Grandes batalhas LXI: Sob fortes pressões, Zeus renunciou ao poder e convocou eleições democráticas para um mandado de 50 anos. Vote em seu candidato!
Vídeo mais fofo do ano:
Dia dos namorados – Proibido para menores e pessoas preconceituosas
Mais um dia dos namorados. Nosso quinto anos juntos. Iremos comemorar nesta noite. Nada muito requintado. Combinamos de assistir um filme qualquer no cinema. Só para passarmos a noite juntinhos. Sabe, conforme os anos passam, nossas responsabilidades aumentam e nosso tempo livre diminui.
Nossas primeiras idas ao cinema eram tão tórridas e apaixonantes. Era uma pegação só! Ele não tirava os olhos do meu decote e nem as mãos das minhas coxas.
Vampiro safado, rsrsrs. Bom, mas agora ele está mais fofo, carinhoso e prestativo. Amadureceu. Também já estava na hora, né? 27 anos e ainda ter a mentalidade de quando nos conhecemos na faculdade há sete anos não dá, né? Mas o importante é que Ronaldo está virando um grande homem, responsável, educado, respeitoso, fiel e provavelmente será um bom pai… Preciso dar um jeito neste cabelo e dar uma levantada nestes peitos. Daqui a pouco ele chega.
Toc toc toc
Ah! Ele já chegou. Preciso me pentear rápido e colocar as sandálias.
- Já vou querido!
Tadinho, não quero deixá-lo esperar.
- Já estou indo, benzinho!
Um perfuminho aqui e ui, preciso dar um jeito nesta bagunça e tirar essas coisas do chão. Ah, lá está ele. Ronaldo é lindo até mesmo no olho mágico. Nossa! Ele está de terno e gravata.
- Oi, desculpe o atraso Ronaldo, estava arrumando o cabelo e meu vestido.
- Corina…
Ah! Ele está lindo. Meu vampiro brilhante e bonzinho. Perfumado. Não conhecia aquele perfume. E o cabelo todo penteado. Um terno bem alinhado. Ai, ele sempre me faz suspirar.
- Você está linda.
Ah, que fofo, que vontade de apertar aquelas bochechas. O danado mira meus olhos, mas na verdade está querendo olhar meu decote e minhas pernas, hummm. Ãh! O que é isso?! Rosas?
- É para você! Eu sou louco por ti.
Óh, um buque de rosas. Que lindo. Que fofo. Mas esse Ronaldo… Ele nunca havia me dado um buque de rosas. Ele só gosta das cores preto e branco!
Smac!
Aquele danadinho sempre me surpreendendo. Está querendo me agradar. Humm, eu sei o que estava querendo. Ele só pensa nisso. Sapeca lindo. Ai! O horário, é melhor irmos, porque se ficarmos aqui por mais um tempo nossa noite romântica no cinema irá por água abaixo.
Que filme ele escolheu? Pergunto agora ou depois? Está tão gostoso o clima. O perfume, a música romântica e até a iluminação do carro está diferente. Ele está dirigindo com tanto cuidado, mesmo tendo reflexos de um ser imortal. Lembro que quando nos conhecemos, ele era muito exibido. Corria de um lado para o outro, levantava pedras enormes e mais um monte de exibicionismo típico de um machinho no cio.
- Eu consegui um aumento no salário. Fui muito elogiado pela minha chefe.
Ahahah, que lindo! Um aumento no salário! E ele fala assim para mim, sem mais nem menos? Mas é muito tímido meu amor.
- Por que não me contou antes? Parabéns amor! Merecido, merecido! Você é super competentiiiii. Vem cá! Eu te amo!
Smac!
Meu Ronaldinho é tão bonitinho quando dá uma boa notícia. Fica todo sério e formal. Preciso acabar com a timidez dele. Realmente parece que está se adaptando ao estilo de vida de nós humanos, pobres mortais. Um vampiro vegetariano e delicado. Tempos modernos, né? O crepúsculo da humanidade. Que coisa fofa e romântica. Depois do cinema vou dar um presentinho para ele. Fofo! Como eu me sinto bem perto dele. Ele me completa. É tão sereno e charmoso.
Ei, espere um pouco, se não me engano já passamos do cinema.
- Ronaldo, acho que já passamos do cinema.
- Confie em mim, amor.
Amor?! Ele nunca me chamou de amor. O máximo que fez foi me chamar de amorzinho. E o sorriso confiante dele. Transmitia tanta segurança. O que estava acontecendo com Ronaldo? Mas, ah, aquele não é o restaurante mais caro do país?
- Ronaldo?!!!!!
Ai, que noite mágica! Mas ali é muito caro! Ele não pode gastar tanto dinheiro assim. Ele já doa metade do que ganha para várias instituições filantrópicas e ajuda os marginais e maloqueiros.
- Não precisa Ronaldo… Ó eu te ajudo a pag..
- Eu pago tudo meu amor. Não se preocupe.
Uau! Ele fez carão e está vindo me dar um beijo! Ele está me beijando com lascívia, não, com paixão… Mesmo depois de cinco anos de namoro! Ele ainda está apaixonado! Que noite mágica!
Ai, estou preocupada, a conta já passa de dois mil reais, só comemos umas folhinhas de salada e nem pedimos a bebida ainda. Não quero ser um gasto para Ronaldo. Não mereço tudo isso.
- Ronaldo, querido, não precisa tudo isso…
Ãh, nossa, o que são aqueles homens? O quê?! Uma banda? Uma serenata de amor?
A música é linda e super romântica. Meu coração está batendo forte. É para mim. Ronaldo! E essas pétalas de rosa esvoaçando. Que linduuuuuuuu! Ah, como eu estou feliz! Eu amo o Ronaldo.
- Ronaldo, eu te…
- Xiiiiuuu.
Óh?! O que era aquilo nas mãos dele? É… é… é … ai meu deus, é uma aliança de… casamento.
- Quer casar comigo, Corina?
- Mas, você é um vampiro, imortal.
- Eu nunca vou te abandonar.
Aiiiiiii que emoção, estou com calor, meu coração está disparado, a barriga gelada, estou molhadinha, vivenciando um sonho. Finalmente! Ele me perguntou! Ele me perguntou! Meu sonho, casar com Ronaldo, o vampiro vegetariano e fosforescente que eu amo há tantos anos. Minha cara metade. Eu achava que ele estava só me enrolando, que esse dia nunca chegaria, pois afinal de contas ele era um vampiro, mas… Ronaldo me ama e me deseja!
- SIM!
Eu preciso dar um presente para ele. Essa será uma noite que ele jamais esquecerá.
- Vamos para o motel. Agora!
Não estou me aguentando e nem ele.
- Tira a roupa, tira a roupa, eu quero te chupar Ronaldo.
Ai que delícia de pau. Meu futuro marido toca no meu corpo como se jamais o tivesse tocado. Era como estar revivendo a nossa primeira vez. Hummm, agora está arrancando meu vestido. Ai, como ele chupa e aperta meus seios. Que delícia! Ele me deseja! Ai, a outra mão dele está subindo pelas minhas coxas lisas. Que tesão! Loucura total! Eu e ele estamos muito excitados, como era no início do nosso relacionamento. Que saudade daquele sexo tórrido e sem limites.
- Isso, desce lá embaixo, fique entre minhas pernas, beije meus pés.
Eu já estou toda molhada e a calcinha me incomoda. Preciso tirá-la e Ronaldo, obviamente, também. Ele vai ficar louco!
- Tira minha calcinha agora e faz um oral!
Ai, Ronaldo está lambendo minhas pernas de baixo para cima, adoro quando faz isso, ai, ai, aí é onde eu quero. Não estava mais aguentando de tanto tesão.
- Chupa meu pau, Ronaldo! Chupa tudo, caralho!
Ele está chupando divinamente meu pau, até engasga, como se nunca houvesse chupado antes. Estou com tanto tesão que preciso comê-lo imediatamente.
- Vira o cu, anda!
Ai, entrou com tudo. Agora vou socar, socar, meter, meter e mandar ver como nunca enrabei esse gambá antes e vai sem vaselina mesmo. Ele está acostumado, esse danadinho.
- Grita arrombado! Não era isso que você queria?!
- Vaaaaaaaaaai Corinaaaaaá!
Nossa, nunca comi tanto meu namorado como neste dia dos namorados. Comi quatro vezes. Gozei tanto que do cu de Ronaldo ainda estava saindo um líquido amarelado, misto de porra e fezes. Ele parecia feliz, mas exausto. Meu pau de 25 centímetros fez um bom trabalho. Estou precisando dormir. Esse dia dos namorados foi cheio de fortes emoções e o mais feliz que um travesti poderia ter.
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Feliz dia dos namorados.

Grandes batalhas LXII: Deuses da fertilidade! Doação de sêmen! Escolha seu doador!
Para casais que querem ter filhos e não conseguem, aconselho um banco de sêmen humano ou então este divino que vos trago.
Exu (Èsù) é a figura mais controversa do panteão africano, o mais humano dos orixás, senhor do princípio e da transformação. Deus da terra e do universo; na verdade, Exu é a ordem, aquele que se multiplica e se transforma na unidade elementar da existência humana. Exu é o ego de cada ser, o grande companheiro do homem no seu dia-a-dia.
Priapo ou Príapo (em grego: Πρίαπος, transl. Príapos) é o deus grego da fertilidade, filho de Dionísio e Afrodite. Sua imagem é apresentada como um homem idoso, mostrando um grande órgão genital (ereto). Priapo era considerado como protector de rebanhos, produtos hortículas, uvas e abelhas.
Dionísio vindo vitorioso de batalhas nas Índias, foi por Afrodite ardorosamente recebido e dessa união nasceu Priapo. Hera, ciumenta de Afrodite, trabalhou para que a criança nascesse com a sua enorme deformidade (curiosamente ele sempre é representado com um pênis de tamanho exagerado). Sua mãe mandou educá-lo nas margens do Helesponto em Lampasaco, onde por conta de sua libertinagem e desregramento tornou-se objeto de terror e repulsa. A cidade foi tomada por uma epidemia e os habitantes viram nisso uma retaliação por não terem dado atenção ao filho de Afrodite, fizeram rituais e pediram que ele ficasse entre eles.
Na mitologia nórdica, Frey, Frei, Freyr ou Freir é filho de Njord e irmão de Freya, e está casado com a gigante Gerda. É um deus representado como belo e forte que comanda o tempo e a prosperidade, a fertilidade, a alegria e a paz. É o deus chefe da agricultura.
Osíris (Ausar em egípcio) era um deus da mitologia egípcia, associado à vegetação e a vida no Além. Oriundo de Busíris, no Baixo Egipto, Osíris foi um dos deuses mais populares do Antigo Egipto, cujo culto remontava às épocas remotas da história egípcia e que continuou até à era Greco-Romana, quando o Egito perdeu a sua independência política.
Marido de Ísis e pai de Hórus, era ele quem julgava os mortos na “Sala das Duas Verdades”, onde se procedia à pesagem do coração ou psicostasia.
Desenho acima retirado deste blog. Por Camila Fernandes.

Osíris, Ísis e Hórus
Iemanjá – Mitologia africana
Filha de Olokun, seu nome, Iemanjá, quer dizer “mãe cujos filhos são peixes”. É a divindade das águas salgadas e é tão velha quanto Obatalá e tão poderosa que, segundo dizem, por seu caráter forte e arrebatado, perdeu o domínio do mundo, ficando apenas com o domínio da superfície do mar. Casou-se primeiramente com Orumila, senhor da adivinhação e depois com Olofin (rei de Ifé), com quem teve dez filhos. Iemanjá, cansada de Ifé, fugiu. Anos antes, Olokun havia lhe dado um pequeno vidro com um preparado que, em caso de perigo, Iemanjá deveria romper. Quando estava cansada de fugir, ao invés de entregar-se, quebrou o vidro e, imediatamente, um rio começou a surgir, levando-a ao mar, lugar da morada de Olokun. Deu à luz aos 16 Orixás. Foi mulher de Babalú Ayé, de Aggayú, de Orula e de Ogum. Gosta de caçar e utilizar o facão. É indomável e esperta. Seus castigos são fortes e sua raiva, terrível, porém é justa. É protetora das doenças do ventre e das que possam causar morte na água, chuva ou umidade. É o Orixá que mais ama e protege seus filhos. Usa uma bata enfeitada com tiras azuis e brancas, símbolos do mar e da espuma. Seus símbolos são dois remos, a coroa, o leme, o barco, corais, o sol, a lua cheia, a sereia, pratos, um salva-vidas, uma chave, um chocalho azul, ventarolas redondas e tudo o que se refere ao mar feito de ferro, prata ou prateado.
Fonte: History Channel

Dia dos namorados – Proibido para pessoas sensíveis
Era meio-dia, encontrava-me em um café na av. Paes de Barros. Um lugar agradável. Nas paredes, do lado esquerdo, existiam balcões de mogno e mármore negro, nas paredes havia prateleiras repletas de bebidas importadas. As mesas eram do século XIX. Os funcionários resumiam-se a sete pessoas. Destas, três eram cozinheiros, dois balconistas e duas garçonetes. Os cozinheiros que podiam ser vistos em uma janela de vidro ao fundo do restaurante entrando e saindo com os pratos eram pessoas de meia idade, um tanto quanto caladas, enquanto os balconistas e as garçonetes eram jovens solícitos e lépidos. Como era hora de almoço, o lugar estava cheio, algumas pessoas solitárias, outras em pequenos grupos, todas comendo lanches, sorvetes ou a comida básica do brasileiro: arroz, feijão, salada, ovos e carne acompanhados por um suco de laranja.
Porém, eu não comia nada, esperava minha amada, estava distraído a reparar nas pessoas quando olhei para o relógio; já havia passado 7 minutos. Então comecei a me angustiar, ela não chegava, comecei a olhar pela vidraça, na frente do café, onde eu, sentado em uma mesinha de dois lugares, permanecia. Comecei a suar, pelo medo de ser esquecido e também pelo fato de o sol estar a pino, em um dia de verão. Sentia ainda mais o calor, pois meus trajes eram negros. O medo, a angústia, a preocupação se converteram em nervosismo, raiva, ódio; mas logo me sentia fraco, preocupado. E esses sentimentos opostos estavam em constantes choques, enquanto eu olhava a avenida movimentada e complicada. Já era 12:14, quando os faróis e as poucas luzes do café se apagaram, era o apagão. Não tinha importância, a vidraça permitia a entrada da luz solar. O importante era a dor e angústia de ser esquecido pela minha amada. Olhei o cardápio para distrair, as letras começaram a se embaralhar na cabeça. Pensei em ir, estava nervoso e irritado.
Entretanto, involuntariamente, olhei pela vidraça e … a vi, a minha doce amada, correndo com seus cabelos negros a esvoaçar, olhos cintilantes, com roupas claras … e vendo-a me enchi de felicidade, não conseguia me mover, estava em um estado de profunda emoção … quando, repentinamente, fiquei estarrecido. Uma buzina, um grito, um corpo desmantelado a voar, um caminhão a fugir, uma multidão a aglomerar-se, eu a correr, eu, a morte, o sangue e, então, a depressão, a insanidade e a loucura.
Feliz dia dos namorados!

Grandes Batalhas LXIII: Cronos vs Eros. A força inexorável do tempo, que é capaz de fustigar a paixão e selar a dor da perda, é capaz de aplacar o amor?
Grandes batalhas LXIV – Cristianismo e a demonização dos antigos deuses. A maior vítima do maniqueísmo cristão foi…
Exu – Deus africano
A palavra “Exu” significa, em ioruba, “esfera”, aquilo que é infinito, que não tem começo nem fim. Exu é o principio de tudo, a força da criação, o nascimento, o equilíbrio negativo do Universo, o que não quer dizer coisa ruim. Exu é a célula mater da geração da vida, o que gera o infinito, infinita vezes.
É considerado o primeiro, o primogênito; responsável e grande mestre dos caminhos; o que permite a passagem o inicio de tudo. Exu é a força natural viva que formenta o crescimento. É o primeiro passo em tudo. É o gerador do que existe, do que existiu e do que ainda vai existir.
Exu está presente, mais que em tudo e todos, na concepção global da existência. É a capacidade dinâmica de tudo que tem vida. Principalmente dos seres humanos que carregam, em seu plexo, o elemento dinâmico denominado Exu.
É aquilo que no candomblé chamamos de Bára, ou seja “no corpo”, preso a ele. É o que nos dá capacidade de agir, andar, refletir, idealizar. Sem o elemento Bára, a vida sadia é impossível. Sem ele, o homem seria excepcional, retardado, impossível de coordenar e determinar suas próprias atitudes e caminhos de vida..
Realmente, Exu está presente em tudo. E damos como exemplo inicial a concepção da geração da vida. O membro ereto do macho tem a presença de Exu- aliás, em terras da África, o membro rijo é o símbolo da vida, o símbolo de Exu – ; a penetração na fêmea, tema a regência de Exu; a ejaculação é coordenada por Exu; o percurso do espermatozóide dentro da fêmea, é regido por Exu; também na fecundação do óvulo Exu está presente. E quando a primeira célula da vida esta formada, a presença de Exu se faz necessária. Já na multiplicação da célula, a regência passa por Oxum, que vai reger o feto até o nascimento.
Exu também está presente no calor, no fogo, na quentura. Presente se faz nos lugares poucos arejados, nos lugares onde existem multidões, nos ambientes fechados e cheios.
Exu está na alteração do ânimo, na discussão, na divergência, no nervosismo. Está presente no medo, no pavor, na falta de controle do ser humano. Também está perto na gargalhada, no riso farto, na alegria incontida. Para nós brasileiros, amantes do futebol, Exu está presente no grito de “gol”, que soltamos de forma feliz e nervosa. É o desprendimento do nervosismo contido no peito.
Exu é a velocidade, a rapidez do deslocamento. É a bagunça generalizada e o silêncio completo. Diz-se que Exu é a contradição. É o sim e o não; o ser e o não ser. Exu é a confusão de idéias que temos. É a invenção, descoberta. Exu é o namoro, é o desejo, é o sentimento de paixão desenfreadas e é também o desprezo. Exu é a voz, o grito, a comunicação. É a indignação e a resignação. É a confusão dos conceitos ba´sico. Aquele que ludibria, engana, e confunde; mas também ajuda, dá caminhos, soluciona. É aquele que traz dor e a felicidade.
Para se ter uma noção do comportamento e da regência paradoxal de Exu, cito um de seus Orikis (versos sarados), que diz;
” Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que jogou hoje”
Assim, pode-se ter uma idéia exata de quem Exu é, como é, e como rege as coisas. Ele esta presente em tudo….. em nada.
Exu esta presente no consumo de substâncias tóxicas, no álcool, na droga, no fumo. Ele é o sólido, o liquido e o gasoso. Está nas conversas de esquinas, de bares, de restaurantes, de praças. Está na aceitação ou recusa de qualquer coisa.
Está presente também nas refeições, pois ele é quem rege o ato de mastigar e engolir. A gula é atributo de Exu. Está no coito, no prazer sexual, na preguiça; mas também está presente na disposição, na energia, sem querer com isso carregar peso, pois Exu não gosta de carregar peso. Outro Oriki fala claramente sobre esta sua particularidade:
” Xonxô obé, odara kolori erú”
” A lâmina (sobre a cabeça) é afiada; ele não tem cabeça para carregar fardos”
Exu é tudo isso e mais. Fogo é o seu elemento, mas a Terra e o Ar são bem conhecidos de Exu. É a presença constante!
Mitologia
Exu é filho de Iemanjá e irmão de Ogun e Oxossi. Dos três é o mais agitado, capcioso, inteligente, inventivo, preguiçoso e alegre.É aquele que inventa historias, cria casos e o que tentou violar a própria mãe.
Numa de suas muitas histórias, podemos entender exatamente suas capacidade inventiva, sua conduta maquiavélica e sua maneira pratica de resolver seus assuntos e saciar seus desejos.
Conta-se que dois grandes amigos tinham, cada um deles,um pedaço de terra, dividido por uma cerca. Diariamente os dois iam trabalhar, capinando e revirando a terra, para plantio.Exu, interessado nas terras, fez a proposta para adquiri-las, o que foi negado pelos agricultores. Aborrecido, mas determinado a possuir aqueles dois terrenos, Exu procurou agir. Colocou na cerca um boné. De um lado branco, de outro vermelho. Naquela manhã, os amigos lavradores chegaram cedo para trabalhar a terra e viram o boné na cerca. Um deles via o lado branco e outro o lado vermelho.
Em dado momento, um dos amigos pergunto: – “O que este boné branco faz em minha cerca?” Ao que o outro retrucou: – “Branco? Mas, o boné é vermelho!”
- Não, não, amigo. O boné é branco, como algodão!
- Não, não é mesmo! É vermelho como o sangue!
- Não sei como você pode ver vermelho, se é branco, está louco?
- Não, o louco é você, que vê branco, se a coisa é vermelha!
Bem, daí desencadeou-se a maior discussão, até chegarem à luta corporal. E com as mesmas ferramentas de trabalho, mataram-se.
Exu, que de longe assistiu a tudo, esperando o desfecho já imaginado por ele, aproximou-se e assumiu a posse das terras, não sem antes fazer um comentário, bem ao seu estilo:
- Mas que gentes confusas, que não consegue solucionar problemas tão simples!
Esse é o tipo de Exu!
Não quero passar a impressão de que se trata de uma coisa ruim, má, mas Exu é nosso próprio interior, é a nossa intimidade, o nosso poder de ser bom ou mau, de acordo, com nossa própria vontade. Exu é o ponto mais obscuro do ser humano e é, ao mesmo tempo, aquilo que existe de mais óbvio e claro.
Assim é Exu, Senhor dos caminhos, pai da verdade e da mentira. O Deus da contradição, do calor, das estradas, do princípio ativo de vida. O mestre de tudo… e nada!








Zeus, Hermes, Hades, Nix, Fúrias, Hecatonquiros – 24.08.06 – A nova teogonia – 24ª parte
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17.11.08 –
Zeus, garantida a proteção de sua retaguarda por Asgard, o que lhe permitia preocupar-se exclusivamente com Hades e não com Hórus e com os hindus, determinou que Hermes fosse inspecionar os portões do Tártaro.
