muita dor. – Ensinou. – Tenho coisas importantes para acertar por aqui. – Alertou ameaçadora. – Estalou todos os ossos do pescoço e das costas.

 

As ninfas, com medo dos raios de Hera e da fúria da dona, carregaram a criança abatida, que se debatia de dor e esgoelava insana. Afrodite, então, raivosa, volveu-se vagarosamente em direção da inimiga milenar e queimou mais uma vez a aura ardente do amor em claro sinal de desafio.

 

- Eu vou acabar com você, baranga!!! – Sentenciou. Uma explosão de energia roxa tomou o meio ambiente, derrubando muitos expectadores desavisados, inclusive titãs e deuses desavisados.

 

Um conflito feminino e ideológico se iniciou. Duas beldades, duas deusas poderosas e que se odiavam profundamente há milênios entraram em linha de colisão. Casamento VS relações fluídas e livres de formas e solenidades; fidelidade VS promiscuidade; recato VS libertinagem; governo VS desinteresse político.

 

CONTINUA…



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