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Lúcifer e a conspiração dos arcanjos – Parte 8

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Obra protegida por direitos autorais.

Vide parte 7

 

 

“Sim, o esnobe não queria admitir. A ideia de minha autoria foi vetada sem qualquer fundamento. Presidente honorário de merda! Óbvio que se o Purgatório fosse suprimido haveria almas de péssima qualidade para consumo, mas os cálculos atuariais que fiz, que são precisos, revelam que a relação custo-benefício valeria a pena. A grande maioria das almas são aptas para consumo. Para que passar por todo o processo de triagem? Que mal haveria se uma ou outra contaminação ínfima ocorresse? Burocrata de merda! O importante é que haja variedade e estoques suficientes de almas para a população sem os entraves administrativos. Não importa que eu tenha que estimular guerras na Terra nem a matança desenfreada de animais. A Humanidade é a maior praga que já surgiu por aquelas bandas. Os terráqueos se proliferam como ratos. Ocupam tudo, como se fossem água depositada dentro de um objeto continente. Por onde passam deixam um rastro de sujeira e poluição. Qual o problema em matar seres que ao longo do tempo tendem a pender para a individualidade? Encheremos nossos estoques e controlaremos a população humana de forma a atender a crescente demanda do Paraíso. Além disso, não sujaremos as mãos dos seres celestiais com o sangue vermelho, impuro. Apenas jogaremos uns contra os outros. Precisamos usar melhor nossos principados na Terra! A função deles é intervir na política humana. Acredito que estejam ociosos demais lá”.

 

almas

 

Quando terminou de ler este excerto, o necromante se sentiu estranho. Percebia algo diferente dentro de si. Algo que tomou seu corpo por dentro, a partir de seu centro de gravidade. “Sim“, pensou, “o livro me deixa mais poderoso“. Depois da aflição de suas primeiras reflexões, sentiu que durante a leitura seus poderes evoluíram e que a área de percepção de seus sentidos havia aumentado. Passou a sentir as carcaças de animais, de homens e de demônios mortos fora dos limites da construção que o abrigava. Sentia-se capaz de controlar mais cadáveres ao mesmo tempo. Sentia que poderia invocar mais almas de uma vez. Enfim, sentia-se mais poderoso e mais confiante. O medo de ser considerado burro tinha se esvaído. Ergueu a fronte e olhou confiante para o Papa.

 

– Ótimo. – Disse o Papa contente e aliviado. – Você está pronto para sua missão.

 

O necromante, então, ouviu muitos passos e sussurros atrás dele. Virou-se. Viu muitas pessoas e muitos anjos. Hermes estava ali e parecia estar bem, ainda que ao lado dele estivessem dois demônios. Ele não estava com medo. Aliás, conversava animadamente com os dois anjos caídos, que não pareciam tão demoníacos como a maioria. Ao lado dele estava o arcanjo Miguel, visivelmente contrariado, lançando olhares furiosos para todos, em especial para o demônio ao lado do Papa. Penélope acompanhava o pai. Ela estava muito assustada e com medo. Havia outro arcanjo ao lado de Miguel, com um olhar igualmente grave e odioso. Parecia estar brigado com o pai de Penélope. O demônio gigante fechava o grupo montado em uma besta, que se assemelhava a um tigre, com o tamanho de um mamute, em permanente estado de combustão, cujas chamas ardiam e provocavam grande calor no imenso ambiente.

 

Abigor, querido, há quanto tempo. – Disse o demônio sentado no trono.

 

abigor_demonio

 