- Hermes, desça ao Tártaro e inspecione os portões do Tártaro! Quero relatórios dos hecatônquiros mensalmente a partir de hoje. – Foi o que disse peremptoriamente a potência olímpica logo que chegou ao monte que governava.
- Sim. – Foi a pronta e tremula resposta de Hermes que, munido do céu caduceu e do cetro roubado de Hórus, retirou-se para cumprir a missão.
Obviamente, a situação para Hermes era, no mínimo, desagradável. Causaria uma guerra se não conseguisse chegar aos guardiões do Tártaro. Hermes suspeitava que o embate militar fosse a solução que o pai queria para aquela situação tensa e embaraçosa. Zeus precisava dar um fim naquela circunstância dicotômica do panteão grego geradora de terríveis instabilidades políticas, mesmo que fosse por meio da guerra. Para iniciá-la precisava pressionar o irmão, criar uma situação limite, que não houvesse volta e que comovesse todos os olimpianos da mesma forma que o ctónicos estavam comovidos e mobilizados.
A soma de todos os medos estava próxima.
Apesar da intensa mobilização e empolgação de alguns poucos generais e soldados, o temor da guerra interna pairava sobre o Monte Olimpo e sobre o Hades. Sem contar que de boca em boca corriam notícias da movimentação de Hórus e de seu séquito divino, cada vez maior. Tais notícias tinham péssima repercussão para Ísis em particular, que era frequentemente alvo de hostilidades, xingamentos e atos de desprezo. A deusa egípcia, no entanto, não escondia a indiferença e o menoscabo que destinava ao futuro da Grécia mítica e à sua gente. Dizia que estava ali apenas para cumprir a obrigação para com Perséfone. Então saía altiva com o doce rebolado que lhe era peculiar. As minissaias transparentes que usava deixavam os seres masculinos loucos de desejo e os seres femininos enraivecidos. Com efeito, não só o rebolado da deusa era hipnotizante, as coxas também. Eram, na verdade, estonteantes.
Aquela obrigação que encobria a espionagem contra os olimpianos nasceu justamente das contradições dos helênicos. Idiotas!
Apesar de todo o ódio da população do Monte Olimpo, ainda assim ninguém tinha coragem de enfrentá-la abertamente, pois Ísis era uma deusa extremamente poderosa e que, de certa forma, ainda era protegida pela pressionada e inexperiente Hebe, a grega filha de Hera.
Voltando a Hermes, embora este não quisesse cumprir aquela ordem dada por Zeus, deveria fazê-lo. Era o mensageiro dos deuses e o deus de confiança de Zeus, também conhecido como o mais eloquente, inteligente e diplomático dos deuses olímpicos. Ademais, fora uma ordem expressa de Zeus e que caso não fosse cumprida… Nem Hermes, com toda a velocidade que guardava dentro de si, poderia escapar de um raio de Zeus.
Para cumprir aquela malquista jornada, Hermes não sabia que via tomar: se tentaria entrar no submundo clandestinamente ou se tentaria a via diplomática. Optou pela segunda, pois nunca teve problemas com Hades; porque se fosse pego, o que provavelmente aconteceria se seguisse a primeira opção, face ao monumental aparato militar construído, orquestrado e mantido por Hades, seria jogado no Tártaro, sem maiores cerimônias; e, finalmente, porque também, em tese, a escolha pela segunda vereda não excluiria a primeira hipótese. Não pretendia arriscar as tão amadas liberdade e incolumidade físicas que detinha. E se Zeus não conseguisse penetrar as defesas do Hades para salvá-lo? E se Zeus fosse derrotado? Hermes ficaria preso no Tártaro para sempre. E isso para cumprir uma missão estúpida, cujo objetivo talvez fosse apenas demonstrar poder, servir como uma ameaça ou iniciar a tão temida guerra fraterna.
Em que pese a proibição da entrada de qualquer deus olimpiano nas plagas do submundo, talvez ele, Hermes, conseguisse se se valesse das técnicas sofistas de persuasão e retórica.
A decisão estava tomada. A via utilizada seria a diplomática. Enquanto Hermes fazia malabarismos com o caduceu e com o cetro de Hórus, tracejava os argumentos que iria expor para o deus do submundo. Estava apreensivo. Não havia margem para erros.
Minutos depois da ordem dada por Zeus, Hermes desceu ao Hades. Já sabia o que dizer ao tio ofendido.
Pouco tempo depois da partida, chegou a um dos inúmeros portões do Hades. Aguardou quase uma hora com as terríveis guardas queres. Depois de muitas ligações, brigas entre os membros da guarda e revistas, foi acompanhado por Megera, uma das fúrias, que viera exclusivamente para escoltá-lo, até o castelo de Hades. O inferno grego estava um pouco bagunçado. Havia muitas criaturas trabalhando na limpeza da grande festa de três dias atrás, mas ainda assim podia se ver enormes contingentes militares marchando de cima para baixo, por todos os lados e em todas as direções. Pareciam confiantes e felizes, como se tivessem esperança de que a luz que lhes fora negada um dia seria finalmente deles.
Hermes foi bem recepcionado no palácio de Hades. Não sentiu nenhum sinal de agressividade, ameaça, risco, mas teve que deixar as sandálias aladas com Despina, a deusa da geada, que as congelou de propósito… Isso o desagradou profundamente.
No salão de Hades, estavam o próprio, Thanatos, Hypnos e Nyx. Um leve tremor percorreu a espinha de Hermes ao ver a deusa primordial. Nyx, a noite, era ao lado de Tártaro, Gaia e Érebo os deuses primordiais mais antigos ainda existentes ou na ativa, filhos diretos de Caos. Seres terríveis e poderosos.
Gaia e Nyx eram as únicas dessa fraternidade que davam frequentemente as caras no mundo contemporâneo, entre os deuses mais jovens.
Gaia normalmente entrava em conflito com filhos, netos, sobrinhos ou tentava manipulá-los. Sabe aquela senhora de idade, chata, ranzinza, intrometida, manipuladora e palpiteira? Pois é, esta é Gaia. Era uma deusa muito fértil e gerava muitos descendentes.
Nyx, por outro lado, buscava o sossego e a paz de espírito. Frequentemente promovia rituais de bruxaria e feitiçaria. Patrona das feiticeiras e bruxas, ela era a deusa dos segredos e mistérios noturnos; rainha dos astros da noite. Precisava de tranquilidade para criar suas artes mágicas e manter em segredo os mistérios que guardava. Assim como Hades, possuía um capuz que a tornava invisível a todos, assistindo assim ao universo sem ser notada. Nyx conhecia o segredo da imortalidade dos Deuses podendo tirá-la e transformar um Deus em mortal. Carregava o epíteto de “A domadora dos Homens e dos Deuses”, demonstrando como os outros deuses respeitavam e temiam esta poderosíssima deidade.
De fato, Nyx poderia, às escondidas, retirar o poder de um deus sem que ele percebesse ou caso este não tivesse forças para derrotá-la. Todos a temiam em razão dessas particularidades – a capacidade de ficar invisível e a de sugar o poder de um deus. Por isso quando Zeus, que a respeitava e temia muito, soube que ela estava ao lado de Hades, ficou temeroso. Caso fosse derrotado ou surpreendido, poderia ter o poder reduzido ou suprimido pela bruxa e nunca mais poderia se vingar. Tornar-se-ia um mortal qualquer, um passageiro terreno, um transeunte vulnerável nos caminhos dos cosmos.
Obviamente Zeus possuía muito poder e Nyx não conseguiria retirá-lo de uma hora para outra em condições normais. Bastaria um raio de Zeus para acabar com a deusa primordial. Ainda assim, o simples fato de perder, mesmo que fosse apenas uma fração do seu poder, fazia Zeus tremer.
E se não estivesse em condições de luta ou de se defender ou de fugir como ocorreu quando foi derrotado na primeira batalha contra Tifão ou quando estava preso na cama em razão da conspiração promovida por Hera? Estaria fodido. O poder que lhe era inerente, nestas condições específicas, poderia ser facilmente surrupiado por Nyx. O mero fato de estar sujeito a um poder que desconhecia e que poderia destituí-lo do seu o incomodava bastante, principalmente agora que Nyx havia escolhido o lado na contenda, o lado de Hades. Nyx, como toda boa mãe, apoiava os filhos. No caso, os filhos eram Thanatos e Hypnos, leais serviçais de Hades. Além disso, Nyx era uma deusa sombria tal como Hades. Também achava que Zeus estava muito presunçoso e arrogante. Era necessário abaixar o ego do cara.
Além de Nyx e Gaia, também havia o deus primordial Tártaro, o construtor da temível prisão que levava o próprio nome dele. Este deus primordial, todavia, raramente dava as caras para o restante do universo – a última vez que saiu das estranhas da escuridão foi quando se uniu à Gaia para que esta gerasse Tifão.
Por fim, o último e quarto filho, descendente direto de Caos, que ainda existia estava encarcerado no Tártaro: Érebo, a escuridão. Érebo tinha seus domínios demarcados por seus mantos escuros e sem vida, predominando sobre as regiões do espaço conhecidas como “Vácuo” logo acima dos mantos noturnos de sua irmã Nix, a personificação da noite. Érebo, outrora, desposou Nix, gerando mais dois deuses primordiais: o Éter (conhecido como a Luz celestial) e Hemera (o Dia).
Hades, Zeus e Nyx jogaram Érebo na prisão do Tártaro milênios atrás quando ele tentou libertar novamente os titãs, que clamavam afoitos por socorro logo após o fim da titanomaquia.
Hermes, ao ver a famosa deusa primordial frente a frente, pode ver toda a magnitude de sua existência. Sentia que aquela entidade realmente transcendia poder. Parecia ser feita de névoas negras e noturnas. Ficou preocupado em ser despojado de seu poder divino ali mesmo. Estava sem as sapatilhas aladas e diante de Hades. Não havia como lutar ou como escapar. A energia negativa do lugar era muito forte o que arrefecia até mesmo o ânimo para falar, atributo que lhe era tão peculiar.
Todos olhavam sérios, atentos e impassíveis para Hermes aguardando o pronunciamento. Megera ficou ao lado de Hermes, e logo Alecto e Tisífone se juntaram a ela, como se fossem carrascos prestes a ceifar uma vida. Despina mirava do fundo do salão, em um pequeno trono de gelo improvisado. A deusa da geada costumava fazer objetos de gelo para atender necessidades pontuais e passageiras. Ora fazia um trono, ora uma espada, ora um “falo”, ora uma cama e etc.
Hermes acuado e inseguro tomou a palavra:
- Hades, querido. Meu pai pediu, gentilmente, para que eu fizesse uma visitinha ao Tártaro para ver se está tudo bem lá… gentilmente. – Disse sorridente, terno, educado e gentil, o mais que pode, o mensageiro, que concomitante tentava esconder o nervosismo.
Hades ficou em silêncio. Coçou o queixo. Olho para Nyx que deu de ombros.
- Ok. – Respondeu Hades indiferente. – Megera, Alecto e Tisífone irão te acompanhar. – E estalou os dedos.
Hermes ficou aliviado. Não seria a causa de uma guerra cujos matizes sanguinolentos ganharam tonalidades extremamente rubras naqueles últimos dias, não seria preso no Tártaro, não seria torturado, nem reduzido a um simples mortal.
As três fúrias o acompanharam até a saída do salão – elas, nada gentis, o empurravam contrariadas em razão da ausência de sangue e violência. Queriam bater, torturar e jogar Hermes no Tártaro, pois odiavam os seres luminosos e asseados do Olimpo.
Logo voaram em direção ao Tártaro. Hermes, não obstante conhecesse o caminho até a prisão infernal e apesar de mais rápido, mesmo sem as sapatilhas aladas, resolveu seguir as fétidas fúrias. Não queria ter problemas. Durante a viagem pensou na atitude de Hades. Por que o deus do submundo havia dado aquela autorização para Hermes? Seria um sinal de abertura? Uma bandeira branca? Seria respeito à história dos três grandes do Olimpo? Estava querendo esconder alguma coisa? Estava querendo protelar o início da guerra? Ou era mais um sinal que Zeus estaria ficando louco? Não houve qualquer sinal de contrariedade de Hades ou de Nyx.
Tais duvidas cresceram ainda mais depois de constatada a absoluta normalidade dos portões do Tártaro.
Giges, Coto e Briareu estavam lá, no ofício que outrora fora de Campe, o monstro histriônico que serviu de guardião carcereiro do lugar mais terrível do inferno grego antes dos hecatonquiros e que foi morto por Zeus. A aura branca do deus mensageiro Hermes iluminava o abismo totalmente negro, agraciado pelo cheiro da umidade e do esquecimento. Ventos zuniam naquela cratera esquecida e amaldiçoada.
A luminosidade divina repentina primeiramente assustou os gigantes carcereiros. Coto, Giges e Briareu logo que sentiram os olhos acostumados ao negrume arderem em razão da assombrosa claridade divina se muniram de pedras colossais, afiadas e negras para fustigar a visita impertinente, mas as largaram depois de ouvirem as exclamações amistosas de Hermes:
- Ei, esperem, sou eu, Hermes, filho de Zeus, amigo dos hecatonquiros. Lembram-se de mim?!
Silêncio.
- Hermes, Hermes, amigo! – Correram todos os hecatonquiros para abraçar Hermes. – Saudade, saudade. – Os hecatonquiros eram um tanto monossilábicos e pensavam devagar. Não tinham o hábito de conversar muito, pois a solidão do vazio daquele abismo e a absoluta falta de assunto expulsaram o dom da eloquência dos guardiões. Transmitiam, assim, com isso impressão de retardo mental, embora não o fossem, de fato. Apenas estavam um pouco solitários demais.
- Então amigos, vim visitá-los, pois estava com muitas saudades. Como vão as coisas aqui? Algum problema? Os titãs estão dando muito trabalho? – Gargalhou e escondeu a repulsa que aquelas criaturas hediondas e deformadas lhe causava. Evitava o olhar direto para os olhos sujos, obtusos, quase cegos, daquelas criaturas imundas e esquecidas, mas ainda assim fieis aos três grandes do Olimpo, seus libertadores.
- Tudo bem. – Antecipou-se Giges sorrindo. Queria ser o primeiro a responder. Os dentes da besta estavam escuros e quebrados. O hálito, bem, o hálito era próprio de quem estava há quinze mil anos sem escovar os dentes.
- Os titãs nunca escaparão. – Gargalhou Coto confiante. – E se escaparem… – Socou a palma de uma das mãos com força esmigalhando uma pedra que nela estava.
- Zeus é nosso amigo e você também deus alado. – Finalizou Briareu dando um forte tapa nas costas de Hermes.
Hermes enrolou um pouco ali para fazer um “social”. Pediu para que Briareu deixasse a impressão digital em um documento que declarava que estava tudo em termos ali naquela penitenciária. O líder dos hecatonquiros estranhou, pois nunca foi feito nada disso antes, mas não iria implicar com o grande Zeus e fez o que Hermes solicitou.
Logo depois Hermes foi embora.
- Mande lembranças para Zeus, Hades e Poseidon, Hermes!!! Diga-lhes que queremos vê-los novamente! Estamos com saudades daqueles encrenqueiros. – Rogou Giges inocente e solicito.
- Tisífone, te amo! – Gritou Coto. A fúria fez cara de nojo, mas no seu íntimo gostou do elogio. Era melhor ser elogiada por um monstro feio, deformado e carcereiro do que não ser desejada por ninguém. Afinal de contas sabia que ela não era muita coisa mesmo. E se sentia menos ainda agora que Perséfone, a única que tinha paciência e vontade para dar dicas de belezas, bem como maquiar as fúrias havia sido extirpadas daquelas pradarias infernais do Hades.
E assim Hermes partiu de volta para o Olimpo cheio de dúvidas e encabulado – o que pensariam ou sentiriam os hecatônquiros que aqueles que os libertaram há milênios atrás agora eram inimigos mortais? -, mas feliz por ter cumprido aquela ingrata missão. Antes disso, havia agradecido Hades e Nyx pela oportunidade de cumprir a missão dada por Zeus sem nenhum empecilho. Pegou de volta de Despina as sapatilhas aladas que ainda estavam congeladas.
De dentro do palácio de Hades…
- Ele voltará…
- Sim. É uma pena…
CONTINUA NO FINAL DESTE MÊS

Grandes batalhas LXV: Caçada: Bastet vs Ártemis: quem leva a melhor, a caça ou a caçadora?
Grandes batalhas LXVI: Deusas traídas.
Páscoa. A origem dos ovos de Páscoa. Aviso: Proibido para menores – trechos de extrema violência.
Uma semana antes da Páscoa.
Madrugada gelada e chuvosa.
Rua de acesso ao portão lateral de uma grande empresa de ovos de Páscoa. Brasil.
- Vem Flidais. – Pã puxou o braço da amiga para atravessar a rua deserta e mal iluminada.
- Ai, não me puxa, estou indo. – Revoltou-se Flidais.
- Não podemos ser vistos. Nossa “janela” fecha em cinco minutos segundo o guardinha. – Chegando ao portão da empresa, Pã o empurrou lentamente para não fazer barulho. Entraram.
– Viu? Eu disse que aquele segurança era confiável. E olha a câmara está desligada. Ficará assim por mais… três minutos. Só precisávamos molhar a mão dele. – Arrematou confiante.
- Eu ainda acho que não deveríamos estar aqui. Poderíamos fazer uma denúncia às autoridades. – Argumentou nervosa Flidais.
- Isso já foi feito! No governo há um monte de corruptos. – Falou Pã em tom de voz perigosamente alto. – Ninguém fiscaliza nada! Só fiscalizam quando algum escândalo sai na mídia ou depois de uma tragédia. Isso aqui é Brasil. Precisamos fazer isso sair na imprensa. Vamos tirar as fotos dos maus tratos dos animais e divulgar ou ninguém vai acreditar na gente.
- Fale baixo! – Sussurrou Flidais, tensa, colocando a mão sobre a boca do amigo ambientalista.
Flidais e Pã percorreram o pátio vazio da empresa encobertos pelo breu noturno e pela chuva continua. Seguindo orientações do vigilante mancomunado com eles, chegaram ao último galpão do complexo fabril, o maior deles.
- Que cheiro forte de bicho é esse? – Perguntou–se Pã, quase inaudível. – Venha Flidais. – Puxou a companheira pelas mãos ao mesmo tempo que empurrava a porta entreaberta que dava acesso ao galpão iluminado e que expelia um bafo quente.
- Que porra é essa?! – Espantou-se. Pã viu milhares de coelhos empoleirados em milhares de cubículos individuais, à semelhança de um gigantesco galinheiro. Flidais, igualmente pasma, adiantou-se e colocou a mão sobre um dos enormes e obesos coelhos presos naqueles cubículos. O bichano comia compulsivamente cacau, manteiga e açúcar. Abaixo de cada coelho havia uma grande cesta que captava as fezes do animal. Estranhamente, tais fezes não tinham cheiro de bosta e nem de merda. Parecia, na verdade, chocolate… Pã, impressionado, enfiou o dedo naquele monte de excremento de coelho e o colocou na boca. Não deu outra. Era chocolate e dos mais finos e gostosos que já havia comido.
- Então a lenda dos ovos de Páscoa é verdadeira. Há coelhos que botam ovos de chocolate! – Balbuciou embasbacado e enojado o invasor. Flidais passou mal e vomitou. Neste momento, porém, a porta pela qual haviam entrado se fechou violentamente com a força do vento. Isso tirou ambos do estado de incredulidade e choque fisiológico. Parcialmente recuperados e repletos de adrenalina no sangue, tiraram inúmeras fotos do local. Precisavam denunciar aquele absurdo, precisavam mostrar à sociedade o que acontecia naquela fábrica: maus tratos aos animais e atentado à saúde pública.
Todavia, durante o trabalho de coleta de provas, Pã e Flidais ouviram outra porta bater. Esconderam-se incontinenti. Abaixados puderam perceber que havia dois homens robustos puxando uma grande máquina sobre rodas; tão grande que ali poderia caber várias pessoas deitadas enfileiradas ou uma sobre as outras. Para que serviria aquilo? Perguntaram-se. A máquina era toda cinza, metálica e apresentava inúmeras manchas de sangue. Passava a impressão que fora usada inúmeras vezes. Um dos homens passou a avaliar as cestas de chocolate de cada coelho. Transpostas dez cestas, aquele funcionário implicou com o coelho da décima primeira de uma determinada fileira.
- A produção está baixa e de péssima qualidade. – Exclamou após experimentar inúmeras vezes o produto do metabolismo daquele coelho. – Precisamos trocar este bicho. Ele está velho. Não vale nada.
O outro homem imediatamente ligou a máquina. Um grande estrondo similar a uma turbina de avião ressoou pelo galpão. O primeiro homem, então, pegou o coelho improdutivo pelas orelhas e o jogou na máquina. Era um triturador gigante. Em um segundo o coelho foi destruído.
- Ah!!!!! – Flidais gritou horrorizada. Para azar dos intrusos, o grito foi ouvido pelos homens.
- Ei! – Bradou um dos seguranças.
Pã e Flidais tentaram fugir pela porta por onde entraram, mas não conseguiram. Correram a esmo, buscando alguma saída, entretanto outros homens tão ou mais fortes quantos os primeiros apareceram e rodearam o casal intruso. Foram levados à força à sala do chefe: Vlad Tepes, um cristão reformado.
- Ora, ora, ora. Humanos não autorizados na fábrica. – Comentou reflexivo Vlad, sentado à mesa em seu escritório. – Vocês, crianças, serão punidas. – Gargalhou diabolicamente.
- A gente vai denunciar todo mundo aqui, porra! Essa fábrica vai fechar! Todo mundo vai para a cadeia. – Gritou Pã nervoso. – Eu quero meu advogado! E… hunfff – Pã foi atingido na boca do estômago por um soco.
- TIREM O CELULAR DELE! – Gritou Vlad alterado. – E O DA MOÇA TAMBÉM!
