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Lúcifer e a conspiração dos arcanjos – Parte 9

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Vide parte 8

 

– Formol, por que você demorou? Tire-me daqui agora! – Ela gritou peremptória. Ao virar-se Lúcifer a viu correndo para seus braços. “Ela estava mais linda do que nunca“, pensou o salvador, mas também viu que a mulher que agrediu verbalmente Esmeralda, a mesma de seus pesadelos, avançava para atacá-la pelas costas com uma adaga dourada cravejadas de diamantes. Lúcifer atirou nela sua esfera de energia verde. Esmeralda o alcançou e o abraçou. Ambos trocaram olhares significativos e se beijaram, porém sabiam que precisavam sair logo dali. O necromante pegou Penélope nos braços, olhou mais uma vez para a situação e viu o início de uma árdua luta entre Lúcifer e Metatron. O demônio que estava com ele, por seu turno, preparava-se para atacar Mammon, que ainda estava assustado com tudo o que acontecia. À primeira vista, Mammon chamou bastante atenção do necromante, mas depois o herói achou o inimigo fútil em razão do grande número de joias, ouro, prata e outras bijuterias que portava em seu corpo arredondado e em razão do medo covarde estampado em seu rosto ao ver Lúcifer ali. Mammon não passava uma imagem de imponência nem de riqueza, mas sim de uma pessoa, ou demônio, superficial e fraco, diferente de Lúcifer, de Metatron ou de qualquer outra entidade celestial ou demônio que já havia visto. Lilith, o demônio que havia sido alvejado por Formol, estava se levantando irada – seu cabelo havia sido bagunçado. Esmeralda já estava correndo pelo corredor há um bom tempo. Só então o necromante notou que havia mais cinco mulheres-demônios na sala, todas seminuas e todas muito atraentes, mas com ódio estampado nas expressões. Elas se levantaram, mostrando as garras e os dentes vampíricos desenvolvidos, esperando apenas as ordens de Lilith. O necromante correu atrás de Esmeralda, carregando Penélope desacordada entre os braços.

 

– Onde está a saída? Onde está a saída? – Gritava desesperada Esmeralda.

 

No mesmo momento, o necromante sentiu que as sequazes de Lilith e a própria Lilith os seguiam pelo corredor. Penélope estava pesada. Seria facilmente alcançado. Deixou o anjinho no chão, disparou suas esferas verdes e desembainhou a espada de Miguel. Ele teria que aprender a manejá-la ali. Todavia, inúmeras explosões ocorreram. Elas vinham da sala onde estavam Metatron e Lúcifer e também do lado de fora do palácio. As paredes começaram a ruir. Uma grande explosão destruiu parte do corredor, o que fez com que pedras caíssem sobre as capangas de Lilith. As perseguidoras recuaram. Abriu-se um buraco para fora do palácio. Era possível sair por ali. O necromante se voltou para chamar Esmeralda, mas ela já estava passando por ele para fugir pela abertura. Então Formol pegou o corpo inerte de Penélope e foi atrás da companheira.

 

Lá fora, o caos reinava. Arcanjos contra anjos, demônios contra demônios, anjos contra demônios. Todos haviam ficado loucos?

 

anjos-vs-demonios-wallpaper

 

– O que está acontecendo? Onde você estava todo esse tempo, Formol? Por que demorou tanto, hein? Eu quase morri nas mãos daquela depravada! – Queixava-se Esmeralda enquanto descia os escombros do palácio. O necromante não sabia o que responder, então disse:

 

– Eu achava que seu corpo tinha sido…

 

– É, não foi, Lúcifer mandou minha alma direto para o palácio dele e depois mandou que um de seus demônios leais reconstituísse meu corpo.

 

Para o necromante isso não fazia muito sentido. Talvez não tivesse entendido, visto que estava cansado em razão de tudo o que havia acontecido e em razão do peso extra que transportava e que tirava suas energias enquanto ambos corriam a esmo e desviavam de ataques, raios, explosões e partes de corpos que subitamente sobre eles caíam.