Abigor, portando o seu grande estandarte, sorriu. Lançou uma imensa bola de fogo, que havia se formado na sua mão livre, contra a parede que estava atrás do trono. Tal esfera flamejante passou por cima do necromante, do demônio e do Papa. Sucedeu-se uma grande explosão e o Papa foi atirado para longe. Toda a estrutura ruiu. Assentada a poeira, um imenso buraco na parede apareceu. A fissura guardava uma paisagem inóspita e hostil. O céu era avermelhado e havia pontos se movendo nele, como se fossem grandes aves voando a quilômetros de distância. A terra era negra e ao longo do horizonte existiam focos de incêndio e rios de lava derretida. Havia estacas com caveiras nela penduradas e uma ou outra pessoa em chamas correndo e gritando ao fundo. O cheiro de enxofre era intenso, mas não insuportável. Ouvia-se ventos zunindo misturados a gritos de pavor. Havia também um grande palácio ao fundo do cenário, no topo de uma colina. Era uma visão desoladora e soturna. Todavia, o que mais chamou a atenção do necromante era que o Inferno não passava de um deserto. Era apenas um local malcuidado, hostil e fedorento, mas plenamente habitável se houvesse uma terraformação ou mesmo uma mera administração razoável. Agora entendia o que queriam dizer uma parte dos seguidores da Igreja quando se referiam ao Inferno: era apenas um lugar sem Deus. Embora Deus, segundo essa mesma corrente fosse onipresente, ali, por algum motivo, não estava. De todo modo, para o necromante, e com base nos preceitos religiosos da própria Igreja, havia mais coerência e razoabilidade na ideia de que aquele local diante dele fosse um lugar sem Deus, e não um lugar de sofrimento eterno, como era ensinado covardemente para crianças, com o fim de que elas se tornassem tementes a Deus e tomassem parte no rebanho sem a possibilidade de maiores questionamentos, transformando-as na próxima geração de marionetes temerosas de desagradar os pais repressores, apesar de se dizerem críticas já na idade adulta.

 

Pois bem. – Disse o demônio que sentava no trono. – Vamos! – Levantou-se e entrou no Inferno atrás dele. O arcanjo Miguel, por seu turno, chamou o necromante.

 

Tome! – Entregou-lhe sua espada, a “Retaliadora de demônios”. – Cumpra sua missão e depois proteja minha filha. Fuja imediatamente com ela. – O tom era de ameaça. O necromante sentiu que se acontecesse qualquer mal à Penélope, ele estaria morto. – E se me desobedecer de novo, eu mesmo tirarei tua vida. – Acrescentou Miguel.

 

espada-de-miguel

 

O anjinho estava nervoso e muito assustado. Portava uma espada e um colete dourado, estando armado para a batalha. Qualquer barulho ou movimento estranho deixava Penélope muito agitada. O outro arcanjo olhava Miguel com desprezo e quando o viu entregar sua espada ao necromante, a um humano, ficou estupefato, mas, ainda assim, nada disse, embora fosse fácil constatar que gostaria de blasfemar contra o pai de Penélope. A espada do arcanjo Miguel era prateada nas bordas e dourada no centro, bem como cravejada de inúmeras joias. Era pesada. Empunhando-a, o necromante sentiu uma paz interior muito grande. O cheiro de enxofre havia diminuído rapidamente e a perturbação que aquele demônio magro e aparentemente inofensivo havia provocado se mitigara ao empunhar a arma.

 

– O que está acontecendo? – Perguntou o necromante ainda sem nada saber.

 

O arcanjo nada respondeu. Hermes, pelo contrário, veio ao encontro do necromante e o abraçou.

 

– Está tudo bem com você? E esses demônios? – Sussurrou o necromante olhando para as criaturas que estavam logo atrás do amigo.

 

– Está sim. Estou ensinando a eles como enriquecer sem precisar roubar e matar ou abrir igrejas em cada aldeia humana. Matando e roubando eles jamais conseguirão grandes fortunas. Abrindo mais igrejas, manterão a civilização humana atrasada e pobre, o que ocasionará limitações insuperáveis à pretensão de enriquecer. Expliquei como poderia funcionar alguns institutos que ao longo dos anos bolei para enriquecer: a letra de câmbio e as instituições financeiras. Isso será muito útil para eles enriquecerem e darem segurança às pessoas que precisam de um lugar seguro para depositar seu dinheiro e de uma forma segura e rápida de negociar… mas isso, é claro, se a humanidade não for destruída, o que, me parece, depende muito de você.

 

– O que você sabe? Diga-me! – Não se conteve o sempre contido necromante.

 

Vá! – Ordenou o arcanjo desconhecido ao necromante. – Quando a hora chegar, tu serás instruído de como proceder. – O mesmo arcanjo empurrou levemente o anjinho que estava petrificado de pavor. O fato incomodou muito o arcanjo Miguel que quase explodiu de raiva.