A ordem foi cumprida imediatamente.
- Vai denunciar o quê? Hein, seu filho da puta?! Fala! FALA CARALHO! – Vlad pegou a cadeira em que estava sentado e jogou contra Pã que antes do choque fora largado pelos seguranças. Pã ficou atordoado e caiu no chão. Mal ouviu os gritos desesperados de Flidais. Sangue correu da cabeça, muito sangue. A cadeira era muito pesada, de metal e pontiaguda.
- CALA BOCA VAGABUNDA! Vocês não queriam salvar os bichinhos? – Fez gestos mesquinhos com a mão. – Sociedade protetora dos animais de merda! Estou cansado de vocês! – Um dos seguranças, cumprindo a ordem do ser sinistro, manietou a garota e tapou-lhe a boca. Flidais se debatia. – O que eu não faço para me reconciliar com os cristãos. Maldito o dia que renunciei e reneguei Deus. – Lamentou-se Vlad. Dirigiu-se a Flidais e deferiu uma potente bofetada na moça, deslocando o maxilar da invasora e a fazendo tombar no chão. – Levante a vadia! – Ordenou ao segurança.
- Traga um coelho! – Gritou Vlad impaciente e dirigiu-se para onde estava Pã. Pegou-o pelo pescoço com uma mão e o levantou. Tirou-o do chão. Pã debateu-se. Ficou sem ar.
- Como vocês entraram aqui, seu merda? Hein, mamífero consumista de bosta? – Soltou a vítima no chão, pegou a cadeira e bateu violentamente mais algumas vezes em Pã. Voltou para sentar-se à mesa. Acendeu um cigarro.
– Eu preciso de sangue, porra! – Disse resoluto.
O pescoço de Pã estava cheio de marcas vermelhas, o braço quebrou sob o impacto dos golpes da pesada cadeira e a barriga foi perfurada, tamanha a violência de Vlad Tepes.
– Então vocês descobriram o segredo, não é? – Continuou Vlad agora muito calmo. Parecia outra pessoa. – Vocês vão morrer! – Sorriu entusiasmado e logo arrematou consternado. – Morreriam mesmo que não tivessem descoberto nada. Não posso negar minha natureza.
Vlad fez uma pequena pausa para tomar um copo de um líquido vermelho.
- Maldição. – Disse inconformado para si mesmo enquanto bebia. – Tudo por causa daquela vagabunda idiota que achou que eu havia morrido. Não deveria ter renunciado a Deus por causa dela…
Vlad andava de um lado para o outro enquanto esperava o coelho chegar. Falava sozinho.
- Na antiguidade, presentear com ovos adornados e pintados para contemplar a chegada da estação das flores era um costume pagão ligado à deusa Ostera, sempre associada aos malditos coelhos.
Vlad parou e olhou para o nada, contemplativo.
- Essa tradição idiota foi absorvida pelo cristianismo para cooptar mais fieis. Foi um método eficaz, admito. – Continuou Vlad falando em tom de voz baixo e paranoico, absorto em seus próprios pensamentos. – E eu que lutava contra turcos… fui demonizado. Mas hoje ninguém se lembra da deusa e a Páscoa virou um grande negócio. Acrescentaram o elemento chocolate aos ovos para empanturrar as pessoas, tornando-as obesas e ridículas. Tenho que fazer isso para ser aceito novamente. – Balbuciou resignado. – Mais algumas décadas difundindo a ressurreição de Cristo por meio da venda maciça de ovos de Páscoa e estarei perdoado, segundo o Papa. Essa maldição me deixará. – Murmurava convicto para si mesmo. – Os fins justificam os meios. Os fins justificam os meios. Os fins justificam os meios. Os fins justificam os meios.– Repetiu freneticamente. Após, calou-se.
Todavia, gemidos de angústia das vítimas quebraram o breve silêncio. Vlad, maligno, voltou a carga contra aqueles que perante eles estavam impotentes e indefesos.
- Sim. – Continuou o algoz peremptório. – Os ovos de Páscoa nada mais são do que bosta de uma determinada espécie de coelho. Humanos são tão idiotas… Nossa empresa recolhe as fezes dos coelhos, embala e vende. É muito mais barato que o processo mecânico. É uma raça especial de coelhos descoberta na Transilvânia que tem a capacidade de sintetizar em chocolate o cacau, o açúcar e a manteiga sem desperdício e de uma hora para outra. É claro que os cientistas deram uma turbinada no metabolismo dos animais. Seleção artificial, sabe? O mercado é duro lá fora, amigos. Outrora concorrentes roubaram alguns espécimes e perdemos a exclusividade… e eu ganhei mais alguns anos de maldição em virtude dessa falha. – Comentou o carrasco resignado. – Precisamos ser competitivos e guardar nossos segredos das outras empresas que ainda não o conhecem, do governo e dos ambientalistas. Estes são os mais chatos. Vocês não foram os primeiros a serem pegos aqui. – Sorriu diabólico e confiante.
Pã ainda tentava se levantar da poça de sangue em que estava mergulhado. Flidais, presa entre os braços de um segurança e com a boca tapada, olhava o amigo horrorizada. Nunca vira tamanha violência.
- Ah! Enfim, chegou um coelho. – Entusiasmou-se Vlad. – Agora me digam, como vocês entraram aqui? – Olhou sereno diretamente para Flidais. Ela balançou negativamente a cabeça suplicando para não delatar ninguém. Não queria mais sofrimento.
Vlad ficou furioso. Tomou o coelho das mãos do segurança, chutou com violência a cabeça de Pã e colocou o coelho sobre ela. Apertou a barriga do bicho.
- Você vai comer merda de coelho da Páscoa saída diretamente do cu enquanto sua amiga não falar como entraram aqui! – Berrou Vlad para Pã. Imediatamente o bicho começou a cagar chocolate na boca e no nariz da vítima inerte.
Flidais tentou lutar, mas depois de ver que o coelho era uma fábrica de bosta, tamanha era a diarreia do bichano, e que Pã não conseguia respirar ou se mexer, fez menção de dizer o que Vlad queria saber. O segurança destampou a boca da moça.
- O vigia! O vigia! O da lateral, da rua x. – Gritou esbaforida e em prantos com o maxilar todo danificado. Havia perdido alguns dentes. A boca sangrava. Os lábios rompidos ardiam em contato com a profusão de lágrimas salgadas de Flidais.
- Traga-o. – Ordenou Vlad. O psicopata mordeu o pescoço do coelho que logo em seguida caiu sem vida e ensanguentado sobre Pã. Sangue e chocolate de coelho cobriam o rosto do ambientalista. Flidais já sem voz caiu ajoelhada no chão e estendeu um dos braços para Pã, mas não conseguia se mover. Estava apavorada e indefesa. Sentia-se presa, embora ninguém mais a segurasse.
Vlad fumava enquanto esperava o delatado. Fazia corações e bichinhos fofos com a fumaça que deixava sua boca.
Logo entrou o vigia acompanhado pelos seguranças e antes que pudesse falar qualquer coisa tomou um tiro de fuzil na cara. O crânio explodiu. Foi sangue e massa encefálica para todo lado.
Do pescoço saiu jatos vermelhos de sangue. Flidais ficou paralisada mesmo recebendo boa parte dos jatos sanguinolentos na fronte. Pã estava agonizando, quase inconsciente, mas ainda assim conseguiu ouvir de Vlad:
- Jogue-o no triturador.
Um dos seguranças foi buscar a máquina maldita. Enquanto isso, Vlad mandou:
- Tirem a roupa dela. – Imediatamente os seguranças arrancaram bruscamente todas as vestes de Flidais. – Um corpo bonito, mas os peitos são pequenos. – Ponderou o tirano, coçando o queixo e apagando o cigarro na ponta da língua. – Tragam-na até mim. – Flidais tentou lutar, mas foi contida pelos seguranças com socos e chutes violentos.
Posta sobre a mesa de Vlad, foi estuprada pelo amaldiçoado. Pã ergueu o braço, queria ajudar a amiga em pânico, mas o deixou cair. Mal sentia o corpo. Havia perdido muito sangue. Logo ouviu um grande estrondo: o som da máquina de triturar. A máquina estava no corredor, em frente da porta do escritório. De soslaio, viu os grandes rolos metálicos dentados girarem dentro da máquina, prontos para esmigalhar qualquer corpo orgânico que ali adentrasse. Primeiro viu o corpo do vigia ser jogado e desaparecer em um instante. Inúmeros jatos de sangue e órgãos despedaçados caíram por todos os lados do escritório, inclusive sobre Vlad que estava em pleno ato sexual. Vlad pouco se importou, parecia adorar sangue. Havia até se esquecido de Pã. Segurava uma das pernas de Flidais com uma das mãos e o pescoço com a outra enquanto consumava o crime e a lascívia. A moça já não lutava, havia perecido.
Pã, indefeso, impotente e derrotado sentiu o corpo ser removido, alçado e atirado por inúmeras mãos para dentro da máquina.
Feliz Páscoa!

Hades,Poseidon, Anfitrite, Despina, Éris, Nyx, Trevas, Hipocampo, ??? – 24.08.05 – A nova teogonia – 25ª parte
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06.07.09 –
Enfim, nesta data, nasceu Trevas, o primeiro filho de Hades e Tétis, a nereida.
Uma criança forte, sadia e com olhos extremamente negros. O parto foi difícil e a criança já nasceu mostrando a que venho. O choro agudo do recém nascido matou algumas ninfas enfermeiras durante o parto e causou uma grave lesão nos tímpanos já deficientes de Asclépio. Um episódio quase tão trágico e funesto quanto o nascimento de Apolo marcado pela morte da Serpente Píton, filha de Gaia. Tal serpente tinha o propósito de matar Leto, mãe de Apolo e Ártemis, pois o réptil trabalhava para a ciumenta Hera, vítima de outra traição de Zeus. Com apenas quatro dias do nascimento Apolo tomou posse de arco e flecha dados por Hefesto, perseguiu e matou o bichano. Posteriormente tomou o Oráculo de Delfos.
Em que pese o nascimento de uma criança, sempre um motivo de alegria e esperança, dias depois de dar à luz, a mãe nereida estava infeliz, deprimida e ainda por cima rejeitava a criança; tentou matá-la durante o parto e dias depois novamente durante a amamentação, pois em estado puerperal, mas Gaia a impediu. A deusa primordial da Terra, ascendente de noventa e nove por cento dos deuses gregos, passou a ser a ama de leite de Trevas. Não fosse durona, teria abandonado a tarefa, pois Trevas mordia-lhes os bicos do peito. Suspeitava-se que o fazia de propósito, por pura maldade, embora fosse recém nascido.
Despina, a deusa amargurada e rejeitada das geadas e do inverno, tomou para si o trabalho de educá-lo durante a infância. Fez um juramento perante Hades e Nyx. Éris, a deusa da discórdia, posteriormente se juntaria a ela nesta tarefa de passar valores para a criança.
Minta, por seu turno, odiava a criança e estava disposta a jogá-la no Tártaro. Com efeito, se ainda viesse a ter uma prole com Hades, porque apesar de estar no fundo do poço, rejeitada e frustrada, ainda nutria a esperança de acontecer uma reviravolta e assim ser alçada à posição de rainha do Hades. E neste cenário certamente o sucessor do deus não seria o filho que viesse a ter com Hades. Minta prometeu para si mesma “contribuir” com o desenvolvimento mental da criança.
Hades, das poucas vezes que estava e olhava para Trevas, um bebê simpático como qualquer outro até abrir os olhos totalmente negros e ameaçadores, sentia indiferença. Às vezes, todavia, caia sobre ele o pesado fardo da culpa. Nestes momentos em que a culpa apertava seu coração, sentia fortes conflitos morais, éticos e emocionais. Estava envergonhado. Não era para aquela criança estar ali. Odiava o fruto do caminho que trilhava. Teria a própria energia negativa que usava contra os inimigos se voltado contra ele? No entanto, já havia feito muito para voltar atrás. Trevas era uma realidade e cumpriria seu destino.
Hades se mancomunara com inúmeras criaturas e deuses que jamais pensou em se aliar – Hel, demônios asuras, Nyx, Gaia, Despina, Éris e outros. E aquela criança… como a cereja do bolo… Todavia mal nascera e matara diversas ninfas parteiras com o maldito choro. Sim. Aquela criança prometia ser muito poderosa. No futuro, provavelmente, seria um problema… talvez insolúvel. Temia que as coisas fugissem de seu controle. O que ele estava fazendo? E se… Eram riscos demais! Uma guerra fraterna?! Pensava em desistir de tudo, largar tudo, pensava até em pedir perdão a Zeus de joelhos, mas logo se via sozinho, sem o perfume e a imagem da doce Perséfone. Lembranças que guardava no mais profundo recanto do coração o empurravam novamente para frente. Nestas horas de solidão e carência, o rancor renascia ardente tal qual renascia a FÊNIX DE FOGO!!
Em que pese o atentado de Trevas durante o parto, Asclépio ficou responsável pelo desenvolvimento do físico e da saúde da criança e também pela tutoria da ovelha negra do Olimpo… ou do Hades? O filho da desavença deveria ter um crescimento rápido e arrebatador. Cresceria cinquenta anos em cinco. A herança da vingança deveria aprender a controlar seus poderes em pouco tempo, quaisquer que fossem eles. Trevas deveria ser competitivo e melhor do que os outros em todas as áreas e desde a mais tenra infância. Sempre vencer seria o lema que regeria a vida do garoto! Sim, este seria o propósito de vida. Jamais poderia ser o segundo em nada, nunca poderia perder. O vice campeonato, a derrota, ainda que houvesse esforço, nada poderiam representar para a criança. Asclépio dava e daria do bom e do melhor para que Trevas crescesse o mais rápido possível, desde hormônios até coquetéis de vitaminas de ambrósia, néctar e hidromel. Asclépio, na qualidade de tutor, seria o responsável pela educação do garoto para que a maturidade lhe viesse prematuramente. Assim, os vários deuses aliados do Imperador do submundo o ensinariam a lutar e a desenvolver os poderes inerentes a um deus, inclusive o próprio Hades.
Enquanto muitos planos se desenvolviam na mente de Hades para o filho, a prisão solitária de Tétis continuava. Não havia qualquer luz no final do túnel para a nereida. Não havia mudado nada. O que estavam planejando? Jogá-la no Tártaro? A moça fora obrigada a ter um filho e nem mesmo sabia como fora concebido. Só a ideia de ter sido estuprada enquanto estava sedada a horrorizava.
Não tinha nem o direito de ver Hades a violando para rogar-lhe pragas? O covarde não queria ver os olhos de fúria da vítima do estupro durante o ato sexual? Temia por maldições? Temia pela vingança futura? Sim, haveria vingança, pois Zeus estava em dívida com ela. Assim que ela saísse dali…
No restritito campo de visão que Tétis possuía, tudo indicava que Hades apenas queria um filho forte e poderoso com a nereida e isso ele já tinha, mas a vítima do sequestro, do cárcere privado, do estupro e de dezenas de outros crimes ainda estava enclausurada, sem o cumprimento da promessa de ser solta.
- Quando vou sair deste inferno? Vocês prometeram! – Indagava apavorada e esquálida Tétis dirigindo a palavra a Asclépio, o único ser que naqueles últimos meses a visitava regularmente. Hades e Tétis mal se viam. A nereida ficava praticamente o tempo todo no centro médico, presa e esquecida.
- Em breve querida, em breve. – E a vítima do raio de Zeus sorriu sutil. – Você é imortal. Um, dois, três, dez anos não são nada para senhora. – Piscou para a encarcerada.
Tétis engoliu em seco. Mesmo para um imortal, a falta de liberdade por alguns momentos, parecia uma eternidade. Só não correriam mais lágrimas pelos olhos, pois Tétis não as tinha mais. Ciente de que súplicas e protestos não surtiriam efeito, frágil e sem rumo, sem esperança, perguntou de voz embargada, mirando o nada e demonstrando um leve resquício de espírito maternal:
- E meu filho? Onde está?
- Trevas? Aquele que a senhora tentou matar duas vezes dias atrás?! – Gargalhou perverso Asclépio. – O garoto está bem. Ficará bem. Eu, Despina, Éris, as fúrias, Gaia e Hades cuidaremos dele. – Gargalhou mais alto e mais forte. – Terá uma boa formação – Finalizou sorrindo confiante.
12.12.09 –
Nas profundezas oceânicas, o reino de Poseidon, o deus dos cavalos e dos mares, recebeu uma estranha visita. Uma égua falante que se apresentou para a guarda marítima como serva de Hades. A notícia correu rápida e logo chegou aos ouvidos do dono daquelas terras, ou melhor, daqueles mares.
Poseidon, deus mulherengo dos cavalos, jamais proibiria uma égua, um equino, de entrar no reino que administrava, mesmo que a mando de um desafeto ou de um irmão que se distanciara. Além disso, dizia-se que a égua era muito bonita e possuía um olhar flamejante. Viam-se chamas e labaredas insinuosas nas retinas do bichano. Talvez fosse alguma entidade ligada ao fogo… Seria um presente de Hades?
A égua trouxe grande alegria ao reino marítimo durante a breve estadia. Nunca ninguém vira uma égua tão eloquente e robusta. Era uma égua alfa, uma verdadeira potranca! Havia muitas especulações sobre aquele estranho animal. Dizia-se que era a nova amante de Poseidon, o que deixava Anfitrite furiosa, embora tal fúria, decorrente do ciúme, não fosse tão autodestrutiva e maligna como a de Hera.
Inúmeras criaturas marinhas nadavam lado a lado com a égua, acompanhando, cortejando e a escoltando a visitante pelas vias submersas e imaginárias daquele reino marítimo até a morada de Poseidon. De fato, nas proximidades do palácio do deus havia muitas correntes marinhas, que serviam como espécies de rodovias. Havia muitas sereias, alguns telquines e outras criaturas marinhas que observavam o trânsito marinho e orientavam os inúmeros cardumes de peixes. Ajudavam as grandes baleias que ali faziam ponto a estacionarem. Os cetáceos funcionavam como imensos ônibus ou trens para espécies de crustáceos e outros animais que não podiam, em razão de limitações naturais, percorrer grandes distâncias.
Entretanto, a felicidade que a égua trouxe ao reino marinho durou pouco. Ela estava em uma missão: transmitir uma espécie de ultimato à Poseidon. Dentro do palácio, após ser recebida calorosamente e depois de ser comida com os olhos por Poseidon, ao tomar a palavra para cumprir o dever que Hades havia lhe atribuído, ela desagradou profundamente o soberano do mar.
- Boa tarde, vossa divindade dos mares Poseidon, o grande, magnífico, eloquente, onipotente e virtuoso guerreiro marinho, filho de Cronos e Reia e um dos três soberanos do universo. Represento o magnânimo Hades, o deus do submundo grego, irmão de Vossa divindade, e trago-lhe um convite, redigido e assinado pelo próprio Hades, para que, cordialmente e livre de pressões, se alie e integre o exército ctónico contra Zeus em uma eventual futura guerra fraterna entre o inferno e o céu. – Em um passe de mágica, retirou da boca o convite subscrito por Hades e uma cópia perfeita dele. O convite foi dado à Tritão, que estava de guarda no palácio. A cópia, cuja função era comprovar o protocolo e o devido cumprimento da ordem dada por Hades, foi assinada pelo filho do imperador dos mares e devolvida para a égua.
Poseidon ficou nervoso e irritado, como de hábito. Ficou mais irado ainda ao ler o teor do convite. Bateu o poderoso tridente no chão várias vezes, o que causou grandes terremotos e maremotos em regiões específica da Grécia Mística. O que Hades queria, caralho?! Porra! Não havia ficado combinado no passado, no dia do casamento com Tétis, que ele, o deus dos mares, não interferiria naquela guerra fraterna? Não tinha ficado claro?
Anfitrite se remexeu na cadeira. Estava emburrada e contrariada com a ousadia de Hades, embora também aliviada, pois não corria mais o risco de ser traída e trocada por aquele quadrúpede estúpido.
Anfitrite mostrava insatisfação em razão da intimação que Poseidon havia recebido. Queria ver o marido fora de qualquer briga entre os irmãos. Apesar de ter sido obrigada a casar com aquele animal e de ser chifrada reiteradamente, Anfitrite, ao longo das eras, passou se preocupar um pouco, mas bem pouquinho mesmo, e a admirar Poseidon. Ele era muito cabeçudo e impulsivo. A nereida conhecia bem Poseidon e sabia que ele era meio mole quando se tratava de seus irmãos, que não sabia dizer não e que também tinha uma quedinha por derramamento de sangue e por violência sem limites. Logo poderia entrar em um dos lados daquele eminente conflito apenas para saborear o cheiro de sangue e morte dos campos de batalha novamente. A esposa precisava pressioná-lo também, à maneira feminina, é claro: demonstraria o máximo de insatisfação que pudesse durante aquela visita indesejada.
Outrora, Anfitrite e Poseidon conversaram, na verdade brigaram por horas e dias, sobre o confronto divino entre os irmãos e a posição que o reino do mar deveria tomar. Anfitrite foi expressa ao mandar o marido ficar fora daquilo, principalmente quando Zeus viesse procurá-lo. Isso porque Poseidon sempre cedia aos pedidos do irmão iluminado (Anfitrite dizia que não se tratavam de pedidos, mas sim de comandos, o que deixava Poseidon extremamente irritado) e isso a incomodava muito, pois ele nunca cedia para ela, nem um centímetro. O vagabundo só ouvia o que os outros diziam. Queria que o marido mostrasse firmeza e pulso forte ao dizer não para os irmãos irresponsáveis. E ali estava a primeira oportunidade. A donzela pigarreou e se remexeu no trono ao lado de Poseidon demonstrando intenso e inequívoco desconforto. Deixou um cálice cair no chão. Ao ser observada pelo marido, lançou um olhar ameaçador para o coitado para relembrá-lo do que havia ficado combinado entre eles: imparcialidade.