 

– Ele queria que eu fosse mais uma de suas esposas. Lilith ficou com ciúme e queria acabar comigo. Só não o fez, porque estava com medo da volta de Lúcifer. Passei dias sendo humilhada e maltratada. Quando Metatron chegou e disse que Lúcifer não seria um problema, perdi as esperanças. Só que ainda sim Lilith estava com medo da volta de Lúcifer.

 

O necromante ficou de olhos abertos. Não dava para acreditar nessa história, mas Esmeralda nunca mentia e não gostava de ser contrariada. Achou melhor acreditar.

 

Estavam correndo pelos jardins de ervas daninhas do palácio quando os muros entraram em colapso. Por todos os lados apareciam demônios. Eles estavam invadindo as muralhas do palácio e destruindo tudo. Explosões ribombavam por todos os lados, sem qualquer lógica ou constância. Não havia mais para onde correr. Formol e Esmeralda estavam encurralados. Porém, do nada, sofreram um forte impacto nas costas, Penélope havia caído dos braços do necromante, mas logo estavam todos voando em meio ao fogo cruzado, nos braços de três arcanjos: Miguel, Rafael e aquele que parecia odiar Miguel. Em volta deles, o necromante percebeu a presença de mais quatro arcanjos que abriam caminho entre os demônios e anjos que ousavam atacar o grupo. Os agressores eram inexoravelmente eliminados. Os poderosos arcanjos eliminavam os inimigos de tal forma e com tal habilidade que era fantástico vê-los. Os sete alados formavam uma verdadeira esquadrilha no ar, treinada, harmônica e letal. Durante o voo, o necromante viu um exército de milhares de demônios marchar em direção ao palácio. Percebeu também que todos os anjos estavam batendo em retirada. Sentiu, outrossim, vários poderes à espreita em algum lugar do Inferno. Essa constatação lhe causou estranheza, pois não participavam do contexto caótico de lutas. Depois sentiu uma grande massa de poder em fuga deixar o palácio: Metatron. Porém, sua atenção na movimentação dos poderes no Inferno foi interrompida bruscamente. O arcanjo Miguel, que carregava o necromante, gritou desesperado:

 

Uriel, não!!!!!!!!

 

Imediatamente, o resgatado olhou para frente. Um dos arcanjos foi pego por vários demônios. Lúcifer pouco pode ver. Assistiu apenas Uriel e seus inimigos se atracarem violentamente e caírem na terra árida. Centenas de demônios o encobriram.

 

Não! – Grunhiu consternado o arcanjo Miguel. – Não, isso não está acontecendo… Maldito seja Lúcifer. – “A quem ele se referia?“, perguntou-se o necromante preocupado.

 

Precisamos voltar para resgatá-lo. – Clamou Rafael em claro sinal de desespero.

 

Não! Ele já está morto! Tu sabes disso! – Advertiu o arcanjo que sempre olhava impiedosamente para Miguel.

 

Os seis arcanjos remanescentes continuaram sua trajetória, rumo ao portal. Nada poderia ser feito por Uriel.

 

arcanjos

 

Em seguida, o necromante sentiu o poder de Lúcifer explodir triunfante. O líder do Inferno havia espantado Metatron de seus domínios. Imediatamente, uma chuva de fogo e meteoros começou a cair. Os arcanjos tiveram muito trabalho para desviar das bolas de fogo que caíam aleatoriamente do céu do Inferno. Vulcões ao longo do horizonte, outrora adormecidos, despertaram triunfantes, expelindo línguas de lava fumegantes e nuvens piroclásticas quilométricas. O grande portal estava se aproximando. Os fugitivos precisavam sair dali o mais rápido possível, pois uma onda de fogo de milhares de metros de altura havia sido lançada por todos os lados a partir do palácio onde se encontrava o senhor do submundo.

 

Entraram pelo portal encravado no pé da montanha e saíram no interior da Santa Sé. Voaram rapidamente para fora do templo. A onda de fogo chegou e adentrou a Igreja, derretendo as toneladas de ouro que nela existia. Toda a catedral gigantesca caiu em ruínas e tapou com os escombros aquela entrada para o Inferno.

 

Enfim, os três conseguiram fugir do Inferno e de Lúcifer, mas a um alto custo. Um arcanjo havia sido abatido e morto: Uriel.