 

Então o necromante partiu e, atrás dele, Penélope, tremendo e empunhando sua pequena espada, a “Contos de princesa”.

 

Bem-vindos ao Inferno. – Disse o demônio que havia sentado na cadeira do Papa. O necromante percebeu que aquilo se tratava de um portal, um portal para o Inferno! Seria uma das várias entradas indicadas por Penélope? Ela não havia mencionado esta passagem. Talvez não a conhecesse. Assim que passaram pelo portal, o buraco aberto na parede da Santa Sé era, no Inferno, um buraco aberto no pé de uma montanha, como se fosse um “buraco de minhoca”. Causava estranheza ver aqueles que eles deixaram para trás. Eles ainda estavam dentro da Igreja, tão perto e tão longe.

 

Logo apareceram três cães infernais. Os animais lembravam aqueles que Abigor montava, entretanto eram muito menores, do tamanho de cavalos e com a aparência de lobos, mas não pegavam fogo. O demônio-líder saltou no primeiro e partiu em disparada. O necromante, receoso, fez o mesmo. Nos animais havia pelos longos no pescoço, como se fossem crinas equestres, e neles se segurou Lúcifer, pois percebeu que os bichanos atingiam altas velocidades. Aquelas bestas infernais corriam como guepardos – o demônio que seguia à frente era balançado impiedosamente. Penélope, ainda assustada, olhou para trás e viu seu pai amargurado do outro lado da passagem. Miguel acenou, ordenando que ela fosse atrás do demônio, olhou ameaçadoramente para o necromante e virou-se, sem olhar para ninguém mais. Penélope bateu asas e voou até o monstro que a levaria. Seu pai lhe dissera para não voar e não sair de perto do demônio até o necromante cumprir a missão.

 

cao-infernal

 

Abigor gargalhou.

 

Os três correram em direção àquele palácio que se via no horizonte. O necromante nunca viu Penélope tão assustada. Ele já havia presenciado o medo de seu anjo da guarda quando a filha de Miguel descobriu seu verdadeiro nome; também já havia experimentado seu ódio e sua alegria. Também sabia como era o sentimento de culpa da garota celestial, mas jamais viu a filha do arcanjo naquele estado deplorável. Por que ela estava naquela missão? Estava mais pálida do que alguns dias atrás quando descobriu o verdadeiro nome do herói, ostentando um branco mais branco do que o dos anjos. As janelas da alma de Penélope estavam fundas e bem abertas. A garota não falava, não respondia às perguntas do necromante e não soltava a “Contos de princesa” de sua mão. Apenas olhava diretamente para o demônio que estava com eles. Seria ele tão mau assim? Seria tão perverso ou poderoso? Lúcifer não sentia qualquer poder ameaçador provindo dele. Pelo contrário, sentia que poderia acabar com o guia a qualquer momento e assim estava prestes a fazê-lo. Tiraria a verdade da boca dele assim que parassem e, então, partiria em busca de Esmeralda.

 

Para o necromante, o Inferno não parecia ser tão perigoso assim. Sentia-se menos oprimido ali do que na Santa Sé. Aliás, estava quase deserto. Estava abandonado. Lúcifer sempre achou que ele fosse um lugar pulsante e violento, povoado por demônios e almas expiando seus pecados… Ficou um tanto decepcionado.

 

Enquanto corriam velozes pelas pradarias mortas, os viajantes perceberam que a paisagem era monótona. O necromante notou muitas criaturas sinistras observando-os. Também viu muitos demônios caídos, mortos e mutilados. Batalhas ocorreram ali. Também viu uma ou outra criatura queimando e gritando, correndo aleatoriamente. Os invasores já estavam perto da entrada do palácio quando, repentinamente, o demônio-líder que indicava o caminho virou à esquerda e entrou por detrás de algumas pedras. Os animais que levavam o necromante e Penélope seguiram o mesmo caminho. Essa virada brusca fez Penélope emitir um gritinho. Estava praticamente abraçada no pescoço do animal. O necromante se aliviou ao vê-la ainda sobre o animal, mas se consternou com o estado patético do anjinho. Teria graves problemas psicológicos no futuro. A velocidade ali, atrás das pedras, para alivio de Lúcifer, era menor e, assim, Penélope não corria mais o risco de cair e de ser devorada por criaturas rastejantes de olhos famintos pelas quais passaram e passavam.