Poseidon pressionado pelo rebuliço silencioso, mas ostensivo da nereida, disse:
- Manter-me-ei inerte, como já havia dito, porra! – E bateu o tridente no chão com tal violência que o castelo tremeu e as paredes racharam. Muitos dos que estavam no salão saíram de fininho. Grande tremor de terra mais uma vez sacudiu a Grécia Mística. Fosse na Terra, o terremoto causado pela irritação do deus dos mares teria matado milhões. – Diga para Hades que ao reino do mar não interessa com quem Perséfone ficará. E diga que se não quiser mais um inimigo, que pare de tentar me aliciar. – Esbravejou severo o deus dos mares.
O interessante sexual na égua havia passado completamente. Anfitrite, feliz, estava aliviada e confortada. Agora só faltava negar auxílio a Zeus, o que seria muito mais difícil, pois o olimpiano máximo era muito mais eloquente e político do que o frio e calculista Hades. Certamente a potência olímpica viria pedir auxílio em breve. Tritão providenciou um documento oficial declarando a imparcialidade do pai, inclusive com a remessa posterior de uma cópia para Zeus, o que demonstraria a imparcialidade de Poseidon e que Hades ainda estava se movendo. O filho da potência marítima acompanhou a égua para fora do palácio dourado. Ao sair da casa de Poseidon, a égua misteriosa, notou que os arredores do baluarte do deus dos mares já estavam vazios, havendo apenas a natural movimentação das carregadas, congestionadas e complicadas correntes marítimas que ali passavam. O trânsito no fundo do mar era intenso e pesado como em uma grande metrópole terráquea. Apesar de toda aquela multidão da cidade, a égua misteriosa sentiu-se sozinha em meio à multidão.
Aquela transformação, aquele disfarce de égua bonita e sexy havia falhado. Poseidon não havia cedido aos encantos da bela potranca e havia deixado claro que não queria se aliar a Hades.
O mensageiro de Hades já se dirigia para fora dos reinos do imperador do mar, quando percebeu que estava sendo observado e seguido por uma criatura: o hipocampo, o cavalo de tração do carro do deus dos mares. O bichinho estava na “seca” e correu para cima da égua. A égua a serviço de Hades foi penetrada violentamente por dias.
Dias depois, a égua, arrombada e manca, voltou ao palácio de Hades, o seu senhor.
- Poseidon não será nosso aliado. – Falou a égua que na verdade era um deus. O deus ao findar a breve fala terminava o processo de transformação, o que, entretanto, não afastou a dor que sentia no orifício anal. Deixava aquela forma animal para transmutar-se na forma normal humanoide. O deus lacaio de Hades, então, criou uma pequena bola de fogo nas mãos e dela retirou o documento oficial dado por Tritão. Em seguida, deixou o salão preocupado. Não com a querela do chefe, mas sim com a própria situação: estaria grávido novamente?
Ainda no salão…
- Então, o futuro de meu irmão também está selado. – Afirmou resoluto e triste o frio soberano do submundo. – Thanatos, chame Asclépio. Diga que o plano original irá continuar. – Hades caiu sentado na cadeira. Estava cansado, exausto mentalmente. Olhava Trevas brincando no salão principal. Apesar de contar com cinco meses de vida, ele parecia ter mais de dois anos, tal a evolução e crescimento que teve. Já falava cinco línguas e manifestava poderes incríveis até mesmo para um deus naquela idade. Possuía o dom de apodrecer o que tocava, similar ao efeito do toque do ambicioso Midas que transformava em ouro tudo o que tocava, porém Trevas sabia controlar tal poder de transformação, a destruição do que tocava dependia da vontade dirigida a este resultado. Outro poder que chamava a atenção de todos era que Trevas podia proliferar o ódio através de setas e flechas envenenadas tal como Eros disseminava o amor.
Despina e Éris, únicas divindades imunes ao ódio provocado de Trevas, entraram no salão e pegaram a criança. Levaram-na para treinamento. Trevas costumava atirar as setas contaminadas de ódio em almas penadas e em heróis caídos. Logo iria subir à Terra ou à Grécia Mística para praticar em outras espécies de criaturas.
Assim que ficou sozinho no grande salão, em meio às estatuas, vitrais, candelabros e todos móveis próprios de um lugar lúgubre, Hades chorou. Não pretendia dar um fim no irmão dos mares, mas o que precisava ser feito, seria feito. A consciência do deus do submundo estava limpa, havia dado chances ao irmão.
Fazia tudo em nome do amor. Perséfone era um ser incrível, magnífico e fascinante, e valia mais a pena do que qualquer irmão ou reino ou mesmo que o universo. Faria tudo para tê-la de volta. Obstinação.
CONTINUA SÓ DAQUI ALGUMAS SEMANAS =(

Feliz dia das mulheres
Esta é uma história ficcional e qualquer subsunção do texto à vida real é mera coinciência.
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Luz, o elfo belo, justo e sonhador, acabara de voltar do seu nobre trabalho.
O dever que lhe incumbia era indispensável para os desígnios de todos os seres vivos do “Mundo das fadas”: mover guerra contra os orcs invasores, brutais e violentos; poluídores das florestas e dos rios, devastadores das árvores milenares e comedores de indefesos animais silvestres e de fadas virginais.
Estafado depois de mais um longo dia de batalhas e de luta pelo belo e pela preservação ambiental, bem como das criaturas doces daquela terra, mas sem demonstrar qualquer sinal de arrependimento ou de dúvida pelo caminho que escolhera trilhar – lutar contras as forças do mal e contra a violência gratuita -, o virtuoso e belo elfo, que cumpria seu mister com dedicação ímpar e eficiência iniguálavel; o paladino da justiça, da sustentabilidade e do amor; a notável criatura cuja perfeição iluminava mesmo os olhos mais negros e obscuros, exceto os dos orcs, entrou em sua bela casa entalhada dentro de uma grande árvore morta – pois elfos preservavam as árvores que ainda viviam e jamais habitariam o tronco de uma ainda viva -, onde morava com outras centenas de elfos – obviamente cada um em seu núcleo habitacional, como se aquela imensa árvore fosse um imenso condomínio edilício (prédio com apartamentos). A ideia era ocupar o menor espaço possível para que as funções da natureza fossem preservadas ou pelo menos conservadas. De fato, os elfos e natureza precisavam viver em harmonia. Viviam em simbiose e mutualisticamente.
O herói cujas virtudes transbordavam pelos olhos bondosos e profundos dirigiu-se esperançoso para junto de uma pequena tigela de água e, por meio dela, entrou em contato com a namorada, uma bruxa má que morava a muitos quilômetros dali.
- Alô! – Disse a bruxa má, cuja face aparecia na superfície da água cercada de negras nuvens.
- Oi, meu amor. – O coração bondoso e luminoso do elfo se encheu de alegria e bateu mais forte. – Tudo bem? Já cheguei do trabalho. – Avisou delicadamente e feliz por ouvir a voz da amada.
- E como foi seu dia? – Perguntou curiosa a bruxa má, chamada Escuridão, para o alvíssimo elfo que brincava cândido com seus bichinhos domésticos de estimação aos quais destinava um amor infinito e um zelo sem igual, próprio de benfeitores e amantes da vida.
- Foi tudo o bem. Lutei bastante e obtive muitas vitórias para o lado do bem… Preciso te ver. Estou com saudade. – Sentiu um friozinho na barriga. Os elfos expressavam o que sentiam e nem por isso deixavam de ser másculos. Luz, ao expressar os sentimentos que o acometiam, buscava atender às exigências femininas.
- Eu também estou com saudade. – Respondeu automaticamente Escuridão.
- Paixão, minha razão de viver, onde a dama do meu coração está? – Questionou angustiado o apaixonado e carente Luz. Tinha certeza que ela estava próxima da árvore que lhe servia de residência, um local de fácil acesso, pois ficava bem no centro do Mundo das fadas. – Daqui duas horas preciso treinar novos recrutas e aprender novas artes da guerra e da diplomacia com os elfos anciões, bem como macetes da sabedoria. – Observou confiante Luz, convicto que aquelas atividades fariam um bem danado não só para ele, mas para todos os habitantes daquele mundo.
- Eu ainda estou em casa. – Escuridão morava na ilha de Lesbos, a milhares de quilômetros do mundo das fadas. Mesmo a vassoura voadora da bruxa má levaria quase uma hora para chegar ali.
- Mas recanto de amor imperscrutável, segundo havíamos combinado, tu a estas horas já deveria estar a dez minutos de vôo da minha casa. – Luz estava decepcionado. Mal tinha tempo para compartilhar com Escuridão e quando conseguia, ela se atrasava. Quem dera ele pudesse atrasar as incumbências que sobre os ombros élficos caíam… Ficaria sem a criatura que lhe roubara o coração por muito tempo ainda - cada minuto sem Escuridão, representava uma eternidade para o elfo apaixonado.
- Sim, eu sei. Mas eu preciso lavar os cabelos. – Declarou seca e insensível a bruxa má.
O elfo ficou confuso. “Cabelos?!”
- Não, não precisa lavar os cabelos! – Desesperou-se o angustiado e carente, mas positivo elfo, ansioso por ter a musa que conquistou seu coração nos braços.
- O quê?! – Escandalizou-se a manipuladora de magia negra.
- Venha rápido, pois tenho que sair em pouco tempo. – Implorou confiante o esperançoso Luz.
- Tá. – Afirmou ríspida e negativa a bruxa má. – Tchau!
- Tchau! – Sorriu aliviado a criatura élfica. Logo estaria envolto pelos braços da bruxa má.
Mais de oitenta minutos depois, quase na hora do elfo sair para cumprir o nobre destino que a consciência límpida e transparente havia lhe reservado, a bruxa má bateu na porta do elfo.
Luz, emocionado, pois ainda poderia ficar um pouquinho com a bruxa má que amava, correu atabalhoadamente em direção à porta e quando abriu…
- Oi. – Disse ela ríspida. Estava com os cabelos molhados. Escuridão deu um beijinho forçado na face do elfo frustrado. Empático, entretanto, Luz percebeu que algo não estava bem, mas, inocente e puro que era, desconhecia a causa da frieza da bruxa má.
A bruxa má andava vagarosamente pelo aposento, em silêncio, de um lado para o outro. O elfo ficou perplexo com a situação. Escuridão averiguava a casa como se nunca houvesse estado ali, embora frequentasse semanalmente aquela moradia. Ora olhava indiferente para a coleção de miniaturas do namorado, ora lançava olhares de desprezo e de raiva para a dulcíssima criatura élfica.
- Está tudo bem? – Perguntou o elfo premido pela agressividade da parceira, pela necessidade do tempo, pela carência e pelo amor destinado à bruxa má.
- Tudo. – Espumou raivosa a bruxa má.
- Eu fiz alguma coisa de errado? – Indagou o desgraçado elfo cujo sentimento de culpa acometia a honrosa alma do imortal.
- Elfo nenhum fala quando eu devo lavar os cabelos ou não. Macho nenhum manda em mim. – Explodiu ameaçadoramente a bruxa feminista.
- Mas…
- Nada de mas. Um macho mandando em mim? Jamais! Nós fêmeas sempre fomos excluídas, abusadas, impedidas de exercer todo nosso potencial, mas hoje as coisas são diferentes, eu não dependo de nenhum macho, pois sou moderna e independente. Lavo os cabelos quando quiser e não é você quem dirá quando eu devo fazer isso ou aquilo. Não preciso dar satisfação para ninguém.
“Do que ela está falando?” Perguntou-se perplexo e surpreso o elfo paladino.
- Não estamos mais nos tempos das cavernas. Nós, fêmeas, lutamos por direitos iguais há séculos e agora que conseguimos não vamos retroceder. Bruxas, fadas, mulheres, nós somos livres para fazer o que bem entender, sair com quiser e lavar os cabelos quando bem entendermos. Precisamos acabar com essa sociedade machista!
“Machista? Ela acha que eu sou machista?” 0.0
- Amor, você estava atrasada novamente e eu tenho hora marcada, por isso eu… – Tentou intervir Luz.
- Como eu já disse, não tenho que dar satisfação para nenhum machão, eu só preciso avisar quando estou atrasada e você deve esperar ou fazer outra coisa, não tenho culpa por seus compromissos. Aqui todo mundo atrasa! Para que ser pontual? Dá um jeito no serviço enquanto me espera, enrola, passeia, sei lá. Eu moro longe, sabe? Por isso sempre chego atrasada e está fora de cogitação sair mais cedo, entendeu? Eu nem sei porque estou dizendo tudo isso, atchim, desculpe-me.
- Estava ventando lá fora, o cabelo mol…
- Mais uma vez falando do meu cabelo?! Meu cabelo, minhas regras! Lavo quando bem entender. Sou bem crescidinha e esclarecida. Sei o que quero e o que é bom para mim. Decido quando é melhor fazer ou não fazer algo. Atchim!
“Só porque eu falei para não lavar o cabelo ela está dizendo tudo isso? Será que ela está de TPM ou é o instinto de autoproteção inerente ao sexo feminino e o de insatisfação perene das fêmeas falando mais alto que a razão e o bom senso?”
- Não preciso de um elfo, de um macho, para dizer o que tenho que fazer. Não tolero influências ou comentários. Eu só lavei o cabelo para ficar bonita para você.
- É que hoje tenho horário… - Buscava Luz ser racional e descomplicado, além, é claro, de tentar acabar com toda aquela discussão impertinente e desagradável. Ainda pretendia passar alguns bons momentos com a bruxa má verborrágica antes de cumprir com os deveres de cidadão e de guardião do Mundo das fadas.
- Você não dá a mínima para mim, né? Só pensa nos seus horários! Eu me esforço, venho até aqui, fico bonita para você e não recebo um elogio. Também puderas, tive que sair correndo por sua causa, que não sabe esperar. Por isso o cabelo não está lá essas coisas. Mas você nem liga, só pensa em peito e bunda mesmo.
“Eu gosto dos cabelos também, mas os peitos e a bunda são insuperáveis. O resto é supérfluo e indiferente para a ótica masculina.” – Pensou sincero o elfo do coração bondoso.
- O cabelo está bonito. - Tentou ser agradável o indefeso e encurralado elfo.
- Nem sei porque te dou atenção, você não me merece. Eu sou uma bruxa má independente, moderna e sofisticada e você um machista tosco que acha que pode interferir na minha vida e dizer o que tenho que fazer. Saiba que não vou aceitar isso, saiba que não vou ser submissa. – Parou, tomou fôlego e continuou. – Vou sair nas ruas e convocar todas as mulheres a lutarem contra a opressão, contra os padrões de beleza, contra a inferiorização do trabalho da mulher…
(meia hora depois)
… e contra as piadinhas machistas sobre as mulheres. Lembre-se que não somos objetos! Vamos sair às ruas…
“Será que ela vai mostrar os peitos na rua? Será que vai queimar sutiãs? Será que vai bater panela?” Perguntava-se constrangido o pobre elfo sem saber como se defender daquele conjunto de presunções, jargões, clichês, argumentos irracionais e lugares comuns. Naquele momento já não entendia o que a bruxa má vitimizada dizia.
- Sabe o que vou fazer? – Ameaçou Escuridão. – Vou te transformar em um porco, porque todo macho não passa de um porco! Circe já sabia disso há milênios atrás.– Berrou a bruxa má que partia do pressuposto que todo macho era machista.
A bruxa má invocou vários encantamentos e magias negras e antes que pudesse lançar o feitiço…
- Eu só queria ficar o máximo de tempo possível com meu amor. – Afirmou o sincero, romântico e tristonho elfo, vítima da fúria implacável do feminismo que vê maldade em tudo e que contaminava os pensamentos de Escuridão.
Envergonhada, Escuridão, que nunca perdoava ou esquecia antigas mágoas, pediu penitência e o distinto, clemente e bondoso Luz a concedeu.

Zeus, Atena, Hades, Nyx, Ares, Perséfone – 24.08.05 – A nova teogonia – 26ª parte
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15.09.10
Dez meses depois desses eventos (visita da égua aos domínios de Poseidon) e de relativa paz, foi anunciado oficialmente e repentinamente o nascimento do segundo filho de Hades: Fúria.
Tal notícia sacudiu as autoridades do Olimpo, pois as pegou de surpresa. Com efeito, elas nem mesmo estavam prevenidas por rumores, como era comum naquela sociedade helênica fofoqueira em que as notícias corriam mais rápidas do que as sapatilhas de Hermes ou do que a cavalgada de Sleipnir, o cavalo de oito patas de Odin. A gestação do segundo filho de Hades foi um segredo muito bem guardado pelo ctônicos.
Entre as várias questões suscitadas pelo acontecimento anunciado, algumas eram de pouca monta outras, entretanto, de macro evergadura. Muitos pensaram e argumentavam, por exemplo, que o nome do novo filho de Hades seria uma referência a Odin, cujo nome também significava fúria, e justificavam tal alcunha como uma tentativa de Hades de se aproximar de Odin em plena guerra fria ou quando estourasse a guerra quente. Todavia, para muitos e, principalmente, para Atena, tudo isso não passava de especulação barata. Atena conhecia o caráter de Odin: ele cumpria a palavra. Para o deus nórdico, a honra estava acima de qualquer coisa ou valor. Odin jamais tomaria partido de Hades, e se tomasse, cientificaria Zeus com antecedência, pois era ético.
Com relação à nova criança, não foi feita uma grande festa para o nascimento ou para o anúncio de seu nascimento, nem um grande teatro, como o foi quando Trevas veio à luz. Apenas uma nota oficial da Giudecca foi emitida. Muitos, assim, não se importaram, pois achavam que era um fato comum da vida de um deus ter filhos, todavia em alguns corações, especificamente no de Zeus e Atena, houve muito medo, pavor e apreensão.
A profecia estava se concretizando? Aqueles filhos de Hades seriam os homens que estavam na profecia do Oráculo de Delfos? Ambos achavam que sim, mas não tinham certeza, nem qualquer indício sério que provasse essa conjectura que os atemorizava. Zeus e Atena logo após o anúncio tomaram medidas para fortalecer ainda mais os exércitos e defesas do Olimpo ou para pelo menos mantê-los em grau máximo de atenção – o que gerou certo desconforto para generais da estirpe de Quíron, que já não sabia mais como manter os exércitos em protidão e prontos para a guerra por tanto tempo.
Zeus, impetuoso, mesmo assim queria agir. Atena, por outro lado, procurava ser prudente e era quem impedia as ações de Zeus por meio dos argumentos suso apresentados. Segundo ela, aqueles dois homens da profecia bem poderiam ser um deus hindu e um egípcio, como Indra e Hórus, por exemplo. Vai saber?
Com efeito, os exércitos dos panteões hindu e egípcio estavam se movendo e fortalecendo-se também. E tal movimento e fortalecimento não era de agora. Àquela altura, Agni, o deus de fogo e mensageiro, já havia intimado cento e noventa milhões de deuses hindus para comparecerem aos portões do palácio Swarga, onde se encontrava e tinha residência Indra, o rei dos deuses da Índia. Os deuses convocados por Agni que já haviam se apresentado perante Indra partiam imediatamente para o treinamento militar, conforme os sátiros, espiões de Zeus, haviam relatado. Faltavam apenas cento e quarenta milhões de deuses esquisitos para o deus mensageiro hindu, Agni, cumprir a ordem dada pelo chefe. Da mesma forma que a falange hindu se formava, os egipcíos arregimentavam deuses de panteões menores e marginalizados, treinando-os e ensinando vários segredos de exclusividade da cultura dos Faraós, prometendo-lhes respeito, veneração e, evidentemente, cargos políticos na nova ordem mundial que planejavam.
Além disso, Zeus e principalmente Atena, lembravam que Osíris, esposo de Ísis e pai de Hórus, bem poderia libertar os titãs, pois também era um deus do submundo e avesso à pax olímpica. Essa recordação era um forte argumento a favor da cautela, pois aqueles homens da profecia bem poderiam ser Osíris e Hórus também.
Em suma, Zeus e Atena não tinham certeza de nada ou de quem era a verdadeira ameaça (poderia ser a ameaça vinda do Hades, de Hórus, da Trimúrti ou simplesmente ser um erro do Oráculo de Delfos) e como ambos precisavam de argumentos para se convecerem (Atena em maior quantidade, não ficando a deusa satisfeita com meros indícios e presunções) e convencerem um ao outro, para motivar o exército grego, bem como para não romper com o equílibrio que favorecia aos gregos, preferiram ser prudentes e continuar espionando todos os blocos militares em formação. Enfim, apesar da cautela e das medidas preventivas reforçadas por aquele nascimento funesto e inesperado, como Atena insistia em dizer, não era uma certeza de que aqueles filhos do ódio fossem os mesmos da profecia.
De qualquer forma, apesar das dúvidas e dos medos, o alerta vermelho continuou ligado no Olimpo.
Em que pese se convercer que agir de forma cautelosa era a melhor vereda, essa guerra silenciosa incomodava muito Zeus. Ele, como líder divino, preferia algo mais claro, pulsante e aberto, ou seja, preferia sair na porrada e resolver tudo de uma vez por todas. Não gostava de intrigas palacianas ou de coisas feitas por baixo dos panos.
Como flutuava em incertezas, como o levante de outros panteões preocupava tanto quanto o de Hades, e porque depois da corrida armamentista, da maciça espionagem e da guerra fria que se travou entre ctônicos e olímpicos, com algumas batalhas pontuais, naqueles últimos meses, desde que Hermes passou a vistoriar os portões do Tártaro até o nascimento do segundo filho de Poseidon, houve um arrefecimento das medidas beligerantes entre Zeus e Hades, o que permitiu que o senhor dos raios voltasse as atenções para os egípcios e para os hindus. Tal fato militava a favor das palavras de Atena que não queria que houvesse uma guerra desnecessária dentro da Grécia mística. Acreditava que ao longo dos anos, as posições de cada um dos dois líderes em conflito se consolidariam e não haveria mais perigo de uma grande contenda militar grega autofágica.