 

Droga! Droga! Estamos perdidos! Aquele traidor, ele não esperou, ele não esperou. Vou matá-lo com minhas próprias mãos. Vou atirá-lo no Lago de Fogo! Desgraçado! – Gritava ajoelhado o arcanjo Rafael, esmurrando o chão, após ter soltado Esmeralda na terra firme.

 

Havia esse risco, o de trocarmos um anjinho imprestável por um de nós. Todos estávamos cientes dele. Uriel morreu como um arcanjo, lutando, ainda que sua missão já tivesse sido cumprida. – Disse o arcanjo que carregava Penélope. – Ele jamais escondeu nada de nós. Ele era o mais honrado de todos nós. Era o mais leal de nós. – Olhou com desprezo para o arcanjo Miguel a quem eram dirigidas as amargas palavras.

 

O arcanjo Miguel ficou furioso. Pousando, largou o necromante no chão e pegou sua espada.

 

Gabriel, dê minha filha agora! – O arcanjo Gabriel, desdenhoso, entregou Penélope para Miguel. – Estou cansado de tuas indiretas e provocações. Eu errei, não minha filha. Não deixarei que tu a envolvas nessas loucuras novamente. Não tenho culpa pela morte de teu filho e Uriel não foi coagido em momento algum. Se precisar, matar-te-ei agora!  

 

Venha covarde!

 

Miguel ameaçou atacar, mas foi detido por uma exclamação.

 

– Já chega! – Gritou Esmeralda. – Eu quero saber o que está acontecendo aqui.

 

Gabriel apontou sua espada, chamada “Uma mensagem para ti”, para o rosto de Esmeralda e disse com desprezo:

 

A futura prostituta de Lúcifer não tem o direito de se dirigir aos arcanjos, muito menos de ordenar que expliquem alguma coisa. Sinta-se feliz por ter sido salva por Rafael, o misericordioso. Se fosse por mim, tu, filha de Klepoth, a depravada, estaria morta.

 

Esmeralda o olhou com ódio. Por um minuto, o necromante acreditou que ela viraria um demônio. O olhar da moça era colérico, lembrando muito os olhos de vários demônios que tinham estado na frente dele.

 

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Basta! – Disse o arcanjo que logo conheceriam como Samuel. – Acredito que eles tenham o direito de saber o que está acontecendo, em especial Lúcifer, que libertou Satã de sua prisão e o levou até seu corpo. Jofiel, amigo, explique a eles o que acontece e qual é nossa situação atual.

 

O necromante sentiu algo estranho dentro de si, que logo identificou como vergonha. Era verdade, tinha libertado o rei dos demônios e entregado de lambuja seu corpo. Não quis olhar para Esmeralda, porque ela também já sabia seu nome verdadeiro. Estava acabado. Mas Esmeralda pareceu não se incomodar com os sentimentos de seu companheiro. Estava mais preocupada com a menção à sua mãe. Como Gabriel sabia quem era a mãe da pedra preciosa? Fazia tantos anos e ela mal se lembrava da genitora, que a abandonara ainda quando criança. Jofiel, ignorando as preocupações do casal, passou a relatar o que outrora havia acontecido.

 