 

Sem a correria, o necromante pode notar melhor a paisagem. Havia muitos sinais de violência, corpos mortos, espadas quebradas e símbolos cabalísticos espalhados por todos os lugares. Naquele lugar não havia vida. Aridez total. O cheiro de enxofre se impunha constantemente. O calor era intenso. Corpos empalados, divididos ao meio, comidos, pendurados e presos a estacas faziam parte do cenário. O estômago do necromante dobrou inúmeras vezes. Queria manipular todos aqueles corpos e restos de corpos para longe, não só porque ele os achava repulsivo, mas por causa de Penélope. Entretanto, ela ignorava todas essas imagens, estando cada vez mais abatida, como se uma doença a estivesse consumindo por dentro, como se suas forças estivessem deixando seu corpo. Aquilo era estranho. Começou a duvidar de que ela tivesse visitado o Inferno várias vezes para brincar. Esse não poderia ser o problema.

 

Andaram por mais de uma hora, de forma lenta e silenciosa. Nenhuma palavra foi dita. Na frente, seguia o demônio, fazendo gestos e sinais para que não fosse feito qualquer barulho. Seguia ele por várias trilhas pedregosas e desertas. O necromante caminhava entre o demônio e Penélope. Fadigada, os olhos negros do anjo se fechavam voluntariamente. Segundos depois, eles se abriam e ela se repreendia por tê-los fechado. O ar de tensão, de certa forma, dominava os três. Perto da lateral do palácio, o necromante percebeu que na frente dele havia uma espécie de nuvem flutuante enorme ancorada, como se fosse um barco. Neste momento, o demônio-guia mandou que saltassem de suas montarias e disse que seguiriam a pé, abaixados. Adentraram o caminho ladeado por pedras e se esgueiraram por ele, quase deitados. Aproximaram-se mais do destino, que, segundo fazia crer os gestos do demônio, era o palácio. Já estavam quase ladeando o castelo, quando, por uma fresta, o necromante olhou novamente em direção à nuvem. Lá viu algo que o chocou. Não quis acreditar. Havia centenas, talvez milhares de anjos parados, como se guardassem a nuvem e como se estivessem esperando algo ou alguém. Dentro da pluralidade de criaturas celestiais, algumas, que estavam na proa da nuvem, chamaram mais a atenção, pois a estatura, as asas e a imponência delas eram iminentes; e dentre essas criaturas mais desenvolvidas, mais até que os arcanjos, uma chamou mais a atenção de Lúcifer. Será que era ele? Será que era Menadel? O que estaria um sem número de anjos e algumas potestades fazendo parados na frente daquele palácio? Era visível que o demônio que o conduzia queria evitá-los, embora não mostrasse qualquer medo. O demônio era extremamente frio e parecia saber exatamente o que fazia. Penélope, suja de terra preta e com pequenos filetes de sangue azul saindo dos joelhos, lenta e quase rastejando, continuava concentrada e tensa. Não fez qualquer menção de pedir socorro e não largava a “Contos de princesa”.

 

moloch-demonio

 

O que estava acontecendo? Era o que o necromante se perguntava. Qual sua missão? Qual a utilidade da coitada ali? Quem era aquele demônio de quem pretendia obter informações e depois matar? Por que o arcanjo Miguel fez aquilo com a própria filha? Onde estaria Esmeralda? E por que diabos aquelas atitudes estranhas dos arcanjos e agora das potestades? Qual o motivo daquela tolerância e daquela cooperação entre entidades que deveriam se excluir mutuamente? Até aquele momento, o necromante tinha claro na mente que os arcanjos tinham traído os serafins, mas, ao ver a nuvem-embarcação, já não tinha mais certeza de nada. O que faziam naquele castelo?