Tudo bem que Hades ainda mobilizava e promovia treinamentos militares frequentemente. Ele possuía no território que governava milhões de demônios asuras, liderados por Ravana II, espíritos, bem como guerreiros mortos sujeitos à autoridade de Hel, a deusa do inferno nórdico. Mas as ações de Hades possuíam caráter defensivo, ou pelo menos pareciam ter esta dignidade. Segundo alguns rumores que se criaram há poucos meses, Hades havia angariado mais um super aliado, mas ninguém sabia exatamente quem ou o que era, ou se não passavam de boatos, pois ninguém conseguia imaginar quem seria tal super aliado. E tudo bem que a proposta de aliança feita pela égua de Hades a Poseidon havia irritado Zeus alguns meses atrás, mas nada que impelisse as partes a contenda e que indicasse um cenário de acomodação.
Enfim, o oponente de Zeus não havia tomado nenhuma medida belicosa ou que afrontasse diretamente o irmão iluminado. Eram apenas, como já dito, medidas preventivas e de defesa. Ademais, Hermes, apesar de sempre estar acompanhado das fúrias, tinha livre acesso ao Tártaro. Segundo os relatos do deus mensageiro, não havia nada de errado na prisão dos titãs. Hermes, outrossim, mantinha relações amistosas com membros da elite do Hades. Neste sentido de apazigumamento, os mais otimistas previam que nesse passo, em quatrocentos ou quinhentos anos, Hades e Zeus se aproximariam novamente.
Naquele momento havia cinco grandes blocos militares bem delineados e praticamente prontos para a guerra: o de Zeus, o de Hades, o hindu, o liderado pelos egípcios e o exército nórdico, este apenas de prontidão, alheio ao clima de guerra fria que unia os quatro primeiros.
Mas como dito alhures, o nascimento de Fúria, quebrou esse cenário de acomodação. Toda angústia e preocupação sobre a possibilidade de perda do trono e despertar dos titãs tornou a tomar conta dos dois, Zeus e Atena. E a partir daí divergências ameaçavam e ameaçariam surgir entre pai e filha. Zeus, em seu íntimo, pensou seriamente em fazer um ataque fulminante e preventivo logo após o anúncio formal e sem precendentes da existência daquela segunda criança. Argumentava que Tétis estava em cárcere privado, que tinha uma dívida de gratidão eterna com a nereida e que deveria salvá-la, todavia o argumento não colou para Atena (desde quando Zeus pensava nos outros?), naquele momento única aliada do tipo “pau para toda obra” do soberano do Olimpo. Só não atacava o irmão rebelde, pois precisaria muito da filha, tendo em vista que dentro do próprio Olimpo, cobras venenosas (Hera e Apolo) ameaçavam o seu poder. Zeus pretendia, em seu íntimo, jogar ambos recém nascidos no Tártaro ou em outra prisão, todavia sabia que Atena jamais toleraria atacar crianças indefesas sem prova robusta e inequívoca de que elas fariam mal para a Hélade em um futuro próximo.
Com efeito, a deusa contemporizava, não porque tinha medo, mas porque se preocupava com a ética. Colocar crianças no ostracismo? Absurdo! Sem que tenham feito nada? Mais absurdo ainda! São vulneráveis. Zeus precisava agir, mas não poderia perder a simpátia da filha… O dilema estava posto. Como desencadear os eventos que poriam um fim nessa situação nebulosa que tanto lhe desagradava sem desagradar Atena, a filha predileta?
20.09.10
Como uma espécie de retaliação a Hades (pelo anúncio do segundo filho, o que no seu subconsciente relacionava à profecia) e como não queria contrariar as sábias palavras da deusa da sabedoria, que exigia respeito à vida infantil e maiores elementos de convicção para se tomar uma atitude gravosa, Zeus determinou que fosse realizado imediatemente o casamento entre Ares e Perséfone, casamento há muito maquinado por Deméter e Hera, mas que até agora, seja pela repulsa de Perséfone, seja pela desídia de Ares, seja pelo desinteresse de Zeus, foi protelado.
Talvez tal casório fosse o estopim da tão aguardada guerra ou o ato que, de alguma forma, revelasse as reais intenções do deus sombrio. Zeus conhecia o temperamento de Hades. Sabia do ciúme doentio e da necessidade fora do comum que tinha da doce Perséfone. Dá-la ao deus mais crápula do Olimpo venho bem a calhar. Sábias Hera e Deméter que propuseram e articularam tal casamento. De fato, a esposa de Zeus e a mãe da primavera sabiam como apunhalar o coração de um deus por meio dessas tramas femininas.
Hermes, a mando do pai, correu em direção ao palácio do irmão Ares. A residência do deus da guerra mais parecia um amplo museu da guerra. Havia inúmeras armas de todas as eras e mundos, inclusive artefatos nucleares (Hefesto, por ordem de Zeus, os desativou, por cautela. Vai saber, né? De Ares sempre se deve esperar o pior). Figuras, bustos, quadros e estatuas de grandes comandantes militares que se destacaram em guerra e de líderes que provocaram grandes guerras sanguinolentas preenchiam os corredores daquele baluarte (exemplificando, Gengis Khan, Ravana, Napoleão, Hitler, Átila, Alexandre, o grande, César, Bismarck, Nelson entre outros).
Muitas armadilhas existiam por ali também, mas como Hermes era um deus e o mais inteligente deles, nada o surpreendeu. O deus mensageiro também notou manchas de sangue espalhadas pelos arredores aleatoriamente. Muitas delas eram recentes, algumas inclusive estavam frescas.
Depois de alguma andança e de apreciar os mapas de guerra estampadas nas paredes do palácio (o que para Hermes significou uma espécie de recalque de Ares que não era um deus estrategista, embroa sempre sonhou em ser, como Atena era), o mensageiro de Zeus, chegou ao salão central da moradia e lá deu a grande notícia ao meio-irmão:
- Irmão, por ordem de Zeus, você e Perséfone irão se casar em três dias. Prepare-se. – Disse objetivamente. Hermes, assim como todos os outros deuses do panteão grego, exceto Afrodite, tinha certo desprezo e ressalvas para com o amaldiçoado Ares, vulgo escrotão.
- Nosso casamento ocorrerá em três dias?! – Perguntou estupefato o deus da guerra. Naquele momento, Ares estava dentro da piscina termal, ao lado de uma bela moça nua, agraciada por um belo e generoso par de seios, e acompanhado por centenas de musas, ninfas, mulheres e homens que se espalhavam pela imenso banho coletivo. Todos estavam nus. Alguns em plena orgia (Calígula sentiria inveja do deus grego). Passado o espanto e já indiferente à notícia, Ares peidou e gigantescas bolhas de ar emergiram da água. Um mal cheiro infestou todo o ambiente.
- Velho maldito! – Comentou pensando no pai.
Existiam ao lado da gigantesca piscina, inúmeros tablados e arenas de combate onde diariamente homens, centauros, sátiros, hárpias, ciclops, górgonas, queres capturadas e outras criaturas lutavam até a morte para deleite do deus e de seus escravos sexuais. Zeus e outros deuses frequentavam, na surdina, a casa de Ares para ver esses banhos de sangue e fazer apostas (como se fossem rinhas de galo ou como se estivessem na antiguidade, mais exatamente no Império Romano, onde era comum existir combates até a morte, lutas entre gladiadores e as consequentes apostas), bem como para praticarem sexo ilimitadamente.
- Sim. Hera já está preparando a festa e quer que você esteja apresentável para a cerimônia. – Hermes jogou uma trouxa de roupas vermelhas na margem da piscina. – Disse que não quer que vá banhado de sangue ou que tenha maus modos perante os convidados. - Hermes tentou ser educado, pois as palavras de Hera foram exatamente estas: “Diga para aquele imbecil se preparar para o casamento e para se comportar como um deus, não como um animal estúpido e imundo. Entregue essas roupas para o retardado.”.
- Puta! – Gargalhou o deus da guerra. – Velha do caralho! Sempre dando ordens. – A moça que estava ao lado do deus da guerra, apesar de desgostosa com a notícia do casamento do senhor, acompanhou a gargalhada da divindade. Ares a matou. Cortou-lhe a garganta com uma adaga que retirou de dentro da água. Logo aquele trecho de água ficou tingido de sangue. Hermes foi o único a ficar surpreso com a atitude de Ares. É sempre triste quando uma gostosa morre… Entretanto, as outras centenas de escravos não se incomodaram nenhum um pouco com o assassinato a sangue frio. Estavam todos acostumados com aquilo. Os próprios escravos costumavam se matar ou se mutilar quando havia desavença. Ninguém era punido pelo senhor da casa.
- É para aprender a não rir da minha mãe. – Explicou-se Ares indiferente.
Hermes se foi enojado, mas antes de sair completamente do palácio viu um grupo de mulheres nuas, bonitas e furiosas perseguir, escurralar e esfaquear um homem igualmente nu. Hermes perplexo, por um miléssimo de segundo, pensou em salvar aquele condenado, mas estava na casa de Ares e ali o deus da guerra era soberano. Estarrecido, Hermes viu as mulheres cortarem o pênis da vítima após dezenas de facadas enquanto o amaldiçoavam, chamando a vítima de “brocha maldito”. Na casa de Ares, o macho era proibido de falhar. Caso brochasse, as mulheres que se sentissem ofendidas poderiam matá-lo.
Logo depois da retirada do deus dos ladrões daquele hospício, em frente à Ares emergiu a criatura que portava o título de a mais bela do universo: Afrodite.
- Perséfone será nossa? – Perguntou animada e sensual a deusa pervertida para aquele que só cumprimentava as mulheres, porque tinham boceta.
- Sim, Zeus quer que eu case logo com aquela vagabunda. Deve estar querendo provocar o viadinho do Hades. – Ambos garganharam. – Vou colocar tanto chifre naquele velho brocha das trevas que nada poderá purificar Perséfone, nem mesmo as águas do Estige.
- Podemos gravar um vídeo e mandar para ele… – Sugeriu pervesa a deusa da beleza. Afrodite nada tinha contra Hades, mas possuía uma fértil imaginação.
- Sim. Vou estuprar e socar aquela fresca. Ela pagará por ser tão esnobe e casta. – De fato, Perséfone sempre se manteve afastada de Ares e de deuses de caráter duvidoso. Dito isso, Ares contraiu o bíceps confiante. Orgulhava-se do corpo definido e sarado que tinha e do fato de mandar bem na cama.
- Deixe um pouquinho para mim também, querido. Eu gosto dela. – Comentou Afrodite passando a mão por todo o toráx e pelo abdômen molhado e ensaguentado do deus. Afrodite submergiu e fez um boquete aquático no amante. A deusa do amor, desde a época em que disputava contra Perséfone o amor do belíssimo Adônis, de quem Ares sentia muito ciúme, desejava enamorar-se de Perséfone. Para que brigar? Era o que a diva se perguntava na época em que Adônis ainda vivia entre os “vivos”, mesmo depois de morto por um javali capanga de Ares em uma caçada (hoje Adônis vivia entre os mortos, como uma alma sem consciência nos Campo de Asfodelos. Hades e Zeus o proibiram de viver entre os deuses para sempre). Elas bem podiam compartilhá-lo simultaneamente ao invés de ter que dividir (solução dada por Zeus) o tempo do rapaz em três períodos, sendo que em um período ele deveria ficar com Perséfone (e correr o risco de ser morto por Hades) em outro período ele deveria ficar com Afrodite (e não correria perigo nenhum, pois o corno manso do Hefesto não era capaz de matar ninguém) e no período que sobejava poderia descansar. Felizmente para Afrodite e infelizmente para a ex-rainha do submundo, o garotão escolhia ficar durante o tempo livre com Afrodite. Tadinha da Perséfone? Será que é por isso que até hoje ela se mantinha reservada e distante? Tolinha. Afrodite pretendia mostrar o que Perséfone havia perdido nestes últimos milênios.
O anúncio do casamento de Ares e Perséfone chegou ao Hades. Agora não eram mais conjecturas e rumores que tanto tiraram o sono do deus sombrio nos últimos meses. Era uma publicação formal. Editais foram colocados por toda a Grécia mística por Íris, Aurora e Eos para que todos tomassem ciência do grande evento.
- MALDITO ZEUS!!!! – Todos os vitrais do castelo de Hades explodiram. – VAMOS À GUERRA! – Bradou cego de ciúme. Thanatos e Hypnos corriam de um lado ao outro dando ordens para os subalternos e para as três fúrias. Mobilizar o imenso exército de uma hora para outra, desrespeitando todo o planejamento, seria um verdadeiro desastre militar, pensavam os subalternos do deus do submundo.
- Mobilizem os exércitos. Convoquem os demônios asuras, Ravana II e a massa de queres. – A energia negativa absoluta, tomou todo o palácio, depois todo o reino e já transcendia as próprias fronteiras do submundo. – Tragam Hel para cá, imediatamente! Despina e Éris devem comparecer imediatamente! Convoquem os juízes. Invoquem a serp…
Neste momento, Nyx entrou assoberbada no quartel general de Hades.
- O que está acontecendo aqui Hades?! – Perguntou Nyx peremptória embora confusa e surpresa. Gaia apareceu logo atrás dela.
- Zeus me provocou. – Disse quase inaudível como o sibilar de uma serpente, todavia olhando diretamente para os olhos da interlocutora. Poucas vezes Nyx havia se sentido intimidada. – Zeus deve morrer! Maldito seja! – Hades babava de ódio.
- Mas o que ele fez? Ele nos atacou? Por quê? – Perguntou Nyx intrigada.
- Ele declarou guerra! – Dito isso Hades colocou a Hadeia, o capacete da invisibilidade, e desembainhou a espada que queimava em negras chamas. Uma aura negra como o universo e violenta como o núcleo de uma estrela envolveu o deus. Olhos asssassinos.
Hypnos, que perambulava apressado pelo meio do salão, em um momento de rara coragem, explicou objetivamente para a mãe:
- Zeus ordenou o casamento entre Perséfone e Ares. – Afirmou quase inaudível. Voltou a andar de um lado de outro, em silêncio, fingindo estar cumprindo as ordens de Hades, pois não queria sair dali sem saber o que aconteceria.
Nyx entendeu rapidamente a crise emocional de Hades. Ficou indignada. Colocou as mãos na cintura, estufou o peito e arrematou cansada:
- Deuses! São todos iguais. Só mudam de endereço.
Hades olhava o horizonte obstinado. Pelos olhos de azeviche da divindade, desenhavam-se as cenas vindouras do conflito. Imaginava-se cortando, não, melhor que isso, imaginava-se arrancando a cabeça do líder rival e resgatando a bela que lhe fora roubada.
- HADES! – Berrou a deusa primordial. Nyx correu em direção a Hades que já se preparava para alçar voo. – Espere! - Determinou impaciente. Parou na frente do deus e deu-lhe um forte tapa no rosto. – Você vai jogar anos de planejamento no lixo?! Estamos quase prontos criatura!
Por um segundo, Hades fez menção de atacá-la, fazendo com ela o que imaginava fazer com Zeus. Fosse uma criatura menos poderosa ou imponente, a teria matado, mas quem estava diante dele era Nyx, filha direta do Caos, que contava com infinitos anos; extremamente poderosa e divina. Todos a respeitavam muito. Ainda assim, Hades berrou:
- NINGUÉM VAI TOCAR EM PERSÉFONE! – Hades mais cospia do que gritava. – Ela é minha!
Nyx, paciente, limpou a baba da bela fronte e do alvo colo, muito bem decotado, diga-se de passagem.
- Deuses… tão explosivos, imaturos e previsíveis. – Comentou resignada. – Quando resgatarmos a moça, iremos purificá-la no rio Estige… idiota. – Disse Nyx serena, embora firme, acariciando a face de Hades. Apesar das críticas que havia feito ao comportamento inconsequente do amigo, Nyx admirava a obstinação quase cega de Hades. Era raro um deus amar tanto uma deusa, ainda mais de forma exclusiva, leia-se fielmente. O que Perséfone tinha de especial? O que o relacionamente de ambos tinha de especial para desencadear todo aquele apanhado caótico de emoções e sentimentos que logo desencadeariam em uma guerra de proporções nunca antes vistas, nem mesmo na Titanomaquia ou no que se previa para o Ragnarok? Muitos se perguntavam isso, muitos debates eram lançados sobre este tema, mas nada podia ser identificado. O casal era muito reservado. Muitos acreditavam que Perséfone era muito boa de cama ou que Hades havia criado uma dependência afetiva muito grande dela.
- Lavou, tá novo. – Murmurou Hypnos para si mesmo enquanto pensava sobre a pureza de Perséfone e enquanto emanava um pouco de seu poder para tentar acalmar Hades. Hypnos era capaz de colocar para dormir qualquer criatura ou, pelo menos, acalmá-la, como naquele caso. O deus servo de Hades aliviou-se ao perceber que a mãe já tinha tudo sobre controle.
- Isso é uma provocação de Zeus! – Hades lutava contra si próprio e contra a magnífica imponência de Nyx para se controlar. – Eu não levo desaforo para casa! – Bradava resoluto e ameaçador o deus desterrado. – O maldito me acertou com um raio, baniu-me do Olimpo e ainda roubou minha esposa. – Tentava-se convecer dos próprios motivos. – Ele vai pagar por isso! – Os olhos marejados estavam avermelhados, a respiração abrasada, o peito pesado, o suor corria pelos poros do deus.
- Você também casou. – Observou sutil e magnânima Nyx. Embora fossem meras palavras, tal afirmação teve o mesmo efeito devastador de uma flecha que, uma vez lançada, não pode ser parada, causando efeitos letais e irreversíveis quando atinge a vítima.
Hades ficou em silêncio, o conflito agora era interno. Lutava contra a testosterona. Nyx tinha razão! Faltava pouco para o plano se consumar e ser iniciada “a soma de todos os medos”. Mais alguns meses… Fúria havia nascido e Trevas era uma potência em ascensão, apesar de contar com pouco mais de dois anos. Os deuses cresciam muito rápido… Em poucos anos ambos atingiriam a fase adulta e nela se estabilizariam. E o próximo passo seria a cereja do bolo.
De mais a mais, sim, Hades havia casado, não porque queria, mas porque precisava. Infelizmente Perséfone não sabia disso. Certamente Perséfone estava se casando, porque fora obrigada a tanto ou então para se vingar do ex-esposo que em curto espaço de tempo casou-se novamente com uma mera nereida. Mas não, ela não se vingaria. A donzela tinha caráter – apesar de ser filha de Zeus e Deméter -, ela jamais se casaria de livre e espontânea vontade com Ares, o deus mais desprezível, machista e violento que existia, mesmo que fosse para se vingar… ao contrário de Hades que levaria à morte milhões de criaturas apenas por vingança… ou por amor.
- Hypnos! Thanatos! Filhos queridos, desmobilizem as tropas. Imediatamente! Enquanto Hades não se acalmar, eu cuidarei de tudo por aqui. – Determinou Nyx firme e austera. – Ainda não será hoje que o prepotente cairá.
- Sim mamãe. – Respondeu Hypnos feliz.
- Precisamos esconder nossas forças de ataque e nossas armas secretas. Zeus só pode ver e ter ciência de nossas forças regulares e defensivas, lembra? – Indagou a deusa primordial e da noite, mirando os olhos perdidos de Hades.
E logo o alarme cessou. Todos saíram do recinto, inclusive Minta. A ninfa do Cócito, quando não se preocupava em manter a boa aparência (fazia cinco horas diárias de academia, pilates, acupuntura, frequentava o nutricionista três vezes por semana, possuía um cabelereiro gay particular disponível vinte quatro horas por dia, fazia brozeamento artificial entre outros excessos), rondava, observava e ocupava os cantos do palácio em busca de alguma informação ou pista que lhe favorecesse e que de alguma forma pudesse dar ensejo à vingança que tanto desejava contra tudo e contra todos, a menos que fosse alçada a condição de rainha e que sua prole eventual fosse a legitimada para herdar aquele reino ou mesmo o Olimpo. Nestes termos, perdoaria Hades e não se vingaria, é claro. Quando munida de todos os segredos do Hades, estaria disposta a negociar. Sonhava ver Hades aos seus pés, pedindo-lhes desculpas, humilhando-se e arrependido por todas as atrocidades que havia imposto a ela.
Enfim, Minta sabia da existência de um plano, e que este estava sendo concretizado aos poucos. Sabia que aquelas crianças de alguma forma faziam parte dos desígnios escusos de Hades. Na verdade, Minta sabia que Trevas e Fúria eram a essência de todo planejamento rasteiro de Hades, mas não sabia o que elas tinham de especial ou para que direção corria o intento? De qualquer forma, aquela última fala de Nyx era importante. Hades e Nyx estavam escondendo algo, mas o quê? Se a piroca do Asclépio funcionasse ela já saberia, indignou-se.
Hades ficou sozinho. Resignado. Lamentou como jamais havia lamentado antes. Ares? O escrotão? O fraco? Aquele que havia perdido inúmeras guerras para Atena e para outros deuses? Aquele que não era nem um pouco estrategista? Aquele que não tinha valores bons e justos? Aquele que tomou um pau dos gigantes Aloídas (Oto e Efialtes)? Não havia ninguém pior?!
Hades ficou horas imaginando Ares penetrando a amada Perséfone. Só o pensamento de que o corpo perfeito da bela donzela em breve estaria nas mãos do escrotão sujo de sangue lhe trazia repugnância e lhe causava dor no coração. Ele não merecia aqueles seios rosados, firmes, empinados e cheirosos. Não merecia os mamilos durinhos e de circunferência perfeita (a proporção numérica que tinha origem na relação entre o perímetro do mamilo e de seu diâmetro era exatamente o nº ). As coxas da donzela lisas, bem torneadas e quentes não poderiam ser tocadas por aquelas mãos assassinas. O sexo cheiroso, molhado e irrecusável sendo devastado por um falo maldito e sujo. Hades vomitou. Nos seus devaneios e alucinações depressivas via o rosto de Ares sorrindo para ele, de forma desafiadora, esnobando o deus traído, enquanto deflorava violentamente Perséfone. Maldito!