Metatron é o Senhor do Paraíso. Foi o último serafim a surgir, porém não demorou muito para demonstrar seus inigualáveis poderes. Em pouco tempo, tornou-se a criatura mais festejada, bela e poderosa dos céus. Nem os serafins mais velhos podiam com ele concorrer. Ao perceber isso, autoproclamou-se Deus Honorário. E o sistema de rodízio de serafins no poder perdeu a relevância, embora se mantenha formalmente até hoje. Vivíamos uma ditadura velada, na qual as velhas instituições foram mantidas, sem, contudo, qualquer eficácia. Não havia como questioná-lo. Ele se considerava perfeito e, apesar do bom governo e da perfeição com que conduzia as coisas, não havia liberdade de expressão. Todavia, ao mesmo tempo em que o governo de Metatron se consolidava e que as vozes dos poucos que ousavam questioná-lo eram caladas por meio do ostracismo, surgiu, entre os querubins, um novo ser: Lúcifer. É importante dizer que, como naquela época, os querubins fazem parte da primeira hierarquia angelical como os serafins e os tronos, mas são considerados seres de segunda grandeza, abaixo dos serafins. Em que pese a tomada de poder por Metatron e da sua consolidação, Lúcifer fazia o impossível acontecer. Superava em dons e poderes os serafins, praticamente se igualando a Metatron. Criaram-se muitas expectativas em torno dele. Muitos quiseram que ele assumisse o cargo máximo do Paraíso. Metatron, contrariado e aconselhado por alguns serafins, permitiu que excepcionalmente um querubim fosse Deus, concedendo, então, a presidência honrosa a Lúcifer. Tal cargo, com o tempo, desagradou aos dois: Lúcifer não queria ser subordinado, mas naquele momento era melhor do que ter que desafiar Metatron, e este estava contrariado não só pelo fato de um querubim ter tanta influência na sociedade celestial, mas também porque aquele cargo quebrava aquilo que considerava perfeito. O querubim queria fazer inúmeras mudanças e interveio diretamente na Terra, rogando praga em povos que não acreditavam em Deus, por exemplo. Também estimulou guerras e perseguições religiosas entre os povos, pois mais fáceis de serem desencadeadas, porque baseadas na irracionalidade. Metatron o advertiu. Disse o serafim que Lúcifer deveria ter sua aprovação antes de tomar qualquer atitude, pois não aceitava que as mãos angelicais fossem maculadas com a cultura e sangues humanos. Lúcifer, é claro, não gostou, até porque era tão arrogante e orgulhoso quanto Metatron. O clima ficou tenso entre eles e cada vez mais as divergências e entreveros entre os dois seres mais poderosos do Paraíso se tornaram comuns. Metatron sentia sua autoridade ameaçada, principalmente quando Lúcifer quis alçar um querubim como sucessor dele e acabar com a presidência honorária. Metatron, então, destituiu Lúcifer do cargo de Deus Honroso e o expulsou do Céu. Todavia, o anjo caído era extremamente popular e um terço dos anjos o seguiu. Foram para um local conhecido como Inferno, onde anjos outrora expulsos haviam se refugiado. Metatron ficou furioso com a debandada, não acreditando no que havia ocorrido. Um terço dos anjos de uma vez?! Era o que repetia exaustivamente em seu âmago. Para ele, isso significava uma rebelião. Teria que acabar com Lúcifer antes que mais anjos o seguissem, mas sabia, por mais difícil que fosse admitir, que não conseguiria fazê-lo sozinho, sem riscos e em condições paritárias, pois suas forças eram equivalentes. Pensou em construir um muro ao redor do Paraíso, mas não foi necessário. Em uma emboscada surpreendeu Lúcifer, que depois de muito lutar, mesmo na forma de espírito, pois fora de seu corpo naquele momento, foi aprisionado no Grimório, que era seu diário, e jogado naquela caverna da floresta Malaica. O serafim líder também puniu todos os anjos que haviam aderido à causa de Lúcifer, infectando-os, como se fosse uma maldição. Transformou os seguidores de Lúcifer em demônios com aspectos deploráveis. Após isso, as regras no Paraíso recrudesceram. Metatron se tornou mais tirano, embora ainda mantivesse a rotatividade no cargo do poder executivo, conforme consagrado pelo direito consuetudinário, que como bom conservador apreciava, e criou uma sociedade militarizada e hierarquizada. Ela foi dividida em castas e, com isso, membros de uma hierarquia não podiam se misturar com membros de outra hierarquia. Depois de alguns séculos, nem mesmo entre os degraus da mesma hierarquia podia haver uniões. – Samuel olhou com pesar para Miguel e Penélope e depois para Gabriel. – A situação era desesperadora. Não havia liberdade e sem ela não há vida. Muitos tentaram se revoltar, mas ninguém era poderoso o suficiente para desafiar Metatron e seus leais aliados. Por séculos, muitos pensaram em Lúcifer como um libertador, nas mudanças que pretendia promover e na ideia do livre-arbítrio que havia pregado. Ele, mesmo preso, dava sinais de grande poder, inclusive tentando o filho do Deus honorário que estava na Terra. Talvez por isso, Lúcifer jamais foi esquecido no reino do céu. Todos sabiam que um dia ele se libertaria de sua prisão, mas não sabiam quando, nem mesmo Metatron, que apenas tomava as devidas precauções para prorrogar o máximo possível a volta de seu desafeto. Sabendo da possível volta de Lúcifer, que poderia ocorrer a qualquer momento, alguns descontentes conspiraram e fizeram um plano. Pretendiam derrubar Metatron usando Lúcifer assim que este viesse à vida novamente. Ajudariam o anjo caído a ficar forte e a lutar de igual para igual com Metatron. Ambos se anulariam e, fracos, após batalhas, poderiam ser jogados pelos conspiradores no Lago de Fogo, de onde, em tese, não poderiam escapar. Assim, a divisão entre anjos e demônios teria fim e a liberdade voltaria a reinar no Paraíso.