 

Ladeando os muros do grande palácio, o necromante esperava uma boa oportunidade para atacar o demônio e fazê-lo falar. Depois o mataria e tentaria conversar com Penélope. Extrairia alguma informação dela. Precisaria dar um fim naquilo e seria naquele momento, com a proteção e solidão que os muros do palácio proporcionavam… Tocou a espada para atacar o demônio, mas este virou-se repentinamente e indicou que ali havia uma passagem secreta. O necromante hesitou. Pediu, então, o demônio que se afastassem em silêncio. Puxou uma alavanca que parecia um adorno do muro e uma escada surgiu na parede. Subiram-na até alcançarem um corredor estreito. Estava tudo escuro e o ar era poeirento. O silêncio só era rompido por sons de objetos, talvez ossos, sendo quebrados por aqueles transeuntes sorrateiros. Desceram e subiram, viraram à esquerda e à direita. Por sorte, a “Retaliadora de demônios” do arcanjo Miguel emitia um brilho pálido e ao perceber isso, o necromante a desembainhou para que o ambiente ficasse mais claro. As paredes eram feitas de blocos de pedra, dando a impressão de que estavam em uma masmorra. Havia centenas de ossos margeando o caminho secreto, que se quebravam ao serem pisados, bem como muitas teias de aranha. Mais alguns minutos de descidas e subidas e várias voltas se passaram até que o demônio pediu que o necromante guardasse a espada. Estava chegando a hora. Deram mais alguns passos na escuridão. O necromante só ouvia a respiração ofegante de Penélope até que o estalar de uma trava se fez ouvir. Imediatamente, uma porta se abriu na frente deles. Uma luz avermelhada, emitida por várias tochas acessas, inundou a passagem secreta. Os três saíram e correram na ponta dos pés pelo grande corredor vazio. No fim dele, havia uma porta lateral da qual saia uma luz amarelada, como se fosse a luz solar. O demônio, na frente de ambos, parou a poucos metros da porta lateral. O necromante ouviu algumas vozes distantes, mas não pôde entender o que falavam. Antes que Lúcifer pudesse perceber, o demônio, aproveitando a distração, havia dominado Penélope e posto a espada que ela própria portava em sua garganta. O necromante fez menção de puxar a sua espada, dada pelo arcanjo Miguel, para atacar, mas o demônio fez um gesto com a mão pedindo silêncio, tapou a boca do anjinho e então começou a falar em tom baixo:

 

Escute, eu não farei nada de mal com ela, desde que cumpra sua missão. Preciso que se concentre. Use os poderes de necromante e encontre um corpo adormecido, sem alma, nas proximidades. É um corpo do qual emana muito poder. Use suas habilidades de controlar corpos sem vida e traga-o para mim, sem que as pessoas que estão na sala ao lado percebam. Depois disso, você e sua amiga podem sair daqui.

 

necromante

 

O necromante estava irritado, desconcentrado e ansioso para saber o que acontecia. Queria dar um basta em tudo aquilo. Penélope com sua própria espada no pescoço e impossibilitada de gritar, apenas chorava e esmorecia. Os olhos estavam fundos. Aquilo tudo era muito para ela. O necromante não tinha outra opção: não sabia onde se encontrava e estava prestes a perder sua amiga se não obedecesse.

 

Seguiu em frente, pé ante pé. Tentou sentir o tal corpo, mas não havia achado nada. A porta lateral de onde emanava a luz de brilho áureo estava ficando próxima. Não havia como ultrapassá-la e seguir no corredor sem ser visto. Então quase no batente da porta ouviu uma mulher agredindo verbalmente outra mulher:

 

Vadia! Vagabunda! – Ouviu um tapa sendo desferido no rosto de alguém. – Assim que eu tiver certeza de que Lúcifer foi derrotado, você será torturada pelo resto da eternidade por mim. Esse seu belo rosto será tostado no Lago de Fogo e seu corpo jogado em meio aos demônios sedentos por sexo. Eu ficarei vendo você ser estuprada pelo resto da eternidade. – Gargalhou.

 

Papai está acabado, sua velha rapariga. Metatron é o novo senhor do Céu e do Inferno. Se quiser, eu dou um jeito nela. – Riu a voz masculina.