O peito ficava pesado e a respiração difícil. Estava cheio de ódio e ressentimento, como se quisesse explodir em negras chamas. Vislumbrava também um menage entre Afrodite, Ares e Perséfone. Sem vergonhice! Sentia nojo só de pensar nisso, apesar de admirar o “talento” de Afrodite, e pena daquela que ainda considerava esposa, se não formalmente, pelo menos materialmente. Jurou novamente que Perséfone seria sua e que castraria Ares e acabaria com Zeus por tal ultraje e provocação. Zeus dessa vez havia se superado. Conseguiu humilhar o deus do submundo de todas as formas possíveis e imagináveis. Anos de sofrimento… A única esperança do deus renegado era que aquilo estava para acabar. Logo seria dada etapa à última etapa do plano e o Olimpo cairia.
Apenas três dias depois do anúncio, o casório foi celebrado entre Ares e Perséfone. O casamento foi televisionado ao vivo para toda a Grécia mística, pois Zeus queria ter certeza que Hades veria em tempo real sua amada ser tomada pelos braços de Ares.
Hera estava radiante com o casamento do filho. Pela primeira vez em anos algo estava dando certo. Desde os acontecimentos que ocorreram durante a visita de Freya e Flidais, ela jamais se recuperou da frustração e decepção, nem do ódio que sentia pelo marido. Puff, o pavão depenado, também nunca mais foi o mesmo. Ficou arredio desde então. Fugia apavorado de Zeus, que ria conformado do comportamento do animal. O pavão de Hera não namorava, nem desfilava mais. Virou um covarde.
Hera planejava friamente uma vingança contra Zeus e uma etapa dela consistia justamente no casamento entre Ares e Perséfone e a provocação gratuita a Hades. Visava agradar o filho rebelde com a bela dama da primavera retirada do submundo, embora soubesse que agradar e ter a absoluta lealdade do deus da guerra era impossível. Mas isso estava no pacote. Até porque, em seu íntimo Hera sabia que caso Ares visse Zeus fraco, certamente o trairia e o deporia sem qualquer remorso e depois para tirar o filho idiota do poder ou manipulá-lo seria fácil. Precisava se arriscar, embora não seria estúpida o suficiente para deixar algo depender exclusivamente daquele imbecil traíra.
Na porta do palácio de Zeus, onde ocorreria a grandiosa cerimônia de casamento, Hera aguardava Ares para consumar o ato nupcial. Ela entraria com o filho no palácio e seguiria junto dele até o altar onde já estava Zeus, emburrado e irritado com a demora – estava perdendo um jogão de rúgbi. Ares, propositalmente atrasado, surgiu repentinamente. Voou escandalosamente até o local arrastando com ele inúmeras correntes de ar destrutivas e barulhentas. O pouso arrebatador derrubou muitos curiosos e figurantes que estavam por ali. Destruiu várias decorações que Hera havia elaborado e que custaram a vida de alguns escravos.
- Ares! – Gritou Hera furiosa ao ver a parcial destruição. – Cadê o traje de gala que te enviei? – Questionou indignada e ofendida a megera.
- Sei lá. – Respondeu Ares displicente. Coçou o saco parcialmente exposto. – Cadê a vagaba? Quando vou comê-la? Podemos pular essa merda de cerimônia? – Perguntava enquanto olhava e cumprimentava algumas ninfas em meio à multidão.
- Hoje é seu casamento, idiota! Porte-se decentemente pelo menos uma vez na vida! Volte e busque o terno vermelho. Precisa combinar com a decoração do palácio e com o vestido de Perséfone. – Ordenou a senhora do Olimpo enquanto colocava o pênis do filho para dentro da tanga.
- Eu vou casar assim mesmo, sem camisa, usando meu elmo e minha lança. – Disse desafiador o deus, estufando o peito. Com efeito, Ares adorava mostrar os músculos bem definidos. Orgulhava-se do tórax e do abdomên quadriculado. Era um exibicionista nato. Manipulava diariamente a poderosa e inseparável lança que empalava oponentes e rasgava gargantas frequentemente. Sobre o elmo, esta era a sua marca registrada. Era muito mais comum vê-lo com o capacete do que sem ele.
Ares era o único que tinha coragem e prazer em estragar as festas afrescalhadas e repletas de detalhes da mãe – nem Zeus ousava a tanto -, afinal de contas era o deus das batalhas, destruição e da terra arrasada. Ordem e organização não eram com ele. Achava “démodé”.
E a cerimônia transcorreu sem maiores percalços, apesar da fúria de Hera, revelada pela tez avermelhada. Perséfone, linda e maravilhosa como sempre, embora contrariada, triste, chorosa e enojada, entrou no templo acompanhada de Deméter, cuja fronte ostentava orgulho e determinação de uma mãe que entendia estar dando um futuro promissor à filha. Protegeria com aquele casamento Perséfone, colocando-a na linha direta de sucessão do Olimpo, e agrediria o inimigo mortal, o irmão Hades, com quem tratava uma luta milenar pela companhia e amor de Perséfone. Entretanto Perséfone estava atrasada, o que não era comum na deusa da primavera. Por que Perséfone havia se atrasado tanto? Mas logo a resposta se revelou. Ísis e Hebe surgiram atrás de Perséfone e Deméter. Todos entenderam que o motivo do atraso de Perséfone era Hebe – que se atrasou desta vez, pois em uma das suas inúmeras andanças pelo Olimpo, bateu a perna em alguma arma mística jogada no chão, o que resultou um roxo bem grande no membro de sustentação direito; como Hebe queria estar com as pernas bonitas para aquela cerimônia, colocou meia calça, mas com era enrolada, demorou vinte e três minutos para cumprir a tarefa.
A existência de Ísis naquela cerimônia desagradou a todos e não foi determinada por Hera. Na verdade, a presença de Ísis foi solicitada por Perséfone, que apesar de não morrer de amores por aquela deusa egípcia dissimulada, entendia que lhe devia a vida saudável que agora possuía; além disso, talvez, também pudesse ser interpretado como um ato de insastifação e indignação contra Zeus e Hera que apadrinhavam aquele casamento tosco.
O que Hebe estava fazendo? Perguntou-se Hera colocando a culpa na filha por aquela presença indesejada. Era só Hebe que deveria estar ali! Todavia, Hebe, agregadora, pura, inocente e eternamente jovem que era, sempre tentava conciliar os interesses daqueles que lhes eram caros, como a amiga Ísis e a mãe Hera. Queria mediar uma conciliação entre duas das deusas mais poderosas do universo ou, pelo menos, uma aproximação. Estava disposta a fazer “o social” sempre que fosse necessário. Tinha até um bom argumento para sustentar a presença de Ísis ali: o casamento é uma data tão feliz e propícia para amainar ou aplacar inimizades. A solicitação de Perséfone foi o pretexto escolhido por Hebe para levar a amiga cuja mera presença no Olimpo lhe dera tantas dores de cabeça nos últimos anos.
Obviamente, Ísis também queria estar no meio da celeuma, pois sua missão ali era saber de tudo o que acontecia e de estar nos bastidores. Havia entendido que aquele casamento era arranjado e que no fundo consistia em um ato de provocação a Hades. Caso presentisse que a guerra começaria ali, naquele dia ou nos dias subsequentes, daria o pé do Olimpo e levaria com ela Hélio e Selene, já fechados com a causa egípcia. Juntaria-se ao seu filho, de quem sentia muita saudade, e marcharia sobre a Grécia mística que estaria extenuada em razão do conflito fraterno.
Muitos olhares fuzilantes foram lançados para Ísis. As manobras militares de Hórus, bem como a aglutinação de diversos panteões menores e desprezados pelos gregos sob a insignia de uma única bandeira, a egípcia, incomodava todos ali, especialmente Zeus, Apolo, Hera e Teia. Muitos já questionavam a permanência da deusa da maternidade e da magia dos trópicos ali. Mais de três anos já havia se passado e Perséfone parecia muito bem. Há meses não apresentava qualquer recaída ou sintoma da maldição da espada de Hades. Ísis só ali permanecia, pois Hebe defendia com unhas e dentes a amiga, apesar de toda a pressão dos outros deuses para expulsá-la ou jogá-la no Tártaro. Para Hebe, amor significava renúncia, e ela estava disposta a renunciar a muitas coisas para ver quem amava feliz ou em paz. Estava colocando a reputação em jogo, pois acreditava, como todo o jovem, que podia fazer algo para unir sua família e a amiga egípicia. Talvez não houvesse mais guerra! A deusa da juventude, por influência de Ísis, acreditava piamente que Hórus estava aglutinando um grande exército para proteger o Egito dos ingratos gregos, pois afinal de contas, os pares de Osíris eram muito fracos se permanecessem sozinhos e mesmo que se juntassem os panteões japonês, celta, africano e latino americano não daria a força da Grécia mística e de Asgard juntas. Em suma, o discurso de Ísis era sedutor, como ela própria, e baseava-se no direito de autodefesa e autodeterminação dos povos, algo que Hebe não via muito no Olimpo, onde a intransigência dos pais beiravam o absurdo.
Em que pese o esforço de ambas, Ísis e Hebe estavam ficando sem argumentos para manter a egípcia ali. Ísis negava qualquer conhecimento sobre as movimentações belicosas de Hórus, embora soubesse que o filho estava adquirindo muitos aliados, conforme haviam combinado. Sabia dos movimentos de Hórus por meio dos rumores que corriam diariamente no Olimpo e por meio de agressões verbais que vez ou outra recebia. Quando questionada ou quando alguém insinusava as más intenções do filho, limitava-se a dizer que Hórus, porque muito justo, pretendia apenas criar um equíbrio de forças e dar voz e dignidade aos deuses menos festejados dos panteões menos conhecidos e influentes. Também argumentava que não podia dar maiores detalhes, pois desde que havia chegado ali, não podia entrar em contato com o filho, porque proibida de usar magias que não fossem as destinadas a curar Perséfone. Também foi proibida de se comunicar com o Egito e embora sentisse falta do panteão tropical, acatou a limitação. Este argumento afetivo, infelizmente, comovia apenas Hebe.
Enfim, Ísis acreditava que logo estaria com o filho, auxiliando-o para que se transformasse no senhor do universo, era só uma questão de tempo. Além disso, havia obtido inúmeras informações ali, apesar de Teia e Hera não tirarem os olhos dela, e pretendia ficar o máximo de tempo que pudesse. No entanto, àquela altura do campeonato, estava ficando sem saída. Sentia que logo, se nada de novo acontecesse, seria expulsa dali, talvez fosse jogada no Tártaro.
Ao ver a egípcia adentrar no salão de festa onde só helênicos poderiam estar Hera tomou, em seu íntimo, uma decisão. Expulsaria Ísis nos próximos dias. Perséfone estava bem. Aquilo era realmente um engodo da oportunista Ísis. Hera e Zeus apenas haviam tolerado a presença da princesa do rebolado divino no Olimpo, porque esperavam que ela revelasse algo ou que errasse. Esperavam que a deusa entrasse em contato com o filho ou com Osíris e que nesta circunstância fosse pega no flagra, mas nunca pegaram a senhora do Egito com a boca na botija, embora soubesse que a sinistra visita observava e media tudo.
Enquanto Perséfone se aproximava de altar, vestindo um lindo e curtíssimo vestido rubro, o pau de Ares crescia. Que pernas! Que decote! De fato, a primavera era linda e sensual, principalmente quando estava brava, irritada, contrariada e coagida como estava ali naquela cerimônia, pelo menos para o deus da guerra.
Afrodite, entre os convidados, sorria. Finalmente teria Perséfone para ela. Ares iria para suas matanças e ambas passariam bons momentos juntos. Já Atena observava atenta para Ares, seu eterno inimigo. Lembrava-se das inúmeras vitórias sobre o meio irmão, tanto no campo da estratégia, como no mano a mano (na guerra de Troia, por exemplo, onde dirigiu uma lançada por um herói até o corpo de Ares, o ferindo). Não se orgulhava disso, pois o semi irmão era muito fraco e afoito no campo de batalha. Não pensava, não raciocinava. Apesar do corpo sarado e da extrema força física de Ares, Atena sabia que podia vencê-lo mesmo em um combate corpo a corpo, sem armas e sem estratégias. O corpo feminino que possuía, embora pequeno e frágil se comparado ao de Ares, era muito bem treinado. Atena possuía bons reflexos. Era perita no manejo de qualquer tipo de arma e em várias artes marciais. Não errava durante a batalha e não se distraía durante as lutas. Era determinada e concentrada. Coisas que seu meio irmão da guerra não era. Pensava muito rápido antes de agir, algo que Ares era incapaz de fazer. Por ostentar todas essas qualidades, Atena era considerada ao lado de Zeus, Poseidon, Hades e Apolo, o núcleo da Grécia Mística. Um dos cinco pilares da Hélade e, na atual conjuntura, principal aliada de Zeus.
Apolo se sentiu ameaçado, embora tivesse certeza que Ares jamais seria um páreo para ele em uma luta aberta, temia o critério da sucessão e a posição das víboras Hera e Deméter em uma eventual discussão sobre sucessão. Sabia que elas tinham muita influência e que estavam tramando algo, mas não sabia o quê.
Zeus, impaciente, queria ver o jogo de rúgbi da seleção da Nova Zelândia (adorava fazer o Haka), por isso queria acabar logo com aquela encenação.
O soberano também estava incomodado diante da inércia de Hades. Há três dias o casamento havia sido anunciado amplamente e nada! Não sabia se a falta de reação de Hades era uma vitória ou uma derrota. Desde o anúncio do casamento não houve qualquer manifestação ou movimentação bélica e ofensiva no inferno grego. Perséfone não seria mais um trunfo contra Hades? O irmão havia afinado? Não a amava mais? Cadê o velho Hades que não levava desaforo para casa? Arregão! Zeus e Atena, diante da ausência de resposta a esta provocação, pressionados por alguns seguimentos da sociedade grega, pacifistas como Pã, se inclinavam ao entendimento de que Hades poderia apenas querer se distanciar dos antigos companheiros e que apesar do grande exército que havia formado, bem das alianças que firmou, pretendia ficar isolado e mantém o que ainda tinha. Não havia como saber.
Logo os noivos foram postos frente a frente, beijaram-se antes da hora – Ares, impaciente, tomou Perséfone nos braços, menosprezando a presença austera de Himeneu que deixou nervoso a cerimônia. O deus da guerra puxou Perséfone para si. O beijo, entretanto, foi tenso e curto. Tenso porque Perséfone não queria beijar Ares e este a forçou, curto porque logo Zeus, intempestuoso, separou a força ambos e diante das câmaras fez um breve discurso:
“Eu, autoridade máxima do Olimpo, declaro Ares, meu filho, e Perséfone, minha filha casados. Se houver alguém que se oponha a este casamento fale agora e se cale para sempre.” Raios e trovões ribobaram fora do palácio. Dentro dele, silêncio absoluto. Ninguém queria se calar para sempre, principalmente porque Zeus mantinha ameaçadoramente fagulhas de raios nas mãos e mirava zangado para todas as centenas de convidados e figurantes.
Depois da coação de Zeus, que não deu qualquer margem de discussão sobre a legitimidade e validade da cerimônia, tendo em vista que Himeneu, a autoridade celebrante, a deixou, Ares e Perséfone saíram do palácio juntos e se dirigiram ao palácio de Ares para iniciar a lua de mel. Entretanto, quando lá chegaram, antes de entrarem para as núpcias, Ares, que comia com os olhos a nova esposa enquanto tirava o elmo e a tanga, e Perséfone, chorando e lançando maldições aleatoriamente, foram surpreendidos por Zeus, apressado e nervoso, por causa do jogo de jogo de rugby, e por Hefesto, que odiava Ares, pois este e sua esposa sempre o “chifraram” o menosprezaram em virtude das inúmeras deficiências físicas que possuía. Pai e filho impediram que Ares adentrasse no recinto com Perséfone.
- Perséfone vem com a gente. – Disse Hefesto. Atrás dele estava Zeus, cujos olhos faíscavam impacientes, encarando o filho com cara de idiota.
Perséfone se desvencilhou do marido aliviada – o braço da moça estava roxo tamanha era a força com que Ares a segurou – e correu para Hefesto. Ares ficou furioso, mas o olhar assustador de Zeus, bem como a aura branca que o circundava, impediram o deus da guerra de fazer qualquer reclamação ou tomar qualquer atitude. Se não podia nem com Zeus, lutar contra ambos ao mesmo tempo seria suicídio. Hefesto possuía um grande exército de autômatos e armas escondidas por todo o Olimpo.
Sim, Ares logo percebeu que o casamento era de fachada. Perséfone não ficaria com Ares, pois todos gostavam muito dela e o repudiavam. O deus da guerra compreendeu que fora vítima de uma farsa. Foi usado como mero instrumento de provocação. Sentiu-se um lixo. Percebeu que não valia nada no Olimpo e que sempre viveria em segundo plano, sempre abaixo dos interesses dos três grandes do Olimpo: Zeus, Hades e Poseidon. Percebeu que era um deus de segunda categoria, mesmo sendo filho dos donos do Olimpo.
Horas depois Hera, víbora que era, visitou o filho, que já havia matado cruelmente metade dos escravos que habitavam no seu palácio. A raiva consumia as entranhas do deus tapeado que no momento da visita da mãe esfolava uma escrava.
- Já era para estar fodendo a deusa vadia! – Gritava tresloucado o deus enganado. – Eu teria duas deusas gostosas à disposição, mas agora só tenho Afrodite.
Hera, fingindo-se indignada, mas feliz porque havia obtido mais do que queria, alegou ao filho que também fora enganada. Neste momento, a deusa fitou os olhos de fúria do deus tapeado e teve certeza que ela teria seu apoio incondicional por algum tempo, pelo menos enquanto a ira do deus traído permanecesse.
CONTINUA NO MÊS QUE VEM =(

Dia mundial da água 22 de março
O galante elfo, paladino da justiça e protetor do meio ambiente, Luz, voltou triunfante para o Mundo das Fadas.
O glorioso e digno ser ambiental retornou do campo de batalha depois de mais uma árdua e triste batalha contra os orcs invasores.
Dessa vez, a luta campal e sanguinolenta teve como objeto de disputa a proteção de um grande rio cristalino de águas doces e a respectiva área de preservação permanente – a mata ciliar que protegia as margens do curso da água azul da erosão. Os orcs maus invadiram o local e, consideradno o caráter ubíquo do meio ambiente (a natureza não respeita fronteiras políticas), objetivavam poluir toda a água do riacho, cuja função era abastecer o Mundo das fadas e seus numerosos habitantes. Os inimigos do bem fariam a degradação ambiental do rio incentivando a ocupação da região por populações marginalizadas, sem qualquer instrução ambiental, que certamente se apossariam do terreno atabalhoadamente, poluiriam as águas com fezes e esgoto e destruiriam a mata ciliar para construir os barracos que lhe serviriam de casas.
Felizmente, os orcs foram expulsos da fonte de água do Mundo das fadas. Luz, digno e ético que era, remanejou as populações marginalizadas para uma área com infraestrutura básica para a vida em sociedade e garantiu educação e cultura para essas pessoas até então desafortunadas.
Ao chegar à capital do Mundo das fadas, Luz, em que pese a humildade que lhe era inerente e imanente, foi recepcionado como um herói. Levado pelas massas fez um breve discurso apaixonado e sincero:
- Habitantes do Mundo das fadas, hoje é um dia de glória! As forças orcs recuaram!
A massa explodiu de emoção!
- Lindo! – Gritavam as fadinhas apaixonadas.
- Nossas águas foram preservadas!!! – Bradou orgulhoso o belo e incansável herói.
Nova aclamação repercutiu por toda aquela nação vibrante e pujante.
- A água é um bem de domínio público; é um recurso natural limitado e indisponível. – Clamava Luz orgulhoso e convicto nas próprias palavras.
As fadas beatas balançavam a cabeça religiosamente em sinal de aprovação.
- Precisamos assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. – Luz, o elfo amoroso e solidário, pensava não só em si, não só naqueles que o circundavam, mas também naqueles que ainda estavam por vir. – A utilização racional e integrada dos recursos hidrícos é um dever que se impõe a todos, Poder Público, à coletividade e a mim. – Disse o herói que sobre os ombros fatigados colocava mais um dever, dentre tantos outros que o próprio coração publícista e coletivo lhe impusera. As fadinhas choravam de emoção. Luz era muito responsável. Era para casar. Era perfeito e… muito bonito.
- Apesar de hoje ser um dia de glória e de vitória do bem contra as forças do mal, peço um minuto de silêncio em homenagem a nossos companheiros que tombaram em campo de batalha para proteger o frescor de nosso líquido da vida. – Luz, então, chorou. Lembrou-se emocionado dos elfos amigos que haviam dado a vida no campo de batalha para proteger aquele bem tão valioso, indisponível e de fundamental importância tanto para as pessoas do presente como para os descendentes daquela gente. Infelizmente, o elfo guerreiro, apesar das inigualáveis técnicas de luta que possuía, conseguiu salvar apenas quinhentos companheiros, sem prejuízo de eliminar, em dez minutos de batalha, 3.500 orcs de alta patente. Luz, entretanto, perdeu dois guerreiros. Apesar das perdas mínimas do ponto de vista estatístico, Luz, o vingador verde, vivia e considerava a vida como única. Uma perda, mesmo de um pet, era algo irreparával e que deveria ser chorado, lembrado e homenageado por toda a eternidade. Era como se um universo houvesse deixado de existir. Por isso, Luz jurou perante a todos, com lágrimas nos olhos, que não deixaria os orcs poluirem os recursos naturais e a natureza, bem como não toleraria desperdício de água.
- Oh! Ele é tão másculo e ao mesmo tempo sensível. – Murmuravam algumas fadinhas apaixonadas.
Luz, o amoroso e eternamente carente elfo, depois de criar inúmeras emoções conflitantes na multidão que o amava (da exaltação ao choro e deste à redenção), deixou o parlatório e se dirigiu para casa. Morava em uma árvore onde residia outros tantos habitantes – em uma éspecie de condomínio natural. Na unidade habitacional que lhe servia de morada tinha conforto e lá se sentia muito bem, principalmente porque zelava pela economia da água. Naquele dia, para sorte de Luz, o elfo sagrado e santo, alguém o aguardava louca de saudade. Este alguém era seu amor: Escuridão, a bruxa má.
Ao chegar, ambos se beijaram e se amaram, como costumavam fazer.