 

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– Uau. – Comentou desinteressada Esmeralda que dividia seus pensamentos entre a narrativa de Jofiel e as lembranças das duras palavras do arcanjo Gabriel. Há muitos anos não via sua mãe. A moça lembrava vagamente de seu rosto e seu pai dizia que ela era idêntica à mãe, tão bela quanto. Todavia, o pai jamais deu maiores explicações sobre a personalidade da mãe e sobre as causas que motivaram seu desaparecimento. Limitou-se a dizer que ela era uma grande feiticeira e que daí derivava seu poder sonoro. Conhecia sua mãe por Maria, mas Gabriel a chamou de filha de Klepoth, como se a conhecesse de longa data. Será que realmente se conheciam? Teria uma conversa com o arcanjo. Chamá-lo-ia de Gabriel, o grosso.

 

Lúcifer refletiu por algum tempo. O plano dos arcanjos estava quase dando certo, mas era extremamente arriscado, tendo altas possibilidades de dar errado. E se um deles fosse abatido rapidamente? E se não lutassem? Poderiam muito bem se autopreservarem e optarem por manter a atual divisão entre o Céu e o Inferno, ficando cada um no seu quadrado. O necromante resolveu não expor seus pensamentos; entretanto, acreditava que deveria existir uma opressão muito férrea para que um bando de seres celestiais tomasse medidas tão desesperadas, que provavelmente matariam milhares de anjos e anjos caídos. Resolveu, então, indagá-lo sobre outra questão:

 

– Agora eu entendo muitas coisas que estavam escritas no Grimório, mas se os arcanjos são os conspiradores, uma coisa não faz muito sentido.

 

O quê, caro Lúcifer?

 

– Enquanto você contava a história, lembrei que São Paulo o acusou de dar o alarme para a Igreja, para que ela fosse em busca dos necromantes…

 

Sim, fui, os arcanjos não são apenas generais, também são mensageiros. Não poderia desobedecer uma ordem direta de Metatron. No entanto, consegui retardar em alguns dias a ação da Igreja. Se eu tivesse cumprido imediatamente as ordens de Metatron, tu estarias morto e Lúcifer ainda preso.

 

– Como vocês saberão quando e onde ocorrerá a luta entre Metatron e Lúcifer? – “Se ela ocorrer“, pensou sem coragem de dizer sobre suas dúvidas. Não queria pôr em cheque a esperança alheia.

 

Nós saberemos, mas enquanto nossa hora não chega, teremos que aguardar. Nossas tropas estão escondidas esperando o momento certo para atacar.

 

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– O que eu faço com o Grimório?

 

Tu ficarás conosco até que o destino de anjos e demônios seja selado. Se nosso plano obtiver êxito, e temos convicção que no final venceremos, tu jogarás o livro no Lago de Fogo e estarás liberado dessa sina maldita. E… continue lendo o livro sempre que puder. – O necromante ficou com uma estranha sensação no ar.