 

Mammon está certo, Lilith, por que tanto receio para acabar com Esmeralda? Eu estou aqui e Lúcifer é covarde demais para me enfrentar abertamente, ele já está derrotado…

 

lilith

 

A mente do necromante se desligou do mundo ao ouvir o nome de Esmeralda. Será que era ela? A Esmeralda por quem se apaixonara? Precisava ter certeza e precisava vê-la. Mas voltou de suas reflexões, porque ouviu um gemido. Era Penélope. De sua garganta escorria o sangue azul dos anjos. Mais um pouco de pressão e o ferimento seria letal. Lúcifer precisava se concentrar para encontrar o maldito corpo e o trazer para aquele demônio que, ao perceber sua hesitação, encarava-o com fúria. Os olhos do parceiro malsinado ardiam em chamas. O necromante sentiu um frio na espinha, pois experimentava naquele momento todo o terror que jamais sentiu. Um poder enorme começou a emanar daquele demônio, que disse rispidamente:

 

O corpo, o corpo, eu preciso do meu corpo.

 

Sem entender nada, motivado pela possibilidade de ver Esmeralda e de salvar Penélope, alheio às brutalidades verbais que provinham da sala ao lado, Formol se concentrou o máximo que pôde e finalmente sentiu o corpo que estava, pasmem, na sala ao lado, próximo de onde partira a última voz que ouvira, a voz de Metatron.

 

Admirou-se por não ter percebido antes a presença desse corpo, que agora era tão clara e evidente. Algo, algum poder, bloqueava-o. Voltou-se para o demônio e disse, por gestos indicativos, que o corpo estava na sala ao lado. O demônio, sem soltar Penélope, resmungou:

 

Não era para o meu corpo estar ali. Maldito Metatron! Vilipendiou e profanou meu corpo. Eu te matarei desgraçado. Temos que ser rápidos! – Tomou a frente do necromante, ficou rente à porta, tanto que a luz dourada quase tocava sua pele repugnante. Pronto para invadir o salão ao lado, com Penélope ainda nos braços, continuou sussurrando. – Agora é tudo ou nada, entrarei correndo pelo salão. Faça com que o corpo venha até mim, o mais rápido que puder, senão todos morreremos. 

 

O necromante assentiu e pretendia reivindicar a vítima dominada por aquela criatura abjeta, quando o demônio gritou:

 

Agora idiota!

 

O demônio jogou Penélope para dentro do salão e correu. O necromante fez com que o corpo pretendido se levantasse rapidamente e fosse em direção daquela criatura vil:

 

Maldito!

 

Um forte clarão vermelho e amarelo saiu do salão, quase cegando o necromante que entrava na sala após ter cumprido o seu propósito. Milésimos de segundos se passaram. O necromante se recuperou e ingressou, esbaforido e pronto para tudo, no cômodo. Então veio o choque: viu o corpo que manipulara, de pé, com quase 3 metros de altura, portando uma enorme espada negra, com faixas cinzas, da qual emanava uma aura acinzentada. Era uma espécie de anjo perfeito, belo, extremamente evoluído e superpoderoso, com muitas e enormes asas. Um poder que jamais sentiu estava ali naquele salão opaco, morto e avermelhado. Como se isso não bastasse, em frente a ele, estava outro ser igualmente belo, perfeito e poderoso, também brandindo sua espada, dourada com sete estrelas na empunhadura, emanando uma aura branca. Sentiu que um e outro eram iguais em tudo, mas, paradoxalmente, antagônicos. Um clima de tensão mortal deitou sobre os dois e cada vez mais o necromante sentia o poder, no seu mais alto grau de pureza, emanar daqueles dois seres. Eles se odiavam e logo se chocariam, levando tudo e todos para a destruição. Percebeu também que a presença de um deles, a do corpo que movimentara a pedido do demônio, lhe era familiar: tratava-se da mesma presença que sentira na caverna; tratava-se de Lúcifer, só que agora muitas vezes mais poderoso.

 

lucifer

 

Olhou para um corpo estendido no chão logo a sua frente e aos pés do anjo caído. Era o demônio que estava junto a ele momentos atrás. Esse demônio se levantou lentamente e ainda atordoado. Então olhou para o lado e viu Penélope caída e desmaiada. Dirigia-se para resgatá-la, ao mesmo tempo em que a imagem do olhar terrível do arcanjo Miguel aparecia em suas memórias, quando ouviu, do outro lado do ambiente, alguém chamar seu nome. Era Esmeralda.

 

CONTINUA…

(Já foram 83 páginas de 191 escritas!)

Leiam A Nova Teogonia Livro I e Livro II, de minha autoria.

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