Depois disso, Luz, revigorado e pronto para novas batalhas, foi tomar banho. Como era muito zeloso e respeitoso com água que lhe dava vida e que trazia vida a todos, tomou um banho rápido, de seis minutos. O suficiente para se ensaboar, lavar a bela cabelereira e se assear devidamente. Deixou o banho e foi estudar novos meios de contribuir para o bem difuso que tanto amava: a natureza. Neste ínterim, a bruxa má entrou no banho e ligou o chuveiro.
Quando Luz começava a ler algo de seu interesse, ficava entretido, esquecia o mundo e demorava para tomar ciência do que o cercava e do que ocorria a sua volta. Passada uma hora de imersão cultural, o elfo inocente se deu conta de que a bruxa má ainda estava no chuveiro. Foi em direção ao banheiro e perguntou angustiado, preocupado e curioso:
- Está tudo bem aí, paixão? - Gritou por detrás do box.
- Está sim. Esse chuveiro é muito gostoso. É quentinho. – Respondeu feliz Escuridão.
Luz ficou enculcado. “Uma hora de banho?! Que desperdício de água! E o aquífero guarani como fica?!” Pensou o pobre guardião dos bens ambientais, que sempre perdia o chão em que pisava ao ver um mero vazamento. Nestas ocasiões Luz ficava com insonia e irritado até resolver o problema. Para evitar sentimentos de culpa supervenientes, o belo elfo se decidiu: “Preciso arrumar uma desculpa para meu querido amor sair do banho e não continuar jogando água ralo abaixo sem necessidade, em evidente afronta ao princípio da proporcionalidade e do equilíbrio ambiental.”
- Minha vida, lembrei que preciso sair. Estamos atrasados. – Gritou encabulado e ruborizado o elfo maravilhoso, que só mentia em situações singulares e com o fim único e exclusivo de preservar o meio ambiente e, na espécie, o líquido da vida.
Ainda se passaram dez minutos para finalmente Escuridão, a bruxa má, sair do banho.
- Estava bom o banho. Pena que não deu tempo de lavar a cabeça. Não sei como meu amor só fica três minutos no chuveiro.
- Seis minutos. – Corrigiu o sempre atento e iluminado ser.
- É, seis, meu amor tem razão. – Repetiu a bruxa, corrigindo-se do equívoco. – Meu lindo parece uma prima minha. Ambos entram e saem imediatamente do banho. Não dá tempo de limpar nem as partes pudendas. – Riu-se a bruxa má.
-Não, dá sim! – Exclamou otimista a criatura do bem. – É só esfregar o sabão direitinho e se enxaguar. Muito tempo embaixo do banho faz mal, pois tira os óleos e a proteção da pele.
- Tira nada. – Esnobou Escuridão. – Esse chuveiro é melhor que o daquele hotel e do que tenho na minha casa. Lá eu só fico quarenta e cinco minutos todos os dias, mas às vezes fico duas horas. – Comentou contemplativa.
Luz ficou pasmo.
- Nós não podemos desperdiçar recursos naturais. – Comentou pedagógico e paciente. – Eles são caros à humanidade e trabalhosos para ser obtidos e mantidos. Devemos cuidar da água como se fosse algo valioso, pois é bem de domínio público.
- Mas a conta de energia abaixou. – Atravessou perplexa Escuridão.
- Sim, a tarifa abaixou, mas o problema é o uso imoderado da água doce e cristalina; recurso limitado e que será motivo de guerra no futuro! E sobre o consumo de energia, também precisamos ser razoáveis e só usar o necessário, pois em que pese no Mundo das fadas existirem muitas hidrelétricas, elas degradam as áreas inunda…
- kkkkkkkkk. Eu já queimei um disjuntor da casa de uma prima! Só eu consegui fazer isso até hoje! Fiquei três horas embaixo do chuveiro – Orgulhou-se Escuridão da lembrança repentina.
- Mas e as outras pessoas da árvore-condomínio. – Luz tentou mudar o foco da discussão. – Elas certamente não querem que se desperdice água.
- O condomínio paga. – Escuridão solucionou o problema levantado por Luz com a peculiar praticidade.
Premido pela necessidade de dar algum argumento que dobrasse sua preciosidade e que a fizesse considerar e reconhecer a importância do manejo e uso correto da água, luz afirmou:
- Mas você está ficando verde de tanto tomar banho!
- Eu? Verde? Ah vá! Ah vá! Ah vá! – Gargalhou.
O elfo incompreendido, então, percebeu que toda a luta de outrora contra os orcs havia ido por água abaixo, literalmente. Não conseguiu cumprir, nem mesmo na própria residência, a promessa que havia feito para si mesmo em nome dos amigos que tombaram no campo de batalha. Percebeu que o maior poder que existia, o de mudar a forma de pensar das pessoas, ele não detinha. Sentou-se derrotado sobre o sofá. Logo Escuridão, o amor da vida de Luz, consternada e sem compreender o que acontecia dentro do nobre coração élfico, veio sentar-se ao lado do herói abatido.
Luz neste momento, percebeu que sua musa da magia negra estava prestes a dizer algo. Sempre esperançoso, o pobro e sonhador elfo pensou que ela se comprometeria a defender o meio ambiente e a economizar água a partir daquele dia, mas a feiticeira apenas disse conformada:
- A vida é assim mesmo, querido.

Eros, Afrodite, Éris, Despina, Hypnos, Thanatos, Trevas, Fúria – 24.06.08 – A nova teogonia – 27ª parte
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25.09.10 –
Neste dia, Despina e Éris, escoltadas pelas fúrias, Alecto, Megera e Tisífone, e também por Thanatos e Hypnos, levaram Trevas e Fúria para o seu primeiro passeio ao ar livre nas planícies da Grécia mística, um dos poucos territórios neutros que havia e onde ainda reinava a paz. Pela primeira vez as duas crianças estavam fora do Hades. Apesar da tenra idade e da pouca compreensão do novo mundo que os cercava, Trevas e Fúria estavam impressionados com a luz solar, com o ar o puro e fresco, bem como com os cenários naturais deslumbrantes. Porém, em que pese as novas sensações, tossiram muito durante a visita àquela região. Era um ambiente muito diferente do que até então conheciam. Espirravam a cada brisa suave que lhes beijava as faces brancas.
O objetivo de Despina e Éris, responsáveis pelas crianças naquele dia, era colocá-las para interagir com este novo meio ambiente e para que elas conhecessem aquilo que deveriam reinvidicar no futuro por meio da guerra e da destruição. Além destes deuses e de inúmeras criaturas que integravam aquela expedição, havia um outro ser todo especial na comitiva. Este era um equino e, asism como Fúria, também recém nascido. Tratava-se de um pônei rosado chamado Maldito, filho do Hipocampo e daquela divindidade que havia representado Hades perante Poseidon no fundo do mar.
Apesar da pouca idade, pouco mais de um ano, Trevas crescia muito rápido – neste momento aparentava ter cinco anos. Também era poliglota e dotado de grande poder, embora ainda não soubesse controlá-lo com precisão. Frequentemente apodrecia coisas e crianças em que tocava, levando estas a óbito e aquelas à ruína. Outrossim, provocava estado de ódio nos mortais, mesmo que estes estivessem a centenas de metros de distância. Éris ria e incentivava tais embaraços e a amargurada Despina dizia ser tudo isso normal. Afirmavam ainda que a criança prodígio não deveria se preocupar com a trilha de morte que lhe seguia, afinal de contas ele era um deus imortal e predestinado a comandar o Universo.
- Não ligue para esta morte Trevas, pois ninguém se importa com você. – Costumava dizer amargamente Despina. – As pessoas são como animais, vivem em guerra, traem, matam. Elas só se importam consigo mesmas. Os deuses são igualmente vis e crueis. Aproveite o poder que tem e incurta medo nas pessoas, pois é melhor ser temido do que ser amado. Mate todos que se oponham ao teu poder, mesmo que seja teu pai ou Zeus.
Já Fúria, apesar de ter nascido poucos dias atrás, engatinhava e ameaçava dar os primeiros passos. De fato, os deuses cresciam muito rápido, não tanto quanto no caso de Apolo, que com poucos dias de vida matou a serpente Piton – lacaio reptiliano enviado por Hera para destruir a titã Leto, mãe do deus solar.
Perambulando por aquelas plagas irritantemente ensolaradas e de relva verde vivo, Despina viu uma família de beija-flores e imediatamente disse ao pupilo mais velho:
- Trevinhas, molóide, veja aquela família de beija-flores. Acabe com ela! – Ordenou peremptória Despina, que odiava qualquer núcleo familiar. Repudiava principalmente o ser que fazia o papel de mãe. Por isso, a deusa da geada e do frio jurou jamais ser mãe. Temia ser como a que tinha: Deméter, a desigual. Maldita! Para Despina, vítima do desprezo materno de Deméter e do afeto incondicional que a mãe destinava à meia irmã, Perséfone, o amor familiar era uma ideia hipócrita, desprovida de qualquer fundamento. Sentia asco quando via as publicidades relativas ao dia das mães nas eventuais visitas que fazia ao plano terrestre. Dizia que eram sempre iguais e falsas. Criadoras de uma espécie de amor maternal padronizado, cheio de corações e cor de rosa (Despina sempre que via a cor rosa bebê lembrava de Perséfone, circunstância essa que a fazia odiar aquela cor). Segundo pensava Despina, o dia das mães não passava de uma verdadeira lobotomia, uma lavagem cerebral, sem espeque na realidade.
- Não! – Intercedeu empolgada Éris. – Não seja estúpida, Despina. Trevas, faça-os brigar até a morte. – Sugeriu Éris, a deusa da discórdia. – Sinta o ódio dessas pequenas criaturas aflorar na pele. É tão intenso… excitante… – Gargalhou frenética a discórdia. Via em Trevas o sucessor de Ares, aquele que costumava lhe seguir, tornando as brigas, as desavenças e os conflitos iniciados por Éris em tremendas guerras e banhos de sangues irracionais e gratuitos.
Hypnos ria nervoso da situação. Na verdade o riso refletia desgosto. Que educação era aquela que Hades, com a conivência de Nyx, permitia ser dada para Trevas? E que logo também dariam para Fúria? Hypnos e Thanatos tinham ciência de quase todos os planos e objetivos de Hades e estavam fechados com o chefe, mas… que culpa aquelas crianças tinham? Os irmãos aliados de Hades e filhos de Nyx sabiam desde o início o propósito daqueles dois nascimentos, sabiam que assim seria a educação das crianças. Entretanto, a execução do planejado no que se referia àquelas crianças nascidas sob o signo da vingança, apesar de correr de acordo com o programado, estava difícil de engolir, principalmente para o deus do sono. Uma coisa era a teoria, outra era vivenciar aqueles abusos na prática.
Entretanto, ambos apenas cumpriam ordens e deveriam ser fortes… ou fracos. De fato, era mais fácil tapar os olhos para aquela situação constrangedora do que desafiar a fúria e obstinação de Hades. Precisavam esquecer que tudo o que ocorreu desde aquele dia no templo do céu, em que foi comemorada dez mil anos da vitória sobre Tifão, era fruto de um mal entendido que tomou proporções gigantescas e se converteu em puro ódio. Precisavam ter em mente que a vingança de Hades e o retorno de Perséfone era tudo o que importava.
Trevas, ao ouvir o comando da tutora, hesitou. Éris, contrariada e indignada face a inércia de Trevas, gritou histérica e descontrolada:
- ANDA IMBECIL, DESGRAÇADO! FAÇA O QUE MANDEI FILHO DA MALDIÇÃO! – E deu lhe um tapa na cara de Trevas que o fez desmoronar.
Desconcertado e medroso, a criança, acatando o comando funesto de Éris, primeiro fez a família de passáros brigar violentamente entre si, por meio da influência maligna que impelia ao ódio as criaturas ao seu redor. Depois matou todos os passarinhos impiedosamente, como se eles fossem culpados por seu sofrimento e angústia. Dessa forma, ambas, Éris e Despina, ficariam satisfeitas. A criança olhou para os corpos inertes e repletos de ferimentos dos bichinhos e nada sentiu a não ser alívio. Antes os passarinhos do que ele, pensava Trevas. Aprendia desde a mais tenra idade que precisava obedecer os mais fortes e matar os mais fracos para não ser punido e ganhar elogios.
E assim, segundo Despina e Éris, deveria ser: Trevas e Fúria cresceriam frios, insensíveis e crueis.
Enquanto Trevas contemplava o que havia feito, Fúria, montado no pônei Maldito, tirou o irmão mais velho desse momento intimista. Galopava sobre o animal. Dava-lhe inúmeras chicotadas. Trevas tinha ciúme do pônei, pois queria o bichano só para ele. Considerava Maldito não como um ser vivo, mas como um brinquedo. Não o tratava melhor do que o irmão caçula.Não aceitava que o minicavalo fosse de mais ninguém. Trevas odiava o irmão, pois todas as atenções que antes eram só do primogênito, passaram a ser divididas ou exclusivas de Fúria. Trevas não gostava de ver o irmão pegar suas “coisas”. Um dos primeiros ensinamentos de Éris foi:
- O que é seu, é seu e de mais ninguém. Todos são egoístas, seja você também bostinha ou você ficará para trás.
Despina, por outro lado, costumava dizer ao pé do ouvido do deus menino:
- Um dia todos vão amar apenas o Fúria e esquecer você. Ele tomará tudo o que é teu e terá a atenção de todos. Vai cospir na sua cara e mijar em você quando estiver na lama. Não deixe isso acontecer, idiota. – As palavras eram lançadas venenosamente.
Trevas, em um momento de raiva, após lembrar de todos esses ensinamentos, disparou sua energia roxa contra o irmão divino. Fúria e o pônei Maldito caíram no chão e o céu e a terra ficaram negros por alguns segundos, as plantas do entorno morreram e a água dos rios da região ficaram poluídas, não tanto quanto os rios do planeta Terra, mas ainda assim poluídas e impróprias para o banho e para o consumo.
- NÃO PEGUE MINHAS COISAS, FILHO DA PUTA! – Gritou Trevas ameaçador para o irmão, enquanto este berrava de dor e em razão do susto que havia tomado.
Despina, sabe-se lá porque, sentiu-se vingada e aliviada com a atitude de Trevas. Éris exaltava o pupilo e ria maligna.
Éris se divertia muito no papel de babá. Se soubesse que era tão legal passar seus valores para crianças imbecis, ela o teria feito antes. Segundo seus sonhos mais íntimos, almejava arregimentar um exército de crianças deusas idiotas que, no futuro, quando adultas, seriam leais à Discórdia.
Logo os treinos de pontaria a longa distância para Trevas começaram. A jovem divindade deveria acertar pontos em rápido movimento no horizonte distante. Tais pontos eram rochas e pedras imensas atiradas a dezenas de quilômetros de altura por inúmeras criaturas asquerosas submissas ao império do Hades.
Trevas errou os primeiros tiros e tomou vários “pedala robinhos” de Éris, o que lhe causou inúmeros hematomas e sangramentos na face e na nuca.
Éris deixava as unhas das mãos muito grandes; pareciam garras afiadas. Trevas a cada tapa e agressão via o mundo de forma mais dolorosa e raivosa. De um lado, sentia-se culpado pelos erros, mas de outro sentia uma raiva muito grande estufar o peito, tornando a respiração difícil e pesada. Desde que se deu conta de que era um ser racional e pensante, desde o momento em que tomou ciência do que lhe cercava, sentiu-se pressionado e acuado, sozinho e incompreendido.
- IMBECIL! INCOMPETENTE! IDIOTA! LIXO! – Era o que Éris costumava berrar violentamente a cada erro. – Vai ficar na solitária, filho de uma vaca! – Plaft.
O treino continuou e os erros de Trevas também. A criança estava nervosa e não se concentrava em virtude das irracionais agressões da deusa decadente, de má índole e oportunista. Também não se concentrava, por outro motivo: frustração. Apesar de sempre tentar atingir as expectativas das permanentemente insatisfeitas e exigentes tutoras, Trevas nunca conseguia. Era impossível agradá-las.
Fúria, por seu turno, riu do irmão quando Éris o açoitou impiedosamente. Era como se se vingasse das atrocidades que o primogênito lhe causava nos acessos de raiva e ciúme. Trevas, caído no chão, sob uma série de pisões e xingamentos de Éris, estava muito nervoso e assustado. Queria chorar, mas não podia, pois se chorasse, também apanharia de Despina, que sempre o lembrava:
- Não adianta chorar, frangote. Por mais lágrimas que você verta, ninguém se importará. Sua mãe te odeia! Aprenda a ser forte e solitário. É melhor para você, miserável. Não peça ajuda, não desabafe, não demonstre sentimentos. Guarde tudo dentro de você e acabe com todos.
Todavia alguém fora daquele círculo sombrio e horripilante, lançou uma nuvem de flechas que encobriu o céu e acertou todas as rochas, pedras e árvores lançadas pelos escravos do submundo. Esse alguém era um exímio arqueiro. O iluminado intruso aproximou-se voando rápido, o que fez com que as agressões de Éris cessassem.
Trevas, erguendo-se lentamente da habitual surra, pode perceber que o intruso era uma criança também. O almofadinha, assim que se pôs frente a frente de Trevas, sorriu feliz, vaidoso e esnobe. A divindade recém chegada também demostrou-se um pouco enojado ao ver aquela figura miserável e que há poucos instantes atrás estava sendo pisoteada e amaldiçoada. O invasor estava acompanhado por uma bela deusa, de roupas e aura rosa choque, que ria feliz e orgulhosa do desempenho da criança loira de olhos azuis. Esta criança era Eros, o deus do amor.
Eros e Afrodite pousaram no meio do grupo das sombras. Ora gesticulavam em tom de desafio, ora em tom de deboche. Afrodite abraçou e beijou o filho querido.
- Meu filhinho é o melhor arqueiro que existe em toda Hélade! – Falou orgulhosa e afetuosa a deusa do amor, enquanto bagunçava os sedosos cachos dourados da cabeça de Eros.
Com efeito, Eros era uma criança muito amada e mimada pela deusa do amor. Afrodite, em que pese a vida desregrada, promíscua, libidionosa e ninfomaníaca, possuia um instinto maternal muito forte também, tal qual o de Ísis ou de Reia, capaz de defender os filhos com unhas e dentes e de cometer grandes atrocidades para tanto. Nestes momentos, em que estes atributos maternos e graciosos de Afrodite, libertos de qualquer conotação sexual e carnal, prevaleciam, a deusa do amor era apelidade de Afrodite Urânia. Uma Afrodite cujo amor era espiritual, celeste, sublime e idealizado. Enfim, não era amor terreno e carnal habitual de Afrodite, que sob esse aspecto levava o epíteto de Afrodite Pandemos.
Afrodite destinava um grande amor para cada uma de suas crias (Priapo, Hermafrodito, Fobos, Deimos, Harmonia etc ), pouco importando se eram frutos de relações incestuosas ou proibidas, se os pais eram humanos ou deuses (Afrodite amou e foi amada por muitos deuses e mortais), se os filhos eram feios ou deformados etc… A grande pluralidade de filhos de Afrodite, de todas as raças, cores, tamanhos, espécies, revelava seu domínio sobre as mais diversas faces do amor e da paixão.
Em que pese todo esse amor à prole, para Eros Afrodite destinava um amor todo especial. Não era um amor maior, nem menor se comparado ao que destinava aos demais filhos – não era como Deméter e a distinção odiosa que esta fazia entre Despina e Perséfone-, mas tão-somente,diferente, pois, afinal de contas, o deus menino do amor, ostentava duas peculiaridades: 1) não amadurecia e 2) não criava corpo de homem. Seria um menino para sempre. Possuiria a mentalidade de um pré-adolescente eternamente. De um lado, Afrodite adorava isso, pois sempre teria o filhinho junto dela, mas de outro, bom, de outro lado, tal condição do filho negava o rumo natural da ordem dos deuses.
Afrodite, como toda boa mãe, correu atrás de vários medicamentos, encantamentos, magias para tentar curar o garoto. Consultou-se até com Ísis, Hecate, Circe e Apolo nos séculos pretéritos, mas nada deu certo. Conformou-se e resolveu cuidar do filho para sempre. Amá-lo-ia da mesma forma que o amou e o amava. Prometeu a si própria protegê-lo de tudo e de todos. Infelizmente, falhou no “caso Psiquê”. A deusa odiava a genra, pois a considerava interesseira, tapada e falsa. Mas tudo bem, pensava Afrodite, um dia se acertaria com a vadiazinha – Afrodite odiava mortais cuja beleza fosse similar a que ostentava ou que fossem a ela comparadas ou que se comparassem à deusa. Além disso, a putinha interesseira havia roubado o filho dela, casando-se com o inocente Eros, pois apenas queria vida boa.
- É ele a quem Zeus teme? – Perguntou curioso e incrédulo Eros, que se aproximava de Trevas, medindo o jovem filho de Hades. O olhar de Eros revelava o menoscabo que destinava à criatura do inferno grego. Zeus estava superestimando aquela criança suja e cheia de hematomas.
- Parece que sim. – Riu-se afetuosa a rosada Afrodite. A ligação entre Afrodite e Eros era muito intensa. A mãe ajoelhou-se e olhou diretamente para a face do filho para verificar se estava limpinha e se não havia nada de errado, como costumava fazer depois de cada pouso após um longo vôo pelo infinito céu da Grécia mística. Também conferiu as mucosas dos lábios dentro da boca de Eros, bem como verificou a higiene dos grandes olhos do Amor.
Despina e Éris logo se sentiram intimidadas. Queriam se esconder, pois sabiam que eram muito feias, principalmente quando confrontadas com Afrodite, e que não só eram horrendas por fora como por dentro também. Enfim, ambas sabiam que eram barangas e dotadas de péssimo caráter. Perto de Afrodite o contraste era absoluto.