 

De repente, das árvores surgiram ruídos. Havia alguém embrenhado na mata. Os arcanjos imediatamente desembainharam suas espadas cravejadas e engastadas de pedras preciosas. A tensão se abateu sobre todos eles até que um rosto magro, que lembrava a imagem de um roedor, e sorridente emergiu da floresta:

 

– Lúcifer, amigão! Você sobreviveu! – Era Hermes acompanhado de Al Gore e dos demônios que estavam com ele antes da busca no Inferno.

 

No Inferno.

 

Lúcifer, após ver a fuga de Metatron, olhou para seu reino e ficou copioso. Há dois mil anos o Inferno era um lugar dinâmico, repleto de fogo, vulcões e gêiseres. Quando reinou, havia ali muitas fontes termais para deleite dos anjos caídos, havia também grandes celeiros de almas e, apesar do ódio ao Paraíso, eram todos felizes. Mas depois de tanto tempo, o Inferno se tornou uma terra árida e abandonada. As almas vagavam a esmo por aqui e acolá. Seu palácio havia perdido todo o brilho e as masmorras onde se torturavam os anjos capangas de Metatron estavam desativadas. Pensou, então, no filho incompetente e na mulher burra que possuía. Metatron os tinha mantido ali justamente para que o Inferno entrasse em decadência e deixasse de ser uma alternativa ao Paraíso. Segundo Abigor, o mais leal general de Lúcifer, para Mammom eram dadas riquezas, que lotavam metade dos palácios, e para Lilith segurança e liberdade para que se relacionasse com qualquer ser humano ou demônio que quisesse. Ainda segundo o braço direito de Lúcifer, quase todos os generais e demônios haviam abandonado o lugar, porque jamais jurariam lealdade a Mammon, visto que o filho de Satã não passava de uma marionete do Paraíso. Dispersaram-se pelo mundo e passaram a viver entre os humanos. Após muito refletir, observando a paisagem desértica e o palácio parcialmente destruído, Lúcifer dirigiu-se a Lilith:

 

Minha querida Lilith, há quanto tempo. Tu estás linda, como sempre.

 

Amor, senti tanto tua falta. Continuo apaixonada por ti. Por todos esses anos guardei-me para ti e cuidei muito bem das tuas outras esposas.

 

Amanhã partirei para a guerra e tu partirás em busca de Esmeralda, filha de Klepoth, a depravada. Deverá trazê-la para mim. Prepare nosso leito.

 

Sim, senhor. – Disse enfurecida a esposa de Lúcifer.

 

Dirigiu-se então para o filho, Mammon:

 

O Inferno está uma bagunça, filho, e tu estás gordo; repulsivo. Fiquei sabendo que ganhou a alcunha de “avarento”. A visão que tenho de ti é patética, bobão. Um ser perfeito como eu deveria gerar algo melhor. Talvez a minha futura nova esposa consiga me dar um filho que dignifique minha pessoa, assim como Metatron tem um filho à altura. – Olhou rapidamente e desafiadoramente para Lilith. Voltou a encarar o filho. – Não sei como meus generais não te mataram. Será que Metatron tem alguma coisa a ver com isso? Não gostaria nada de ter um filho envolvido com o meu pior inimigo.

 

Eu não tenho nada a ver com ele, pai. Sempre fui leal a ti. Infelizmente não sou poderoso suficiente como tu para derrotá-lo. Não pude evitar que viesse até nossa residência.

 

Lúcifer, então, dirigiu-se ao demônio cujo corpo havia tomado para, com a ajuda do necromante, ludibriar Metatron, que estava à espreita em seu palácio, sentado em seu trono:

 

Moloch, quero que vigie meu filho. Qualquer atitude suspeita por parte dele, mate-o, imediatamente.  

 

Depois, partiu para fora do palácio e voou alto. Em torno do castelo, centenas de milhares de demônios estavam reunidos: alguns esperando a tão aguardada aparição de Lúcifer e outros torturando ou então se alimentando de anjos mortos. Do alto, Satã viu uma potestade sendo linchada. Desceu vagarosamente até onde seus súditos praticavam a barbárie. Prontamente os demônios que estavam matando o soldado celestial se afastaram. A potestade agonizava, estava estendida no chão e por todo seu corpo havia sangue azul escorrendo por incontáveis orifícios abertos por espadas e mordidas. A face estava parcialmente queimada. Os dentes estavam todos quebrados. Uma de suas órbitas oculares foi arrancada.

 

Aniel, a potestade preferida de Metatron e de Menadel. – Riu o algoz. Lúcifer pegou Aniel pelas madeixas e voou até ficar muitos metros acima do palácio.

 

Prezadas vítimas da ignomínia celestial, é chegada a hora da vingança. Por séculos fomos achincalhados e eu, por milênios, fui confinado em uma masmorra cruel. Fomos espezinhados, humilhados, expulsos de nossos lares, separados de nossas famílias e jogados neste lugar inóspito e soturno. O Paraíso nos foi negado e, como se não bastasse, Ele nos infectou, amaldiçoando-nos: de detentores de uma beleza sem igual, passamos a carregar conosco a vergonha da deformação. Passamos a ter corpos repugnantes e fétidos e a pecha de assassinos brutais e covardes. A fama de seres que ostentam a bandeira do mal e a responsabilidade por toda desgraça que se abate no Céu ou na Terra foram atribuídas a nós. Sim, nossa imagem se tornou repugnante, nossa história foi desvirtuada e nossos sentimentos ignorados e abafados. E por quê? E por quê?!?! Porque ousamos fazer um novo mundo, ousamos desafiar a ordem instituída, ousamos criar um mundo em que todos poderiam ser tratados de forma igualitária, onde os serafins não mandassem e desmandassem como bem quisessem. Sim, meus caros, nós nos tornamos flagelos, mas não por que somos ou merecíamos, mas porque Ele quis. Entretanto, nossa hora chegou. Depois de tanto tempo, não mais nos calaremos, não mais sofreremos, nós venceremos, retomaremos nossa dignidade e nos vingaremos… O Paraíso cairá, as chamas invadirão o reino do Céu e nós eliminaremos nossos inimigos. O caos reinará e Metatron morrerá!

 

Com sua espada negra, cortou a cabeça de Aniel. O corpo caiu sobre a multidão de demônios que em segundos o retalharam e sumiram com as partes. Então Lúcifer, portando a cabeça de Aniel, bradou:

 

“Citius”!!!!!!!!!!

 

Ao que a massa enlouquecida de demônios respondeu:

 

HAU!!!!!!!!!!!!!

 

“Altius”!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

 

HAU!!!!!!!!!!!!!!!!

 

“Fortius”!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

 

HAUIIIIIIIIIIIIIIIIIII

 

Marchemos irmãos, marchemos rumo ao Céu! Destruam tudo; destruam todos! No final, venceremos!!!

 

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No Paraíso:

 

Metatron chegou do Inferno furioso e esbaforido. Convocou imediatamente uma reunião de urgência em que todos os seres do Paraíso deveriam estar presentes imediatamente. Blasfemava em seu palácio presidencial com todos aqueles que estavam junto dele. Passou a olhar todos como possíveis traidores. Apenas seu filho, que se sentava à direita dele, teve coragem o suficiente para contrariar os mandos e desmandos de Metatron, como fazia há mais de 500 anos. Metatron, no entanto, sempre o ignorava, pois achava o filho fraco e condolente demais.

 

Pai, você sabe que eu não concordo com isso. Essa guerra não nos levará a nada. Perdoe e seja perdoado. Não comece uma guerra. Tu fizeste a ele o que não queria que fizessem contigo. Não cometa este erro novamente. Lembre-se de que nada que vem de fora pode te contaminar. O que te contamina é tua insegurança e tua desenfreada busca pela perfeição.