Despina, em particular, se sentia suja e inferior ao ver Afrodite, não só por causa do fator beleza, mas porque, apesar de toda libertinagem da deusa da beleza, a admirava muito como mulher e principalmente como mãe. No fundo do inconsciente, sentia-se vergonha dos ensinamentos que passava para Trevas e Fúria, embora não conseguisse parar de mandá-los para o caminho da autodestruição e da amargura. Era como se fosse um vício que não podia dominar. A presença de uma legítima mãe, na melhor e mais nobre acepção da palavra, fazia com que tal inconsciente viesse à tona de forma fulminante no mar revolto da consciência, causando depressão no coração rejeitado da divindade das geadas e conflitos na mente rancorosa da deusa. Por que fazer isso? Por que ensinar isso para Trevas? Por que não consigo parar?
Afrodite sempre foi reconhecida por ser muito ligada à prole, entretanto a vasta quantidade de filhos trazia situações embaraçosas, pois muitas vezes a deusa do amor não se lembrava de alguns filhos, tamanha era a quantidade de descendentes – fato este que causava espécie à Despina e a outros deuses. De fato, nos últimos trinta mil anos foram milhares de filhos. Além disso, outro fator que contribuía para tais embaraços, estava no fato de que o nível de atenção de Afrodite era naturalmente baixo, talvez pelo estilo de vida carpe diem que lhe era inerente.
Apesar de constrangimentos corriqueiros, o amor maternal que transmitia era acolhedor e fazia falta para a maioria das deusas solitárias e sem família ou para aquelas com famílias problemáticas. Tal amor maternal só não era muito visado e solicitado pelos deuses e homens solitários e sem família ou com famílias problemáticas, pois, apesar de toda a tragédia familiar que os cercavam, eles preferiam o outro tipo de amor que Afrodite poderia dar. Eles preferiam Afrodite Pandemos à Afrodite Urânia.
Enfim, a deusa do amor possuía muitos filhos e tratava todos muito bem, na medida da possível e da forma que a circunstâncias e peculiaridades exigiam, muito diferente de Deméter, a mãe que tinha três filhos, sendo um deles o cavalo Árion, mas que só dava atenção para um deles: Perséfone. Antes uma mãe puta e amorosa do que uma aristrocrata, ausente e que tratava desigualmente os filhos, pensava Despina.
Trevas, diante daquele quase adolescente, lindo, alto, saudável, luminoso, confiante, amado e bem quisto, sentiu-se um lixo… ao cubo. Um inseto. Trevas sempre estava sujo, machucado e apanhava constantemente das mestras Éris e Despina, que não custa lembrar, eram feias de doer. Ele tinha vergonha daquilo que considerava sua família. Não queria ser visto com aquelas dementes, nem com Fúria, com Hades ou com qualquer criatura do submundo, a não ser o pônei Maldito.
Muitas vezes o filho de Hades e Tétis desejava não ter nascido. Aquele deus menino do amor, por seu turno, tinha uma mãe afetuosa e linda, mais linda que Nyx ou Minta, referências em beleza do submundo. A vida não valia nada mesmo…
Eros, de soslaio e torcendo os lábios, olhava e menosprezava aquele parente distante e amaldiçoado, ao mesmo tempo que atirava – e acertava – os alvos em movimento a dezenas de quilômetros. Afrodite batia as palminhas e dava pulinhos de alegria a cada acerto, enquanto era comida pelos olhares atentos e vorazes de Hypnos e Thanatos.
As fúrias, invejosas, saíram de perto de Afrodite. Além dos motivos comuns aos de Éris e Despina para desejar distância de Afrodite, tinham um outro, muito pior e mais profundo. Assim como a deusa do amor, elas também eram descendentes diretas de Urano, o deus primordial caído, mas diferente da deusa do amor, herdaram os piores genes do deus castrado por Cronos, o filho titã rebelde. Em tese, nascer diretamente do sangue de Urano seria melhor e mais nobre do que nascer dos testículos, mas na vida real, Afrodite, que nada mais do que o escroto do deus primordial caído, era a mais bela e charmosa criatura do universo.
Fúria parou de rir da reprimenda de Trevas assim que viu Afrodite. Apesar de ser um bebê, ficou embasbacado com a beleza da deidade. Afrodite o pegou no colo. E encheu Fúria de carinho e mimos. Neste momento, a criança teve a primeira ereção.
- Que capetinha lindo! Por que está chorando bebezinho? Mas você é muito fofo! – E Afrodite lançou milhares de interjeições e hipocorísticos para se referir a Fúria, como aqueles que as mulheres normalmente e automaticamente dirigem a bebês que lhes caem sob as vistas, mesmo que eles sejam feios ou iguais uns aos outros. – Ai que lindo! Olha como está grande! E já está de pintinho duro! Esse tem futuro! Olha que lindo!
Afrodite então mostrou o bebê que carregava para os irmãos Hypnos e Thanatos e perguntou espontânea:
- Não é uma graça?
Os irmãos apenas concordaram balançando a cabeça. Queriam dizer algo de arrebatador que tivesse o condão de apaixonar a deusa do amor, mas nenhum xaveco marcante e sensacional veio à cabeça. Todos os galanteios conhecidos pareciam ser estúpidos naquele momento. Além disso, os filhos de Nyx se questionavam: o que um bebê tinha de tão especial? Talvez se soubessem, poderiam ter uma conversa “frutífera” com Afrodite. Para eles, bebês eram bonitinhos e fofos, só. Nada além disso. A silhueta de Afrodite, bem como as vestes semitransparentes que trajava, eram milhares de vezes mais interessantes e bonitas do que aquela criança recém nascida igual a qualquer outro bebê.
– Olha, que sorriso lindo! E essa bochecha! A tia vai morder, a tia vai morder. Como ele está grande!
(…)
- Você entendeu como faz?! – Perguntou Eros para Trevas enquanto atirava mais algumas flechas. – Eu sou melhor arqueiro que Apolo. – Afirmou confiante Eros. O deus menino apesar da vaidade e do orgulho próprio que sentia, bem como da repugnância que dirigia ao parente distante, estava tentando ganhar a confiança do primo pobre e mal vestido, aquela criatura que julgava bizarra e ignorante. Tal comportamento se justificava, pois Afrodite lhe dissera minutos antes:
- Temos que ajudar os desafortunados e amaldiçoados, porque somos privilegiados. Vamos levar um pouco de amor para quem nasceu da violência e para quem ameaça a harmonia e a paz do Olimpo. – Disse magnânima a mãe ao notar a concentração de maldade e boçalidade ao redor daquelas duas crianças.
Trevas tentou fazer igual ao deus do amor, mas não conseguiu. Abaixou a cabeça envergonhado. Evidente sinal de derrota e baixa autoestima. Eros, impaciente, porque para ele era tão fácil aquilo, mas ao mesmo tempo solidário, para ajudar, pegou nas mãos da ovelha negra da Grécia mística. Pretendia corrigir a forma com que Trevas manejava o arco. Ajudá-lo-ia a atirar da forma escorreita. Entretanto, neste momento algo aconteceu. Amor e ódio entraram em conflito. Uma faísca passou pela mente dos dois. Eros, aterrorizado, pois sentiu correr pelo corpo uma onda nefasta de raiva e desgosto, pulou para trás e puxou uma flecha da aljava. Mirou Trevas. Pretendia impedir a continuidade daqueles muitos sentimentos negativos que empesteavam a criança malsinada e que negavam aqueles que Eros carregava dentro de si. Não daria mais esmolas ao garoto, daria todo o poder do amor que manipulava. Atirou.
Trevas foi atingido por uma flecha do amor. Entretanto, a seta se enegreceu e apodreceu imediatamente. A vítima, assustada pelo amor que sentiu correr dentro do corpo, pela estranha sensação que este sempre causa nas pessoas, e no mais lídimo e puro instinto de autopreservação e de defesa, lançou, incontinenti, o poder maldito sobre o oponente. Após o raio roxo escuro e brilhante envolver o deus do amor e devastar a região – o que matou toda a vida mortal do entorno, inclusive a vegetação, fungos e bactérias – Eros tombou inerte, mas de olhos abertos; a íris do globo ocular havia sumido.
Éris e Despina, em meio à nuvem de poeira, estavam supresas e perplexas diante do ocorrido. Thanatos e Hypnos não viram nada, pois ainda hipnotizados pelo charme, beleza e palavras graciosas da deusa do amor. Quando perceberam o que havia ocorrido, nada puderam fazer, tendo em vista que foram lançados a metros de distância e que a poeira dificultava a visualização do que acontencia.
Afrodite ficou estupefata ao ver o filhote caído no chão, ali, próximo a ela; largou Fúria no chão; e correu em direção do filho abatido. Constatando as péssimas condições do amado Eros, enraiveceu-se. Invocou o imenso poder de que era detentora, o que tornou a coloração do céu e de todo horizonte rosa choque. Raios ribombearam na região. A poeira foi levada pelas fortes rajadas de vento. Fora de controle, a diva do amor, ao ver o algoz do deus do amor, lançou uma forte descarga de energia contra Trevas. Uma grande explosão se sucedeu e a criança maldita sumiu. Antes que a poeira dessa nova explosão baixasse, Afrodite, herdeira do imenso poder de Urano, alçou vôo e voltou desesperada para o Olimpo. Precisava ver Ísis, feiticeira e igualmente mãe, antes que…
Éris, Despina, Hypnos, Thanatos e logo depois as fúrias afastaram a poeira que encobria a extensa área da explosão e procuraram Trevas. O fedor de amor estava insuportável e o ar rosado que ainda teimava em se manter na região era irritante. Depois de muito procurar, o pônei Maldito ouviu a agonia de uma criança soterrada a um quilômetro dali. Em meio a cratera que se formou, o equino guiou todos para lá. Depois de retirarem Trevas dos escombros, diante da precaria situação da criança, que demonstrava ter queimaduras de terceiro grau por quase todo o corpo, fraturas expostas e hemorragias, levaram-na imediatamente para o Hades.
Se perdessem Trevas, Hades acabaria com todos eles, seria pior que a morte, seria uma passagem direta para o Tártaro.
CONTINUA (DAQUI DUAS SEMANAS)

Dia das mães – Feliz dias da mãe (macabro) – Proibido para mães e pessoas sensíveis
Dia das mães.
Um grande alvoroço tomou conta da próspera cidade de Corinto.
- O palácio do rei está pegando fogo! O palácio do rei está pegando fogo! – Gritavam dez entre dez pessoas nas ruas da cidade grega. – Salvem nosso querido rei!
Duas crianças, em meio ao caos urbano, desceram correndo uma das ruas periféricas da cidade e entraram quase sem fôlego em uma das casas.
- Mamãe, mamãe, o palácio pegou fogo! Estávamos lá esperando a princesa se vestir e quando percebemos… – As crianças estavam agitadas, suadas e cobertas por fuligem.
- Xiuuuuu.
A mãe, tranquila, silenciou delicadamente a fala do filho que tentava explicar o ocorrido. Pousou o dedo indicador direito sobre os lábios da criança mais velha.
- Vão para cama. Precisam descansar. Vou pegar um remédio para que se desintoxiquem e um pano molhado para limpar a fuligem do rosto.
Antes de pegar o unguento e o pano úmido, a mãe fechou a porta da casa e depois olhou pela janela. Viu o palácio arder em chamas no topo da colina, de onde podia ser visto por toda Corinto.
A mãe, em seguida, pegou duas xícaras com o remédio e as levou até os filhos. Estes, apesar do gosto ruim, tomaram rapidamente o líquido. Estavam sedentos. Depois a mãe se levantou, molhou um pano grande e voltou para junto dos filhos ainda aturdidos.
- Vou lhes contar uma história. – Disse a mãe calmamente enquanto passava o pano molhado sobre a face das crias.
“Era uma vez, uma jovem e bela princesa, filha de Eetes, rei perverso da cidade de Cólquida, um lugar pequeno e decadente. A donzela, versada em feitiçaria, sentia-se muito infeliz e deprimida naquele fim de mundo, pois jamais encontrou alguém que a amasse, que lhe desse carinho, atenção e que não amaldiçoasse as artes mágicas que dominava. A solidão era a sua companhia e sabia que ela a levaria à morte, como normalmente acontece com pessoas solitárias.”
Tirou as camisas dos filhos e os deitou na cama, de forma a facilitar a limpeza. Haviam enfrentado graves apuros no palácio que agora era consumido pelas chamas.
“Entretanto, um dia, soube que um robusto e valente herói chegou à cidade em busca de um tesouro guardado pelo pai e por um dragão perigoso naquele fim de mundo.”
“Curiosa. Foi de encontro ao herói no porto em que estava ancorado o famoso navio do estrangeiro. Quando chegou ao ancoradouro, o herói e a tripulação estavam prestes a ser mortos pela vasta guarda real, quando a feiticeira interveio e, sabe-se lá porque artes, apaziguou os ânimos. Determinou que a guarda recuasse e que deixasse os estrangeiros em paz até o dia seguinte, data em que deveriam ir embora. O herói a agradeceu de inúmeras formas. Ele foi tão gentil e delicado que a dama resolveu escutá-lo mais e mais. Passaram horas conversando e o herói lhe contou as inúmeras aventuras porque tinha passado e contou porque precisava tanto daquele tesouro. Entre uma fala e outra, entre um olhar e outro e entre um gole e outro, ao final do dia, ambos se apaixonaram e se amaram. O herói fez juras de amor para a princesa.”
“Naquele dia, a moça perdeu a virgindade e jurou jamais ser vítima da solidão. Viveria em função daquele garanhão.”
A mãe olhava para o vazio.
“A nobre, na mesma noite, resolveu ajudar o herói a furtar o tesouro guardado naquela cidade. E assim foi feito. Dirigiram-se para o local onde o gigantesco dragão guardava o tesouro. Chegando ao destino, a princesa fez o monstro dormir. Ao herói coube a árdua tarefa de matar o dragão. Pegaram o objeto colimado e partiram. À comitiva do herói se juntou além da princesa, o príncipe daquela cidade. Este jurou defender a irmã fugitiva, a quem sempre quis ser útil.”
- Mãe, não estou passando bem. – Disse uma das crianças.
- Está com febre. – Observou a mãe.
“Já em alto mar, a princesa e o herói tiveram outras tórridas relações sobre o aveludado tesouro dourado subtraído de Cólquida. A moiçola jamais fora possuída como naquela viagem. Tudo eram alegrias, tudo era bonito e feliz. O céu era mais azul, o mar mais brilhante, o vento mais quente, o sol mais luminoso… Todavia, a paz e o amor perfeito do casal foram rompidos, pois, no horizonte, surgiu a grande armada de navios de Cólquida. Liderando a esquadra assassina estava o rei, pai da filha e do filho fugitivos.”
“Os inimigos se aproximavam rápido da embarcação capitaneada pelo amor da princesa. Logo estariam todos mortos. A tripulação do herói se preparava para uma morte heróica, mas a mulher teve uma ideia. Esta se voltou para o irmão, que se chamava Absirto, e perguntou-lhe:”
“- Jurou me defender. Manténs a palavra?”
“Absirto respondeu convicto que sim e imediatamente, a corajosa princesa sacou um punhal e enterrou no coração do irmão. Ele não teve tempo para reação. Enquanto Absirto agonizava, a jovem empunhou um pesado machado e esquartejou o irmão sistematicamente. Banhada de sangue e sem ajuda dos inúteis homens da embarcação, lançou as partes do corpo do irmão no mar, não sem antes beijar os lábios da cabeça decepada em sinal de agradecimento, pois finalmente ele havia conseguido lhe ser útil.”
“A garota sabia que o pai respeitava as leis divinas. Sabia que certamente daria um enterro ao filho, apesar de também ser um fugitivo. Para cumprir o ritual fúnebre a que estava obrigado, o rei precisaria recolher os restos mortais espalhados pelo mar, cessando, portanto, a feroz perseguição. A princesa, o herói e a tripulação do navio, então, conseguiram fugir.”
“A princesa de Cólquida, assim, salvou o herói pela segunda vez, sem contar que o levou até o tesouro de que tanto precisava. Mas para ela, isso não signifacava nada, pois o que importava realmente era o amor que sentia pelo herói e que ele sentia por ela, algo que nunca teve. Nada era demais para tê-lo perto de si, tudo era insignificante quando confrontado ao amor”.
“Dias depois, ainda em alto mar, a tripulação do navio Argos passava desavisada perto da ilha de Creta, quando uma criatura metálica monstruosa atirou uma pedra contra a nave. Não fosse a perspicácia da donzela, que rapidamente empunhou o timão e mudou a direção do navio, o barco teria sido atingido e todos, consequentemente, teriam morrido esmagados ou afogados. Talos, a criatura metálica, irritada, pois não costumava errar, preparava-se para atirar outra pedra gigante nos forasteiros inoportunos, quando a princesa feiticeira, célere e para salvar não a si própria, mas ao companheiro, invocou os favores da deusa Hecate. Logo surgiram cãos infernais do fundo do mar. Os canídeos rapidamente atacaram e destruíram Talos antes que este pudesse lançar o derradeiro e letal ataque. Mais uma vez, a princesa havia salvado o herói e a tripulação de marmanjos.”
- COF, COF.- O outro filho tossiu. Cospiu sangue. A mãe imediatamente limpou e continuou a história.
“Logo o casal, separando-se da tripulação, partiu para Iolco, na Tessália, onde o herói deveria entregar o tesouro, o Velocino de Ouro, e finalmente conquistar o trono de rei, coroando como rainha a prestativa companheira. Todavia o herói foi enganado e banido da ilha pelo tio. O velhaco chamava Pélias. Este havia matado os pais do herói e usurpado o poder.“
As crianças estavam ficando sem ar. Queimavam de febre.
“Todavia, a amorosa namorada do herói tomou para si as dores daquela vergonhosa e nefasta traição. Fez uma visita noturna às filhas do rei. Valendo-se de suas artes mágicas, a feiticeira, diante dos olhos atentos das filhas adolescentes de Pélias, matou um velho e esquálido cordeiro, esquartejou o bicho e jogou os restos mortais em uma caldeira. Depositou alguns condimentos mágicos no vasilhame e mexeu. Minutos se passaram e logo surgiu do caldeirão um jovem e robusto cordeiro. Cheio de energia e vigor. Belo e viril.”
Uma das crianças vomitou todo o remédio que havia tomado.
- Minha barriga, mãe. O medicamento.. – Tentava dizer inocente, enquanto lutava contra a dor insuportável no estômago.
“Depois do alvoroço e da surpresa das garotas, a bruxa e as moças acordaram que fariam o mesmo com o caquético Pélias. As jovens queriam ver o velho remoçado, pois caso ele morresse, o que não demoraria, face à avançada idade, haveria uma guerra civil em Iolco e o futuro delas seria incerto. Muita discussão, medo e insegurança acompanharam o sombrio grupo até o quarto de Pélias, mas a feiticeira manteve as garotas firmes no propósito, lembrando que elas seriam as maiores beneficiadas pela manobra. Chegando ao quarto, sob a luz fraca de uma vela, viram as expressões acabadas daquele velho moribundo. Todas empunharam um machado e, então, fizeram picadinho do velho. Logo, correram até o caldeirão e jogaram os restos mortais do velho ali. As garotas banhadas de sangue se retiraram. Pretendiam estar limpas e cheirosas para receber o pai revigorado e remoçado, mas quando voltaram, a maga não estava mais lá e do caldeirão nada saiu a não ser uma caveira assassina. A amante havia vingado o amado herói.”
Convulsão.
“Jasão e a princesa chegaram ao exílio: Corinto. Lá viveram felizes por alguns anos. Tiveram dois filhos. Entretanto, um dia, o rei de Corinto ofereceu, por razões políticas, a bela e jovem filha, Creusa, em casamento a Jasão, bem como terras e o direito de o suceder. Além disso, deveria Jasão repudiar Medeia e os dois filhos. O cretino concordou. Chegou em casa e mandou a mulher embora com os filhos. Não o incomodou o fato de a companheira não ter para onde ir. Não o incomodou o fato de que uma mulher com duas crianças pequenas não teria chance alguma naquele mundo grego hostil, bélico e dominado por homens movidos por guerra. Acusou-a de diabólica e assassina. Chamou-a de relaxada, pois Medeia jamais conseguiu voltar a ter o corpo que tinha antes da gravidez. Não deixou que a furiosa esposa o agredisse. Derrubou-a no chão. A contragosto, jogou no piso poucas moedas para que a companheira e as crianças tivessem como partir imediatamente daquela cidade, asseverando que não se responsabilizaria pelas consequências da desobediência.”
A mãe pressionava a cabeça dos filhos contra a cama para que não caíssem no chão, visto que se debatiam de dor.
“Medeia, depois de ter se entregado a Jasão, depois de ter traído o pai e a terra natal para ficar ao lado daquele que amava, depois de ter matado o irmão, depois de ter salvo Jasão tantas vezes, depois de ter tomado suas dores, depois de o ter vingado, depois de ter dado dois filhos ao maldito, agora estava sendo repudiada. A demônia, assim, chegou à óbvia conclusão: vingança. Acabaria com os sonhos de Jasão, destruiria tudo que lhe fora prometido, dar-lhe-ia um futuro pobre e decadente diferente do que o cretino buscava e extinguiria os frutos do ingrato.”
Os olhos dos garotos ameaçavam pular pelas órbitas.
“No dia seguinte, mandou que os filhos levassem um vestido para a filha do rei de Corinto e que só saíssem do palácio quando a jovem tivesse vestido o presente. Assim que Creusa colocou a roupa desgraçada, chamas surgiram e envolveram todo o belo corpo da jovem, bem como se espalharam por todo o palácio, matando os moradores, inclusive o rei de Corinto.”
Veias negras, que partiam da barriga dos garotos, tomaram conta de todo o corpo. Subiam pelo pescoço, alastravam-se pelos membros. As crianças verteram lágrimas de sangue. A respiração era precária e angustiante. Gritos e gemidos se sucediam.
“Os filhos de Medeia voltaram correndo e assustados para a casa. A mãe, porque não queria que restassem quaisquer resquícios da passagem de Jasão pela Terra, porque temia que os filhos fossem esfolados e mortos pela população revoltada daquele até então próspero reino e porque ela havia dado a vida àquelas crianças, sentiu-se no direito e no dever de tirá-la. Fim”
Silêncio e inércia.
Feliz Dia das Mães!