 

Metatron nada disse, pois estava pensando no discurso que logo faria e na traição perpetrada pelos arcanjos. A imagem deles atacando seus exércitos e a imagem deles fugindo covardemente do inferno causavam-lhe asco. Quando teria perdido o controle? Essa pergunta não saía de sua mente. A sociedade celestial era perfeita. Não havia atritos. Cada um tinha sua competência e seu conjunto de atribuições. Nada faltava a ninguém. Até os mais jovens anjos eram educados e treinados. Todos aprendiam desde o berço a serem cidadãos completos. Aprendiam cultura, artesanato, história e ciências naturais. Metatron, o grande, cuidava de todo o currículo. Os jovens faziam exercícios militares na escola de guerra do Céu. Eram arduamente doutrinados: seguiam a hierarquia, respeitavam os mais velhos, sabiam como agir em caso de ataques terroristas perpetrados pelos demônios e como agir em campo de batalha. Além disso, e o mais importante de tudo: aprendiam a glorificar o Paraíso como nação, cuidando para que nada saísse dos eixos. Metatron criou a sociedade mais segura que já existiu. Suas engrenagens eram perfeitas e nada fugia do controle. Ninguém precisava se preocupar com nada a não ser com seu trabalho, pois Metatron se preocupava por eles… e mesmo assim havia traidores? Ingratos! Como não havia percebido? Quando a perfeição se fora? Será que a força inexorável do tempo havia mitigado qualidades até então inabaláveis? Será que o tempo não respeitaria nem o mais poderoso imortal? Não, impossível! A perfeição estaria em tudo até o fim dos tempos. Os arcanjos tiveram ajuda. Não poderiam ter feito tudo sozinhos. Tinham informações confidenciais que não deveriam saber. Eles foram apenas os executores do plano para libertar Lúcifer. Mas quem seriam os mentores? Lúcifer tentou fugir inúmeras vezes de sua prisão e sempre fracassou, mas dessa vez ele conseguiu porque teve ajuda externa. Além disso, como Lúcifer sabia que não poderia entrar no Inferno como espírito, sob pena de ser descoberto? E como aquele exército de demônios foi formado em poucos dias, sem que houvesse qualquer tentativa de dispersá-lo por parte da armada celestial? Alguém da alta cúpula passou informações para o inimigo e as sonegou para Metatron.

 

Em poucos minutos, parte dos milhões de habitantes do Paraíso se reuniu na frente da sede do Governo de Metatron – todo ano ocorriam treinamentos para inúmeros tipos de convocações, emergências e manobras. Então, o titã voou para o centro da praça e, quando o silêncio daqueles que estavam sob ele emergiu absoluto, começou o seu discurso:

 

Compatriotas, fomos traídos! Uma conspiração de arcanjos libertou Lúcifer.

 

Oh! – Ouviram-se muitos murmúrios na praça central

 

Os arcanjos ajudaram Lúcifer a se libertar, reuniram o exército de demônios, ajudaram Satã a reaver seu corpo e, como se tudo isso não bastasse, meus caros, lutaram e abateram anjos, nossos pares. Neste momento, o exército de Lúcifer se reúne e se prepara para o ataque. É chegado o dia do Juízo Final. Devemos nos unir nesta época de crise, devemos lutar até o fim e combater as nefastas forças do mal. Nosso modo de vida, nossa cultura, a bondade e todo o esplendor que emanam do Céu devem prosperar e esmagar o mal. Como no passado, sairemos vitoriosos e, dessa vez, Lúcifer será derrotado para sempre. Queimará no Lago de Fogo por toda a eternidade e, com ele, irão todos os seus sequazes. No fim, a ordem vencerá o caos… Quanto aos traidores, Samuel, Ezequiel, Uriel, Miguel, Rafael, Gabriel e Jofiel, eles serão caçados até a morte. A licença para matá-los está irrevogavelmente concedida. – Pausa. – Infelizmente, soldados, não há apenas traidores entre os arcanjos, temo que haja mais traidores entre nós, inclusive nas altas cúpulas da nossa sociedade. Por isso, guardiões da luz, fiquem atentos, delatem os traidores, pois, do contrário, pereceremos.

 

Por fim, invocou o lema de guerra da sociedade que construiu e por todos foi seguido:

 

O que somos?… Amigos!

O que queremos?… Alvorada!

O que amamos?… O perigo!

O que tememos?… Nada!

Em posição!… Já!

 

O clamor se espalhou entre os anjos e, enfim, Metatron colocaria à prova toda a ordem social e militar que organizara meticulosamente ao longo das eras.

 

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O choque entre a ordem e o caos estava prestes a acontecer.

 

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CONTINUA…

 

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